Escrito por Luiz Eça |
Quando Mohamed Morsi assumiu o poder no Egito, a maioria dos observadores achava que seu destino estava traçado. Um país com um déficit de 36 bilhões de dólares, 40% da população abaixo da linha da pobreza e tendo de importar quase a metade dos alimentos necessários, precisaria do apoio da chamada comunidade internacional. Da ajuda dos EUA e da Europa, dos financiamentos do FMI e do Banco Mundial. Sabe-se que essas coisas não costumam vir de graça. Apesar de sua filiação à Irmandade Muçulmana, de passado anticolonialista, Morsi teria de manter seu país alinhado à política externa estadunidense. Tudo indica que não será assim. Em menos de dois meses no governo, Morsi já tomou uma série de atitudes que deixaram Obama e Hillary Clinton de cabelos em pé. Afastou dos principais postos militares o marechal Tantawi e parceiros, todos eles com uma longa tradição de bons serviços prestados à colaboração EUA-Egito, substituindo-os por oficiais mais jovens e menos comprometidos. Um deles, o general Sedky Sobhi, novo chefe do Estado Maior, afirmou que o apoio incondicional dos EUA a Israel e sua presença militar no Oriente Médio estavam alimentando o antiamericanismo. E recomendou a retirada dos exércitos estadunidenses da região. Na questão da Síria, enquanto os EUA não admitem outra solução que não a derrubada do regime Assad pela força, Morsi propôs a criação de um grupo de países da região para mediar a disputa. Pensando em termos de eficiência, não em seus interesses políticos, sugeriu que esse grupo fosse integrado por países aliados dos dois lados: além do Egito, a Turquia, a Arábia Saudita e o Irã, cujas participações na discussão de um acordo a Casa Branca havia vetado. Convidado por Obama, Morsi o visitará em setembro. Antes, porém, viajou ao Irã e à China. Em Teerã, compareceu à reunião dos países não alinhados, contrariando mais uma vez os EUA, pois, como disse Richard Martin, antigo assistente do secretário de Estado, “a América tem tentado junto com a Europa forjar um sistema de isolamento do Irã e evitar qualquer forma de prestígio do seu regime”. Nesse quesito, a irritação dos EUA será ainda maior, pois tudo indica que o Egito e o Irã deverão, em breve, reatar relações diplomáticas rompidas em l979, nos tempos do dócil e prestimoso Mubarak. Algumas semanas atrás, na Cúpula Islâmica de Meca, Morsi e Ahmadinejad mantiveram contatos extremamente cordiais. Nada bom para Israel, que parecia ter conseguido uma vitória quando Morsi reativou restrições na passagem da fronteira do Egito com Gaza, depois do atentado terrorista que vitimou 16 policiais num check-point. Houve acusações de que os terroristas vieram da Faixa de Gaza, seguidas de protestos e pressões, tanto internas quanto externas, para que a fronteira fosse fechada. Morsi cedeu, parcialmente. Mas ordenou um inquérito que apurou não ter o ataque partido de Gaza. E em breve deve atender ao povo da Faixa, conforme declaração do seu ministro das Informações, Salah Abdel-Maqsoud: “Nós abriremos as fronteiras e permitiremos livre movimentação, mas é necessário esperar mais algum tempo”. Quando ocorreu o ataque, Morsi enviou à região do Sinai forças militares, com helicópteros e tanques, para perseguir os terroristas. De acordo com os acordos de paz com Israel, de 1979, o Egito precisaria pedir autorização a Israel para seus tanques entrarem no Sinai, apesar de ser uma região sob sua soberania. Morsi não levou isso em conta. Estadunidenses e israelenses em princípio protestaram, mas logo se calaram, já que a ocupação militar egípcia do Sinai impediria que terroristas partissem dali para atacar Israel. Novo problema surgiu quando os estadunidenses solicitaram que o Egito atirasse contra um navio iraniano que passava pelo Canal de Suez, supostamente transportando armas para o governo Assad. O governo egípcio negou-se a atendê-los. Adotando uma linha moderada, buscando acordos e conciliações, o novo presidente egípcio vem firmando sua liderança no Oriente Médio. Sair da área de influência dos EUA com um mínimo de atritos parece ser seu objetivo atual. Suas idéias em política externa são bem conhecidas. É favorável ao reconhecimento da Palestina como país independente pela ONU, nas fronteiras de 1967; ao desbloqueio terrestre, aéreo e naval de Gaza; ao direito do Irã a um programa nuclear pacífico; a uma paz negociada na Síria, embora seja contrário ao governo local; a modificações no acordo de paz com Israel. Não será fácil manter todas estas posições sem entrar em choque com o governo dos EUA. Isso poderia barrar a ajuda militar estadunidense, investimentos estrangeiros e financiamentos de entidades supranacionais. Na situação difícil em que se encontra o Egito, seria inconveniente. Por isso mesmo, Morsi já está buscando fontes alternativas de apoio econômico. Na viagem à China, fechou uma série de acordos de novos investimentos em seu país e de incremento das relações comerciais. Que, aliás, já vêm crescendo. Em 2011, mesmo com a economia egípcia em crise, devido às turbulências da política interna, o comércio bilateral Egito-China chegou a 8,8 bilhões de dólares, superando os 7 bilhões do ano anterior, quando tudo estava normal no país das pirâmides. Sem radicalismos, mas com firmeza, o presidente Morsi está levando o Egito para uma posição independente, capaz de fortalecer a ideologia da Primavera Árabe em todo o Oriente Médio. Luiz Eça é jornalista. Website: Olhar o Mundo. |
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terça-feira, 4 de setembro de 2012
O Egito muda de rumo
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