O
PROBLEMA FUNDAMENTAL DA FILOSOFIA
I—
Duas maneiras de explicar o
mundo.
Vimos que a filosofia
é o «estudo dos problemas mais gerais», e que tem por fim explicar o mundo, a
natureza, o homem.
Se abrirmos um manual
de filosofia burguesa, ficamos espantados com o grande número de filosofias
diversas que aí se encontram. São designadas por múltiplas palavras, mais ou
menos complicadas, terminando em «ismo»: o criticismo, o evolucionismo, o
intelectualismo, etc., e esta quantidade cria a confusão. A burguesia, aliás,
nada fez para esclarecer a situação, antes pelo contrário. Mas, podemos já
fazer
a triagem de todos
esses sistemas, e distinguir duas grandes correntes, duas concepções
nitidamente opostas:
a)
A concepção científica.
b)
A concepção não científica do mundo.
II.
— A matéria e o espírito.
Quando os filósofos
tentaram explicar o mundo, a natureza, o homem, tudo o que nos rodeia, enfim,
foram levados a fazer distinções. Nós próprios constatamos que há coisas,
objetos que são materiais, que vemos e tocamos. Depois, outras realidades que
não vemos e não podemos tocar, nem medir, como as nossas ideias.
Classificamos,
portanto, assim as coisas: por um lado, as que são materiais; por outro, as que
não o são, e pertencem ao domínio do espírito, do pensamento, das ideias.
Foi assim que os
filósofos se encontraram em presença da matéria
e do espírito.
III.
— O que é a matéria? O que é o
espírito?
Acabamos de ver, de
uma maneira geral, como se foi levado a classificar as coisas, conforme são
matéria ou espírito.
Mas devemos precisar
que esta distinção se faz sob diversas formas e com palavras diferentes.
É assim que, em vez
de falar do espírito, falamos, afinal, do pensamento, das nossas ideias, da
nossa consciência, da alma, assim como, falando da natureza, do mundo, da
terra, do ser, é da matéria que se trata.
Assim, ainda quando
Engels, no seu livro «Ludwig Feuerbach e o fim da
filosofia clássica alemã», fala do ser e do pensamento, o ser é
a matéria; o pensamento, o espírito.
Para definir o que é
o pensamento ou o espírito, o ser ou a matéria, diremos:
O
pensamento é a ideia que fazemos das coisas; algumas dessas ideias
vêm-nos ordinariamente das nossas sensações e correspondem a objetos materiais;
outras, como as de Deus, filosofia, infinito, do próprio pensamento, não
correspondem a objetos materiais. O essencial, que devemos fixar aqui, é que
temos ideias, pensamentos, sentimentos, porque vemos e sentimos.
A
matéria ou o ser é o que as nossas sensações e percepções nos
mostram e apresentam, é, duma maneira geral, tudo o que nos rodeia, a que se
chama o «mundo exterior». Exemplo: a minha folha de papel é branca.
Saber
que é branca é uma ideia, e são os meus sentidos que me dão
tal ideia. Mas a matéria é a própria folha.
É por isso que,
quando os filósofos falam das relações entre o ser e o pensamento, ou entre o
espírito e a matéria, ou entre a consciência e o cérebro, etc., tudo isso diz
respeito à mesma pergunta, e significa: qual é, da matéria ou do espírito, do
ser ou do pensamento, o termo mais importante? Qual é o que é anterior ao
outro? Tal é a interrogação fundamental da filosofia.
IV.
— A pergunta ou o problema
fundamental da filosofia.
Não há ninguém que
não se tenha interrogado em que nos tornamos depois da morte, de onde vem o
mundo, como se formou a Terra. E é-nos difícil admitir que sempre
existiu qualquer coisa. Tem-se tendência em pensar que num
dado momento nada haveria. É por isso que é mais fácil acreditar no que ensina
a religião:
«O espírito pairava
sobre as trevas... depois veio a matéria». Do mesmo modo, perguntamo-nos onde
estão os nossos pensamentos, e, assim, põe-se-nos o problema das relações que
existem entre o espírito e a matéria, entre o cérebro e o pensamento. Há,
aliás, muitas outras maneiras de pôr a questão. Por exemplo,
quais são as relações
entre a vontade e o poder? A vontade é, aqui, o espírito, o pensamento; e o
poder é o que é possível, é o ser, a matéria. Encontramos, assim, muitas vezes,
a questão das relações entre a «consciência social» e a «existência social».
A pergunta
fundamental da filosofia apresenta-se, pois, sob diferentes aspectos, e vê-se
quanto é importante reconhecer sempre a maneira em que se põe este problema das
relações da matéria e do espírito, uma vez que sabemos que só pode haver duas
respostas a essa pergunta:
1. Uma resposta
científica.
2. Uma resposta não
científica.
V.
— Idealismo ou materialismo.
Foi assim que os
filósofos foram levados a tomar posição nesta importante questão.
Os primeiros homens,
completamente ignorantes, não tendo nenhum conhecimento do mundo, nem deles
próprios, e não dispondo senão de fracos meios técnicos para agir sobre o
mundo, atribuíam a seres sobrenaturais a responsabilidade de tudo o que os
espantava. Na sua imaginação, excitada pelos sonhos em que viam viver os seus
semelhantes e eles próprios, chegaram à concepção de que cada um de nós tinha
uma dupla existência. Perturbados pela idéia deste «duplo», chegaram a imaginar
que os seus pensamentos e sensações eram produzidos, não pelo seu próprio
corpo,
“mas
por uma alma particular, habitando nesse corpo e deixando-o na hora da morte”2.
Em conseqüência,
nasceu a idéia da imortalidade da alma e de uma possível vida do espírito fora
da matéria.
Do mesmo modo, a sua
fraqueza, a inquietação perante as forças da natureza, face a todos esses
fenômenos que não compreendiam, e que o estado da técnica não lhes permitia
corrigir (germinação, tempestades, inundações, etc.), levam-nos a supor que,
por trás dessas forças, há seres onipotentes, «espíritos» ou «deuses» benéficos
ou maléficos, mas, em todo o caso, caprichosos.
Por igual razão,
criam em deuses, em seres mais poderosos do que os homens, mas imaginavam-nos,
sob a forma de homens ou animais, como corpos materiais. É somente mais tarde
que as almas e os deuses (depois o Deus
único que substituiu os deuses) foram concebidos como puros espíritos.
Chega-se então à idéia
de que há na realidade espíritos que têm uma vida inteiramente específica, completamente
independente da dos corpos, e que não têm necessidade deles para existir.
Assim, tal assunto
pôs-se de uma maneira mais clara em função da religião, sob esta forma: O
mundo foi criado por Deus ou existe desde sempre?
Conforme
respondiam desta ou daquela maneira a tal pergunta, os filósofos dividiam-se em
duas grandes facções3.
Os que, adotando a
explicação não científica, admitiam a criação do mundo por Deus, isto é,
afirmavam que o espírito tinha criado a matéria, formavam a facção do
idealismo.
Os outros, os que
procuravam dar uma explicação científica do mundo, e pensavam que a natureza, a
matéria era o elemento principal, pretendam às diferentes escolas do
materialismo.
Na origem, estas duas
expressões, idealismo e materialismo, não significavam outra coisa senão isso.
O idealismo e o
materialismo dão, pois, duas respostas opostas e contraditórias ao problema
fundamental da filosofia.
O idealismo é a
concepção não científica. O materialismo é a concepção científica do mundo.
Ver-se-á, mais
adiante, as provas desta afirmação, mas podemos dizer, desde já, que: se constata bem, na experiência, que há corpos
sem pensamento, como as pedras, os metais, a terra, não se constata nunca, pelo
contrário, a existência do espírito sem corpo.
Para terminar este
capítulo com uma conclusão sem equívoco, veremos que, para responder a esta
pergunta: como é que o homem pensa? não pode haver mais do que duas respostas,
inteiramente diferentes e totalmente opostas:
1.ª resposta: O homem
pensa porque tem uma alma.
2.ª resposta: O homem
pensa porque tem um cérebro.
Conforme dermos uma
ou outra resposta, estaremos preparados para dar soluções aos problemas que
resultam desta questão.
Segundo a nossa
resposta, seremos idealistas ou materialistas.
2 Friedrich
ENGELS: «Ludwig Feuerbach e o fim da
filosofia clássica alemã», Obras Escolhidas de Marx e Engels em Três Tomos, Ed.
Avante 1985, Tomo III, pp 375-421
3 Idem.
Próximo
capitulo: O IDEALISMO
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