Georg Lukács
Primeira
Edição: As Teses
de Blum foram elaboradas em 1928 por Lukács, sob o pseudônimo de Blum, para
o II Congresso (ilegal) do Partido Comunista da Hungria (KPU). Seu título
original era “Teses sobre a situação econômica e política na Hungria e sobre as
tarefas do KPU”, expostas em cinco partes: 1) A situação do KPU durante o I
Congresso (1918) e seu desenvolvimento até o Plenum de 1928; 2) As mudanças
fundamentais durante o regime de Bethlen e as classes; 3) A situação da
classe trabalhadora; 4) A atividade do KPU desde o Plenum de 1928; 5) Os
principais problemas da situação atual. O extrato que aqui publicamos, “A
Ditadura Democrática” – capítulo central das Teses -, corresponde ao item A da
parte 5. Na época, as Teses de Blum tiveram enorme repercussão no
interior do movimento comunista internacional e do KPU. Já em 1928, o Comitê
Executivo da Internacional Comunista, através de uma “Carta Aberta a todos os
militantes do KPU”, reagiu violentamente, considerando que as Teses
“nada tinham a ver com o bolchevismo”, eram “liquidacionistas” e “direitistas”,
por defenderem a revolução democrático-burguesa e excluírem a transição direta
para a ditadura do proletariado, propondo ao contrário a “ditadura
democrática”. Meses depois, em 1929, Lukács realizou uma autocrítica formal e
abandonou todo o trabalho ativo no partido húngaro. (Ver a respeito o “Prólogo”
de 1967 a História e Consciência de Classe.) Até hoje, as Teses
não foram integralmente publicadas: são conhecidas apenas as partes 1 e 4 e os
itens A e D da parte 5, conforme observa a tradução alemã
publicada em Lukács, Schriften zur Ideologie und Politik (Berlin,
Hermann Luchterhand Verlag, 1973, pp. 290-322). A presente tradução brasileira
foi feita a partir do texto italiano inserido em Lukács, Scritti Politici
Giovanili, 1919-28 (organizado e traduzido por Paolo Manganaro, Bari,
Laterza, 1972, pp. 313-327), e cotejada com a mencionada tradução alemã. A
tradução das Teses é de Silvia Anette Kneip; o confronto com o texto
alemão foi feito por Luis Arturo Obojes, que também colaborou na organização
das notas.
Fonte: CHASIN, J. (org). Temas de Ciências Humanas, no 7. São Paulo: Livraria Editora Ciências Humanas Ltda., 1980.
Transcrição: Odair Michelli.
Enviado por: Jason T. Borba.
Fonte: CHASIN, J. (org). Temas de Ciências Humanas, no 7. São Paulo: Livraria Editora Ciências Humanas Ltda., 1980.
Transcrição: Odair Michelli.
Enviado por: Jason T. Borba.
O programa aprovado pelo VI congresso mundial
inclui, corretamente, a Hungria entre Estados onde o problema da ditadura
democrática desempenha um papel decisivo diante da passagem à revolução do
proletariado. Por isso, o partido deve explicar este problema sob todas as
formas possíveis; em primeiro lugar a seus militantes e depois às amplas massas
operárias. Nesta explicação, deve-se ressaltar os seguintes aspectos:
- No que se refere à questão
da democracia burguesa, é necessário neutralizar entre os trabalhadores o
niilismo derivado das desilusões com a política do partido socialdemocrático.
A concepção marxista da democracia burguesa como um campo de batalha mais
útil ao proletariado deve ser amplamente difundida entre os membros do
partido. Deve-se compreender que a realização de um tal campo de batalha
requer grandes conflitos revolucionários. Por isto, as experiências da
revolução de 1917 na Rússia e de 1918/19 na Hungria devem tornar-se objeto
de consideração e ser popularizadas. (Na primavera de 1917 Lênin
dizia: “A Rússia representa a democracia mais progressista do mundo”.)
- Deve-se, desde já, atacar
toda concepção de que a ditadura democrática é uma forma transitória entre
o regime de Bethlen e a
ditadura do proletariado – é como dizer que atualmente existe o regime de Bethlen,
que após a sua destruição obteremos a ditadura democrática e que somente
quando tivermos edificado e realizado esta última amanhecerá a época da
ditadura do proletariado. As formas de uma ditadura democrática podem ser
muito variadas. No início de 1917, em oposição a Kamenev que
desejava fixar o partido na forma da ditadura democrática em 1905, Lênin(1)
acentuava que no início da revolução de 1917 a ditadura democrática era
realizada de forma bem precisa: uma destas formas era a de um
contragoverno formado pelos conselhos dos operários e dos soldados.
A
ditadura democrática, portanto, como completa realização da democracia burguesa
é, no sentido exato do termo, um campo de batalha, um campo da batalha totalmente
decisiva entre burguesia e proletariado. Obviamente, ela também é, ao mesmo
tempo, o mais importante instrumento de luta, uma possibilidade de chamar as
mais amplas massas, de sublevá-las e dirigi-las à ação revolucionária
espontânea, e também de afrouxar as formas organizativas e ideológicas com as
quais a burguesia, em circunstâncias “normais”, desorganiza as amplas massas do
povo trabalhador; a ditadura democrática é uma possibilidade de criar as formas
de organização com as quais as amplas massas dos operários fazem valer seus
próprios interesses contra a burguesia. A ditadura democrática é essencialmente
incompatível, no atual nível de desenvolvimento, com o poder econômico e social
da burguesia, embora o explícito conteúdo de classe de seu objetivo concreto e
de suas reivindicações imediatas não vá além do âmbito da sociedade burguesa,
mas represente, ao contrário, a completa realização da democracia burguesa. (Em
1793, a realização de uma democracia acabada não se achava ainda em profunda
oposição com o poder do capitalismo, mas, ao contrário, o promovia.) Por isto,
tanto na revolução de Kerensky como na de Karoly, era necessário que a burguesia
procurasse rapidamente combater a “mais desenvolvida das democracias” que se
seguiu ao estouro da revolução e se esforçasse por restabelecer o quanto antes
aquela democracia “normal” que garante o poder do capitalismo – ou, enfim,
aquela situação em que o reconstruído aparato estatal, as organizações
estatais, a hegemonia econômica da burguesia, etc., tornam a suprimir a
espontaneidade das massas; isto é, uma condição na qual as massas são novamente
desorganizadas pela burguesia e pelos seus agentes, em primeiro lugar pelos socialdemocratas.
A ditadura do proletariado, portanto, embora em seu conteúdo concreto imediato
não vá além da sociedade burguesa, é uma forma dialética de transição para a
revolução do proletariado – ou para a contrarrevolução. Um atraso da ditadura
democrática, entendida como um período de desenvolvimento estável,
“estabelecido na constituição”, significaria necessariamente a vitória da contrarrevolução.
A ditadura democrática, portanto, só pode ser entendida como a via concreta
através da qual a revolução burguesa se desdobra em revolução do proletariado.
“Não existe nenhuma muralha chinesa entre a revolução burguesa e a revolução do
proletariado” (Lênin).(2)
- Por isto, as funções
antitéticas da democracia burguesa devem ser explicadas aos membros do
partido com a máxima exatidão. Deve-se distinguir claramente se nesta
democracia a burguesia é a classe politicamente dominante, ou se – com a
perpetuação da exploração econômica – ela concede o poder, pelo menos em
parte, às amplas massas dos operários. No primeiro caso, a função da
democracia é a de dispersar, desviar, desorganizar as massas operárias; no
segundo, de minar e desorganizar o poder político e econômico da
burguesia, e de organizar as massas operárias para a ação autônoma. Por
isso, os comunistas, perante a validade ou não da democracia, devem
colocar a questão nos seguintes termos: qual classe será desorganizada em
seu poder pela democracia? A democracia tem do ponto de vista da
burguesia, uma função de consolidação ou de destruição? (A “luta” da socialdemocracia
pelas reformas democráticas desenvolveu-se sempre sob o signo de uma
consolidação com vistas a prevenir uma revolução.) Todas as palavras de
ordem da ditadura democrática devem ser avaliadas deste ponto de vista: do
ponto de vista da mobilização das massas e da desorganização da burguesia.
Assim, por exemplo, o controle operário da produção, hoje tornado atual.
Por isto, não se deve alimentar ilusões de que o controle sobre a produção
poderia ter um efeito de consolidação. O desmascaramento da
sabotagem burguesa – ou eventualmente apenas a sua neutralização – só tem
um certo valor como luta pelo poder, como instrumento de mobilização das
massas.
Se no
atual momento queremos utilizar a ditadura democrática como uma concreta
palavra de ordem estratégica, devemos ter uma ideia clara sobre o que significa
o imperialismo do pós-guerra e sobre as formas que a democracia assume em
função da consolidação do poder da burguesia. Esta questão está desfigurada
entre as amplas massas dos operários europeus pelo fato de a democracia, na
maior parte dos países europeus, ser um resultado da revolução burguesa, tendo
as classes oprimidas e exploradas combatido por séculos, ou seja como for, por
decênios, em conjunto com a burguesia pela derrocada do absolutismo feudal e
pela conquista de uma democracia burguesa. Por isto, apenas com dificuldade as
massas reconhecem a situação totalmente nova surgida com o imperialismo, embora
tenhamos em nossa frente um exemplo paradigmático desta situação: os Estados
Unidos da América. Neste país, como classe dominante que não precisou contar
com a ajuda dos proletariados e das massas semiproletárias para abolir o poder
feudal, a burguesia conseguiu criar formas de democracia nas quais são dadas
todas as possibilidades ao livre desenvolvimento, à acumulação e à ampliação
dos capitais, e nas quais as formas exteriores de democracia são asseguradas,
mas as massas operárias não podem exercer qualquer influência sobre a direção
política propriamente dita. A América, não só economicamente, mas também
politicamente, é um ideal da atual burguesia dominante. O desenvolvimento
político das grandes “democracias ocidentais” tende, nos últimos anos, cada vez
mais, a criar uma tal democracia nas mais diversas variações. As ilusões nas
massas operárias, abstraindo as tradições revolucionárias que são vivas
particularmente na França mas que agem também na Alemanha, são apoiadas pela
política da socialdemocracia. A socialdemocracia, que no período imediatamente
posterior à revolução russa concentrou as suas forças numa ação de propaganda
contra a ditadura do proletariado, tende a estimular a edificação de uma
democracia de tipo americano em todos os Estados da Europa. Esta tendência tem
origens econômicas muito importantes, do ponto de vista da burocracia operária.
De fato, o imperialismo do pós-guerra, particularmente por causa da preparação
de uma nova guerra mundial, mas também por causa da dura luta pelo mercado
mundial, é obrigado a não tolerar mais a luta sindical do tipo da anterior à
guerra, qualquer que seja a forma em que ela se explicite, ou seja, é obrigado
a fascistizar os sindicatos. Essa fascistização manifesta-se sob formas muito
variáveis. Mussolini criou um tipo que, com a ajuda
de uma contrarrevolução feita pela pequena burguesia e pelos camponeses médios,
destruiu os velhos sindicatos e em seu lugar implantou novos. Esta
solução é perigosa tanto para a burguesia como para a burocracia operária. À
burguesia custa muito transformar a contrarrevolução pequeno-burguesa em
consolidação da grande burguesia; uma parte da burocracia operária perde as
suas posições no movimento operário (emigração italiana); a parte que, ao
contrário, se adapta ao sistema fascista se contrapõe perigosamente às massas
operárias. Diante desta solução – tanto do ponto de vista da grande burguesia
como do ponto de vista da burocracia operária – parece apresentar mais
vantagens e menos atritos e perigos aquele método que na Alemanha já havia sido
realizado com o ajuste dos conflitos através do Estado, que na Inglaterra já
entrou parcialmente em vigor com uma lei sindical e que o “mondismo”(3) deve
coroar. É claro que nos confrontos do proletariado o conteúdo de classe de
ambos os sistemas é idêntico. Somente os métodos são diferentes. Esta diferença
nos métodos significa, obviamente, que em todo Estado fascista exerciam o poder
camadas sociais diferentes, isto é, que estas camadas participam de diversas
maneiras no poder. Com base nesta situação, torna-se compreensível porque toda
a socialdemocracia internacional coloca a questão nos termos alternativos
“democracia ou fascismo”. Colocando a questão desta maneira, a socialdemocracia
esconde dos operários os efetivos objetivos de classe de uma democracia
possível na atual fase do imperialismo, e favorece a supressão das lutas de
classe, o impedimento institucional das lutas salariais, a fascistização dos
sindicatos, a inserção da socialdemocracia e da burocracia operária no aparato
estatal fascista. (As consequências de todo este sistema, que implicam uma
preparação para a guerra, são reconhecíveis claramente na proposta de lei de Paul
Boncour para a
mobilização, proposta esta que apela, precisamente, para modelos americanos.)
Por isso, se no primeiro período da revolução do proletariado foi uma tarefa de
importância fundamental desmascarar a errônea colocação do problema da ditadura
e indicar que a verdadeira colocação é a alternativa “ditadura da burguesia ou
do proletariado” – agora é uma tarefa básica desmascarar a desviante
alternativa de democracia ou fascismo. É necessário mostrar que o
desenvolvimento democrático apenas iniciado entre nós é, do mesmo modo que nas
“democracias ocidentais”, uma espécie de fascistização, a qual – em contraste
com o modelo italiano – se baseia na colaboração entre a grande burguesia e a burocracia
operária. Por isto, à palavra de ordem “democracia ou fascismo” deve ser
contraposta uma outra palavra de ordem: “classe contra classe”; e à luta pelas
reivindicações democráticas que assegurem possibilidade de manobra às camadas
operárias deve-se contrapor a luta pela ditadura democrática.
No
pós-guerra imperialista, o papel do Estado também conheceu – mediante a
transformação da ordem produtiva – decisivas mudanças. Surge uma estreita
ligação entre o Estado e a produção capitalista, relação que se apresenta, de
um lado, como uma sempre crescente influência do Estado sobre as possibilidades
de produção capitalista, sobre a disposição e a acumulação do capital etc.; e,
de outro lado, como uma crescente influência do grande capital (capital bancário
e indústria pesada dirigida por ele) sobre o Estado. Esta estreita ligação
entre o Estado e o grande capital já se mostrava, também, antes da guerra. A
evolução durante a guerra e depois da guerra não fez mais do que reforçar esta
tendência. A agudização sempre crescente da luta de classe, portanto, obriga o
Estado a criar garantias institucionais sempre maiores. A desorganização das
massas, a sua falta de influência na vida do Estado, a interdição da luta de
classe à classe operária mediante instrumentos legais, não são novidades, mas
se colocam agora num novo contexto. De fato: a) o peso e nível político das
massas é atualmente superior ao dos precedentes períodos de desenvolvimento.
Mas a isto se contrapõe: b) que os mass-media(4) (imprensa etc.) que
estão à disposição do grande capital cresceram fortemente em eficácia, e c) o
fato inteiramente novo de que semelhantes tendências a uma unidade entre o
capital e o Estado são apoiadas pela camada oficial dirigente das classes
trabalhadoras. Nisso também os Estados Unidos servem de modelo. Todavia,
existem na Europa diferenças políticas e econômicas fundamentais: a) o estrato
superior da classe operária na América (como nos Estados imperialistas europeus
antes da guerra) pode ser contentado materialmente mediante a acumulação, a
exportação do capital, o crescimento e o rápido aumento dos superlucros. As
bases europeias de um tal desenvolvimento são, ao contrário, muito diminutas. b)
Faltam à América as tradições de luta de classe, próprias da classe operária
europeia. c) Em numerosos Estados da Europa, somente com o pós-guerra a
burguesia torna-se a classe politicamente dominante (Alemanha) ou assume em sua
trajetória política uma participação maior do que a que tinha anteriormente
(Hungria). Por isso, a tentativa de unir na Europa a democracia política com a
ausência efetiva de influência das massas e com a supressão institucional ou
arbitrária da luta de classe, não levou a nada e não conseguirá atingir o ideal
americano. Isto não impede, obviamente, que a burguesia e a burocracia operária
queiram aproximar-se mais do modelo americano. Mas os pressupostos são, na
Europa, necessariamente mais incertos do que na América e, por isso, nenhuma
burguesia europeia deixará completamente de lado a possibilidade de um tipo de
fascismo “clássico” (italiano). Ela também terá presente esta possibilidade no
caso de uma agudização da luta de classe, de uma cisão das massas da burguesia.
Um Estado capitalista e imperialista atual, por isso, é levado em igual medida
a privar as massas de qualquer influência política e a contê-las e organizá-las
estatalmente (ou “socialmente” sob vigilância estatal). A forma democrática de
fascistização é a mais eficaz para este duplo objetivo, mas não é, em absoluto,
a única forma.
O
desenvolvimento húngaro se distingue, portanto, por condições históricas e
sociais, do modelo italiano e do inglês. A derrota da revolução na Hungria
levou ao poder as camadas pequeno-burguesas e os camponeses médios, que não
conseguiram entretanto destruir ou reorganizar o movimento sindical e muito
menos conseguiram, como Mussolini, ter adeptos entre a classe
operária. (As causas desta resistência podem ser encontradas, sobretudo, na
derrota da revolução e nas ilusões democráticas da classe operária sobre a socialdemocracia.)
A consolidação dos grandes proprietários de terra e capitalista que se seguiu à
contrarrevolução pequeno-burguesa e médio-camponesa, inserindo os órgãos dessa
no aparato estatal, operou por um longo tempo com métodos contraditórios em
tais questões e em parte opera ainda hoje do mesmo modo (assim o pacto com os socialdemocratas
e também o apoio que lhes é dado). O governo de Bethlen conseguiu rapidamente, nos
últimos anos, reestruturar o aparelho estatal e as organizações sociais. Isto
tornará rapidamente possível a adoção dos métodos “democrático-ocidentais”
(sendo completamente indiferente que Bethlen ou outro realize isto). Os mais
importantes destes critérios são: a) a questão da regulamentação parlamentar e
a necessidade de nomeações públicas em circunscrições com eleições secretas.
Isto permitiria ao regime estender, sem nenhum perigo, as eleições secretas
também às províncias e até às aldeias. b) Uma nova lei de imprensa que,
mediante a exigência de uma fiança elevada e o princípio de uma grande
responsabilidade pessoal, possa facilmente impedir, por via legal, qualquer
publicação oposicionista, ou fazer desaparecer, pelos mesmos meios legais e a
qualquer momento, as publicações já existentes. c) A impressão da autonomia das
cidades, etc. d) Uma câmara alta para garantir o poder ilimitado do grande
capital paralelamente a qualquer outro tipo de parlamento. e) Uma regulamentação
do direito de reunião e de assembleia que sancione no âmbito legal a situação
presente, isto é, a completa abolição do direito à reunião e de assembleia para
os operários e camponeses. f) A fascistização do país. h) a revogação do
direito de greve através da mediação estatal dos conflitos. Logo que este
edifício inteiro estiver suficientemente consolidado, nada mais poderá impedir
que o regime de Bethlen ou de seu sucessor liberal passe
a eleições gerais e secretas, elimine todas as leis extraordinárias e os
decretos, e coloque-se assim ao nível da completa democracia ocidental. Um rei
legítimo seria para essa democracia um verdadeiro coroamento. Essa democracia
constituiria a base social da contrarrevolução húngara, para que esta, a
serviço da Inglaterra, se coloque em guerra contra a União Soviética. No que
concerne a uma semelhante liquidação democrática de toda a democracia burguesa,
existe completa unanimidade de Bethlen e Jenö Kis. A resistência dos
fascistas pequeno-burgueses contra este bloco não conta muito. O mais
entusiasta adepto e propugnador de um tal sistema de democracia é o partido socialdemocrata.
Com o reforço da produção capitalista e da contrarrevolução, com o afastamento
da revolução, a contrarrevolução húngara entra, portanto, na fase do
“desenvolvimento ocidental”. O KPU é o único partido que sustenta, contra o
regime de Bethlen, a verdadeira luta pelas
reformas democráticas.
Nesta
luta, que necessariamente alcança o seu ápice no combate pela ditadura
democrática, o partido deve fazer valer a sua precedente palavra de ordem: a
“república”(5). Até que
a coroação de um rei legítimo seja a expressão do poder imperturbável e
incontrastável da grande propriedade fundiária e do grande capital, a luta pela
república também representa para as amplas massas a luta pela totalidade dos
direitos civis, pelo direito de reunião, de assembleia, e até de greve, etc.
Difundindo esta palavra de ordem, nenhum comunista deve deixar-se enganar pela
assim chamada propaganda republicana da socialdemocracia. Ao contrário, é
necessário que seja chamada a atenção para o fato de que, para os socialdemocratas,
a palavra de ordem da república não significa outra coisa que uma cobertura do
legitimismo, uma função de cão de guarda nos confrontos com os fascistas do
partido pequeno-burguês de Albrecht. Nem sequer no futuro, naturalmente, o
partido deve cunhar a palavra de ordem republicana de maneira isolada. Esta
palavra de ordem somente pode ter um papel como luta pela democracia total,
pela república em cujo vértice esteja o governo dos operários e dos camponeses,
como uma luta contra a liquidação democrática da democracia, como uma
realização da palavra de ordem “classe contra classe”, como uma mobilização
para a luta pela ditadura democrática. (Esta tomada de posição em relação à
república, porém, é válida somente até que a união da grande propriedade
fundiária e do grande capital se coloque a favor de uma monarquia legítima. Se
por motivos de política externa for abandonada esta perspectiva e realizada uma
república burguesa de tipo austro-alemão, então o KPU deverá rever as suas
palavras de ordem táticas, mas sem nada alterar em sua linha estratégica.)
Esta luta
em favor dos operários deve ser conduzida em estreitíssima conexão com as
reivindicações operárias entendidas no sentido mais rigoroso. É preciso mostrar
que no ponto central de todo o fascismo democratizado encontra-se o
rebaixamento do nível de vida da classe operária e a liquidação do direito de
greve. A luta pela ditadura democrática deve, por isso, ser desenvolvida pelos
operários em estreita conexão com a luta contra o fascismo e contra a mediação
estatal dos conflitos. Nesta luta, deve-se obviamente evocar o significado
prático de todos os direitos civis democráticos (direito de reunião, de assembleia,
de imprensa etc.) têm para a luta de classe cotidiana dos operários; deve ser
retomada a luta pela liberdade de movimento dos operários; deve ser retomada a
luta pela liberdade de movimento dos operários nas fábricas (sistema dos
capatazes, comissões internas); deve ser desmascarada a prática do regime
contra todo movimento da classe operária (deportações, papel da política, greve
dos mineiros e dos camponeses etc.). Em uma palavra: a luta pelos direitos
civis burgueses deve ser ligada às exigências cotidianas dos operários. Mesmo
considerando estes problemas cotidianos, deve ser compreendida a denúncia da
traição socialdemocrata, da adaptação orgânica da socialdemocracia ao fascismo
democratizado. Mas, na mesma medida em que se deve lutar contra qualquer
niilismo que se manifeste diante dos direitos civis burgueses, deve-se também
sempre colocar em relevo o valor relativo que do ponto de vista da classe
operária tem a democracia, tanto na sociedade burguesa como na ditadura
democrática. “Entre opressores e oprimidos, entre burguesia e proletariado, não
pode haver nenhuma igualdade” (Lênin)(6). A mais
completa realização da democracia burguesa está bem longe de eliminar a
exploração da classe operária.
A
peculiaridade do desenvolvimento húngaro está no fato de que a forma feudal de
divisão da propriedade fundiária permanece inalterada ao lado doo capitalismo
relativamente adiantado e em via de ulterior desenvolvimento; de que ela
piorou com a reforma da propriedade fundiária, ao invés de melhorar. Embora os
membros da classe dominante, que superaram o provincianismo da Gentry(7), saibam bem que a atual
situação de divisão da propriedade fundiária traz em si o germe de uma revolta
camponesa, e para preveni-la discutam a possibilidade de uma nova reforma
agrária, é objetivamente impossível que a divisão da propriedade fundiária e
grande capital crescem conjuntamente de forma cada vez mais estreita. Os
camponeses médios e mais ainda os estratos inferiores dos camponeses não têm
nenhum partido. Neste aspecto, também os partidos pequeno-burgueses da cidade
seguem sem reserva o grande capital. Portanto, aqui também, o KPU é o único partido
que coloca em sua própria bandeira a realização consequente das reivindicações
da democracia burguesa: expropriação sem indenização da grande propriedade
fundiária, ocupação revolucionária da terra, terra livre para os camponeses!
Sem uma propaganda consequente, sem uma decidida luta no interesse de sua
realização, a união dos operários e dos camponeses, a ditadura democrática, é
somente uma frase oca. O KPU não deve medir esforços para atrair para este
programa estratos sempre mais amplos de trabalhadores agrícolas e de camponeses
pobres. Deve por isso atrair também aqueles estratos da classe operária que
ainda não perderam suas relações com o campo. Ele deve procurar, mediante a
construção regular e organizada de relações com os trabalhadores agrícolas,
fincar raízes nas camadas inferiores da aldeia. A fim de readquirir a confiança
dos camponeses, que ficaram frustrados pela contrarrevolução, o partido deve
fazer uma autocrítica sem reservas da política agrária desastrosa posta em
prática durante a ditadura do proletariado(8). Precisa
esclarecer sem reservas que o partido modificou a posição assumida durante a
ditadura. No partido, deve-se deixar claro para todo membro que aqui está em
jogo uma questão estratégica decisiva para o partido, isto é, que se trata de
um inevitável pressuposto para a conquista do poder e para a libertação do
proletariado. Não deve, pois, surgir a opinião de que isto “não é ainda o
socialismo”, de que o interesse em manter a produção e em satisfazer as
necessidades da classe operária pede uma outra política etc. todos os membros
do partido devem compreender que aqui se trata de uma questão fundamental da
passagem da revolução burguesa à revolução do proletariado, que o poder da
grande propriedade fundiária e do grande capital na Hungria só poderá ser
aniquilado com uma tal revolução, e que os restos do feudalismo somente poderão
ser extirpados com a eliminação do capitalismo.
Notas de
rodapé:
(2*) A
Revolução Proletária e o Renegado Kautsky. Edição Brasileira: São Paulo, Ciências Humanas,
1979. (retornar ao texto)
(3*) Mondismo: movimento político que buscava o estabelecimento
de uma associação entre empregadores e sindicatos, articulado a partir da
atividade do industrial e político Sir Alfred Moritz Mond (1868-1930). (retornar ao texto)
(5*) “República” era a palavra de ordem do Partido Socialista Húngaro (Magyar
Sxocialist Munkáspart), que desempenhou importante papel no programa
transitório formulado no V Congresso da Internacional Comunista (1924). (retornar ao texto)
(8*) Referência à República soviética de Béla
Kun, que se
organizou na Hungria de março a agosto de 1919 e na qual Lukács foi comissário político e comissário
popular encarregado da educação. (retornar ao texto)
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