Na hora mais sombria da Síria, um pouco de verdade real aflorou à superfície. Há um par de noites, Al Assad concedeu sua entrevista mais importante em meses – seguirá lutando, disse, e a batalha da Síria está muito longe de terminar – ao canal privado Dunia. Carros-bomba, corpos esquartejados, vítimas gritando, fazem parte hoje do cotidiano das notícias vespertinas. O canal de televisão especializado em dramas perdeu atrativo nos últimos meses. Agora que há um drama verdadeiro nas ruas, quem vai se interessar pela versão teatral?
Robert Fisk (*)
Quando sírios armados irromperam em Damasco,
no mês passado, um enfurecido homem de idade mediana, usando óculos,
apareceu na televisão estatal com uma dura mensagem aos inimigos da
Síria. “Dizem que é a última batalha – rugiu. Sim, estou de acordo que é
a última. E eles perderam!”
Os espectadores sírios não estão acostumados a uma declaração franca como esta vinda de um porta-voz do regime, mas ele é Omran Zoubi, funcionário da linha dura recém- chegado ao posto mais alto das operações midiáticas do governo. O presidente Bashar al Assad o nomeou ministro da Informação para converter a televisão estatal síria em uma fonte crível de informação.
Querem observar tropas sírias abrindo terreno a sangue e fogo nas ruas da capital? Sintonizem a televisão estatal. Querem presenciar o sacrifício do exército: um soldado gravemente ferido estendido em um beco de Alepo, enquanto dois de seus camaradas tentam tratar suas feridas? Tudo o que tem que fazer é sintonizar a jovem cronista – com um capacete azul e um colete anti-balas com o letreiro Imprensa, como seus colegas do Ocidente – que com voz grave transmite sua informação ao vivo desde Alepo no canal Dunia, não estatal, mas dificilmente contrário a Al Assad.
Os sírios – como Zoubi, que é um analista político de uma espécie rara, mas intensa, no governo de Damasco – aprenderam muito da CNN e da Al Jazeera. “Sou um adepto da liberdade e da abertura”, me diz Zoubi no edifício ao qual sempre me referi com cinismo como o Templo da Verdade. E nos dias de Ahmed Iskandar Ahmed e Mohamed Salman – um feroz ministro da Informação, que perdoava os jornalistas errantes, mas morreu de câncer cerebral, e um homem levemente piedoso que ajudava os jornalistas estrangeiros se confiava neles, mas acabou sob prisão domiciliar – a verdade era difícil de achar entre a sucessão de planos quinquenais que os pobres sírios tiveram que devorar.
Mas na hora mais sombria da Síria, um pouco de verdade real aflorou à superfície. Há um par de noites, Al Assad concedeu sua entrevista mais importante em meses – seguirá lutando, disse, e a batalha da Síria está muito longe de terminar – ao canal privado Dunia. Carros-bomba, corpos esquartejados, vítimas gritando, fazem parte hoje do cotidiano das notícias vespertinas. Quando um jornalista da Dunia, que entrevistava uma mulher gravemente ferida, logo depois do massacre de Daraya, retardou os paramédicos que tentavam levá-la para o hospital, os espectadores sírios se indignaram tanto que a emissora se viu a retirar a entrevista de sua cobertura. Obviamente, um canal por satélite ocidental sugeriu que esta censura despertava suspeitas acerca da versão síria das matanças.
“Nada pode ser escondido – insiste Zoubi. Não há justificativa para esconder nada. As pessoas estão acostumadas agora aos fatos reais. Agora se trata de refletir na tele o que ocorre nas ruas. As pessoas têm hoje muitas opções em seus canais de televisão. Queremos ser uma dessas opções. Não se trata de impedir que as pessoas vejam a Al Jazeera, mas quero que sejam capazes de decidir por si mesmas”. Ele sente desprezo pela Al Jazeera e, em certo momento, sugere que a fúria estadunidense em relação à cadeia de notícias por não dizer à verdade poderia ser uma emoção que ele compartilha com Washington.
Faço um convite aberto à oposição síria para que apareça nas telas sírias, diz o ministro. Na era anterior, se exercia veto sobre quem poderia aparecer na tela. Esse veto foi suprimido. Algumas mentalidades se acostumaram muito às velhas regras: foi necessário um pouco de tempo para leva-las a uma maior abertura e liberdade.
“O pior – diz Zoubi – seria a televisão mentir. Não queremos meios de comunicação mentirosos. A diferença entre nós e os meios estrangeiros é que nós dizemos a verdade, mas de uma forma desagradável e pouco refinada. Eles são muito bons em comercializar suas mentiras”.
Bom, até certo ponto, digo para meus botões. Não se vê a televisão síria investigar as torturas infligidas pelos homens da inteligência mujabarati ou a quantidade de dano colateral causado pelo poder bélico do exército, assassinatos deliberados segundo o Exército Sírio Livre, todos os governos ocidentais e muitos jornalistas. Mas apenas esta semana a CNN divulgou uma reportagem exclusiva sobre a oposição síria, na qual homens armados e encapuzados eram identificados como ativistas, termo que antes se reservava para manifestantes desarmados.
Do lado do governo, existem sete canais de televisão, um dedicado a notícias e outro a dramas, o qual, me dizem amigos, perdeu atrativo nos últimos meses. Agora que há um drama verdadeiro nas ruas, quem vai se interessar pela versão teatral?
(*) De The Independent, Especial para Página/12.
Tradução: Katarina Peixoto
Os espectadores sírios não estão acostumados a uma declaração franca como esta vinda de um porta-voz do regime, mas ele é Omran Zoubi, funcionário da linha dura recém- chegado ao posto mais alto das operações midiáticas do governo. O presidente Bashar al Assad o nomeou ministro da Informação para converter a televisão estatal síria em uma fonte crível de informação.
Querem observar tropas sírias abrindo terreno a sangue e fogo nas ruas da capital? Sintonizem a televisão estatal. Querem presenciar o sacrifício do exército: um soldado gravemente ferido estendido em um beco de Alepo, enquanto dois de seus camaradas tentam tratar suas feridas? Tudo o que tem que fazer é sintonizar a jovem cronista – com um capacete azul e um colete anti-balas com o letreiro Imprensa, como seus colegas do Ocidente – que com voz grave transmite sua informação ao vivo desde Alepo no canal Dunia, não estatal, mas dificilmente contrário a Al Assad.
Os sírios – como Zoubi, que é um analista político de uma espécie rara, mas intensa, no governo de Damasco – aprenderam muito da CNN e da Al Jazeera. “Sou um adepto da liberdade e da abertura”, me diz Zoubi no edifício ao qual sempre me referi com cinismo como o Templo da Verdade. E nos dias de Ahmed Iskandar Ahmed e Mohamed Salman – um feroz ministro da Informação, que perdoava os jornalistas errantes, mas morreu de câncer cerebral, e um homem levemente piedoso que ajudava os jornalistas estrangeiros se confiava neles, mas acabou sob prisão domiciliar – a verdade era difícil de achar entre a sucessão de planos quinquenais que os pobres sírios tiveram que devorar.
Mas na hora mais sombria da Síria, um pouco de verdade real aflorou à superfície. Há um par de noites, Al Assad concedeu sua entrevista mais importante em meses – seguirá lutando, disse, e a batalha da Síria está muito longe de terminar – ao canal privado Dunia. Carros-bomba, corpos esquartejados, vítimas gritando, fazem parte hoje do cotidiano das notícias vespertinas. Quando um jornalista da Dunia, que entrevistava uma mulher gravemente ferida, logo depois do massacre de Daraya, retardou os paramédicos que tentavam levá-la para o hospital, os espectadores sírios se indignaram tanto que a emissora se viu a retirar a entrevista de sua cobertura. Obviamente, um canal por satélite ocidental sugeriu que esta censura despertava suspeitas acerca da versão síria das matanças.
“Nada pode ser escondido – insiste Zoubi. Não há justificativa para esconder nada. As pessoas estão acostumadas agora aos fatos reais. Agora se trata de refletir na tele o que ocorre nas ruas. As pessoas têm hoje muitas opções em seus canais de televisão. Queremos ser uma dessas opções. Não se trata de impedir que as pessoas vejam a Al Jazeera, mas quero que sejam capazes de decidir por si mesmas”. Ele sente desprezo pela Al Jazeera e, em certo momento, sugere que a fúria estadunidense em relação à cadeia de notícias por não dizer à verdade poderia ser uma emoção que ele compartilha com Washington.
Faço um convite aberto à oposição síria para que apareça nas telas sírias, diz o ministro. Na era anterior, se exercia veto sobre quem poderia aparecer na tela. Esse veto foi suprimido. Algumas mentalidades se acostumaram muito às velhas regras: foi necessário um pouco de tempo para leva-las a uma maior abertura e liberdade.
“O pior – diz Zoubi – seria a televisão mentir. Não queremos meios de comunicação mentirosos. A diferença entre nós e os meios estrangeiros é que nós dizemos a verdade, mas de uma forma desagradável e pouco refinada. Eles são muito bons em comercializar suas mentiras”.
Bom, até certo ponto, digo para meus botões. Não se vê a televisão síria investigar as torturas infligidas pelos homens da inteligência mujabarati ou a quantidade de dano colateral causado pelo poder bélico do exército, assassinatos deliberados segundo o Exército Sírio Livre, todos os governos ocidentais e muitos jornalistas. Mas apenas esta semana a CNN divulgou uma reportagem exclusiva sobre a oposição síria, na qual homens armados e encapuzados eram identificados como ativistas, termo que antes se reservava para manifestantes desarmados.
Do lado do governo, existem sete canais de televisão, um dedicado a notícias e outro a dramas, o qual, me dizem amigos, perdeu atrativo nos últimos meses. Agora que há um drama verdadeiro nas ruas, quem vai se interessar pela versão teatral?
(*) De The Independent, Especial para Página/12.
Tradução: Katarina Peixoto
Carta Maior
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