“…Minha
criação romanesca decorre da intimidade, da cumplicidade com o povo.
Aprendi com o povo e com a vida, sou um escritor, não um literato; em
verdade, sou um obá – em língua iorubá da Bahia, obá significa ministro,
velho, sábio: sábio da sabedoria do povo”.
Falar de Jorge Amado
remete-nos à adolescência. Assim como eu, grande parte dos(as)
militantes revolucionários(as) se emocionou, aderiu ou fortaleceu sua
adesão à causa da liberdade e do socialismo ao beber na fonte dos
Ásperos Tempos, Agonia da Noite e Luz no Túnel, que compõem a trilogia
dos Subterrâneos da Liberdade. E os Capitães da Areia, de cujas
aventuras se ergue Pedro Bala para lutar na Seara Vermelha da luta
camponesa e da Rebelião de 1935? A luta pela posse da terra na região
cacaueira da Bahia, tão bem retratada em São Jorge dos Ilhéus e Terras
do Sem-Fim. E o Mundo da Paz, mostrando as mudanças promovidas pelo
socialismo na URSS e nas democracias populares do Leste europeu? O
Cavaleiro da Esperança com sua Coluna, percorrendo o país de Sul a
Norte, chamando o povo a se levantar contra a opressão, por uma
democracia de verdade!
De onde vem tanta
inspiração, capaz de traduzir-se em personagens bravas, sempre gente
simples enfrentando o poder, esquecendo o “eu” para pensar no
“coletivo”? Mesmo quando deixa de escrever romances políticos para
dedicar-se ao romanceiro de costumes, os heróis e heroínas não saem das
classes dominantes, mas do seio dos excluídos, tais como Gabriela,
Tereza Batista, Tieta do Agreste. São mulheres negras, terra.
Menino grapiúna (do litoral)
Quem diria, Jorge Amado
era filho de coronel do cacau, João Amado, casado com Eulália Leal, dona
Lalu. Nasceu em Itabuna, mas, ainda criança, a família se mudou para
Ilhéus. O nascimento foi no dia 10 de agosto de 1912. “Aprendi com os
camponeses nas roças de cacau, os coronéis em Ilhéus e os proletários
nas universidades dos becos e ladeiras de Salvador”. Para a capital, foi
aos 11 anos, estudar em colégio interno dos jesuítas. Era comum. Os
coronéis se orgulhavam de ter filhos doutores. Mas Jorge demorou pouco.
Não cursou o terceiro ano, Fugiu da portaria onde um tio o deixara. Os
padres até gostaram, pois no ano anterior, o “moleque” os escandalizara,
proclamando-se ateu e bolchevique.
Aos 14 anos, começou a
trabalhar em jornal, aos 18, publicou seu primeiro romance, País do
Carnaval, do qual ele não gostava, considerando que ainda não tinha um
estilo próprio, estava sob influência europeia. No seguinte, Cacau, tudo
muda, o estilo é próprio, é brasileiro, com o povo em cena no enredo e
na linguagem. Será um romance proletário? Perguntou. Era. E vieram
outros tantos, alguns citados no início desta louvação.
Em 1928, entrou na
Academia dos Rebeldes, formada por jovens escritores baianos que
pretendiam afastar as letras baianas da retórica, da oratória balofa, da
literatice. Dar à literatura um caráter nacional e social, reescrever a
linguagem, aproximando-a da fala do povo. Conseguiram. “Sentíamo-nos
brasileiros e baianos, vivíamos com o povo em intimidade e com ele
construímos, jovens e libérrimos, nas ruas pobres da Bahia”.
A família
Aos 20 anos, casou com
Matilde, com quem ficou até 1944 e teve uma filha, Lila. Mas o grande
amor de sua vida foi Zélia Gattai. Eles se conheceram em 1945, no
Primeiro Congresso de Escritores Brasileiros, realizado em São Paulo.
Zélia era casada, mas Jorge não desistiu. Deu certo. Ela também
separou-se e passaram a viver juntos em julho do mesmo ano, assim
permanecendo sob o signo da paixão até a morte. Tiveram dois filhos:
João Jorge e Paloma.
Militância política
Homem da escrita e da
ação, desde jovem, Jorge Amado se filiou ao Partido Comunista do Brasil
(PCB), fundado em 1922. Ele se definia como um militante de base que
cumpria tarefas de direção. Em 1946, com a abertura política,
candidatou-se a deputado federal, eleito por São Paulo.Não queria
exercer o mandato; sua ideia era atrair votos, renunciando após a
eleição, quando assumiria um suplente do Partido. Mas, atendendo ao
pedido de Prestes, permaneceu até os parlamentares comunistas terem seus
mandatos cassados, 1947.
Sobre sua atuação, fala
Jorge Amado: “Custou-me muito esforço; tarefa difícil e chata; fiz o
possível”. Considera que o resultado mais importante foi a apresentação
de emenda constitucional, vitoriosa, garantindo a liberdade de crença no
Brasil. Apesar de a República ter proclamado o Brasil um Estado laico,
na prática, a Igreja Católica conservava todos os privilégios e recebia
altos subsídios dos cofres públicos. Já os protestantes, os espíritas e,
sobretudo, as religiões de origem africana não tinham apoio algum. No
caso dos cultos africanos, assim como toda cultura negra, a ordem era
exterminar mesmo. Jorge Amado se engajara na luta contra a discriminação
e opressão aos terreiros desde os 14 anos. Expõe essa luta em romances
como Jubiabá e Bahia de Todos os Santos. Ele próprio foi consagrado como
Obá de Xangô.
Foi muito atuante também
na Comissão de Educação e Cultura. Dedicado, chegava à Câmara Federal
às 14 horas e retornava pelas 20 horas. Quando havia sessão noturna, não
tinha hora para chegar. Zélia, também militante, sentia a ausência do
amado, mas compreendia.
Com a cassação dos
mandatos e a colocação do PCB na ilegalidade, a família se muda para a
França, de onde também é expulsa em 1948, seguindo para a
Tchecoslováquia. Participou da organização de inúmeros eventos de
caráter político e cultural pela paz mundial. Em1952, recebeu em Moscou o
Prêmio Internacional Stálin da Paz.
Retorna ao Brasil. Em
março de 1953, ano em que morre Josef Stálin, Jorge estaria entre os
integrantes da representação do PCB às solenidades funerais do grande
líder. Por problemas de voo, a comissão não conseguiu embarcar, o que
permitiu que Jorge Amado pudesse sepultar o escritor e amigo muito
querido, Graciliano Ramos, falecido no mesmo mês.
Em 1954, o 20º Congresso
do Partido Comunista da União Soviética, agora revisionista, faz
denúncias de uma série de crimes pretensamente cometidos por Stálin.
Jorge Amado, que o chamara de Pai do Povo em várias obras, vacila. O
famoso arquiteto Oscar Niemeyer, também grande amigo, tenta convencê-lo:
“É tudo invencionice capitalista”. Mas não teve jeito.
Manteve, entretanto, a
coerência de princípios. Afirmou: “…não me sinto desligado do
compromisso assumido de não revelar informações a que tive acesso por
ser militante comunista. Mesmo que a inconfidência não traga mais
consequência alguma, não me sinto no direito de alardear o que me foi
revelado em confiança”.
No Governo Médici, em
1970, assinou, junto com Érico Veríssimo um manifesto contra a censura
prévia à publicação de livros (já era aplicada nos jornais, televisão e
letras de canções) e articulou sua publicação na imprensa. Os principais
jornais o publicaram, provocando declarações de apoio de muitos
escritores, um verdadeiro movimento nacional contra a censura.
Em 1974, ainda sob a
Ditadura Militar, escreveu no livro Bahia de Todos os Santos: “Retiro da
maldição e do silêncio e aqui inscrevo seu nome de baiano, Carlos
Marighella”.
Em 1986, tendo o Governo
Sarney reatado relações com Cuba, Jorge Amado e Zélia Gattai tiveram
encontro com Fidel Castro. Na ocasião, o Governo cubano estava
dialogando com a Igreja Católica, com a assessoria de teólogos da
libertação, especialmente frei Betto. Jorge propôs a Fidel que o mesmo
diálogo fosse realizado com as religiões de origem africana tão
populares em Cuba como no Brasil. O Comandante ouviu, reflexivo, não
respondeu. Avalia Jorge Amado: “Na sala do Comitê Central, deixei soltos
os orixás para reflexão de Fidel Castro”.
Para que prêmios?
Jorge Amado recebeu
muitos prêmios pelo mundo inteiro. Mas o prêmio maior que ele
considerava era o fato de ter revolucionado a literatura, levando o povo
e seu jeito de falar para ser o sujeito de suas obras. Nada de
academicismo, embora tenha ganhado assento na Academia Brasileira de
Letras, em 1961. “Não escrevo para ganhar prêmios; outros motivos me
inspiram e ordenam; não receber o Nobel não me aflige, nunca pensei
merecê-lo. Opino por infeliz o escritor que trabalha e cria em função de
prêmios e honrarias”.
Obra revolucionária, eterna, universal
Impossível melhor
balanço da vida de Jorge Amado, que faleceu em 2001, que o feito por ele
mesmo: “A vida me deu mais do que pedi, mereci e desejei. Vivi
ardentemente cada dia, cada hora, cada instante. Briguei pela boa causa,
a do homem e a da grandeza, a do pão e da liberdade. Bati-me contra os
preconceitos, ousei práticas condenadas, percorri os caminhos proibidos,
fui o oposto. Chorei e ri, sofri, amei, me diverti”. Sobre a sua obra,
avalia o escritor do povo: “Recolho-me à minha modesta condição de
intérprete menor do povo da Bahia com o que me basta e sobra”.
Em relação à sua obra,
não posso concordar. Peço licença ao mestre Guimarães Rosa para devolver
a Jorge Amado a dedicatória que fez ao romancista mineiro: “Sua obra é
eterna (e revolucionária, acrescento) porque você a escreveu com sangue e
não com tinta as histórias do povo brasileiro”. Salve, Jorge Amado.
Axé!
Nota: A fonte de
informações e das citações deste artigo foi Navegação de Cabotagem,
livro de memórias do autor publicado pela Editora Record, Rio de
Janeiro, 1992.
José Levino é historiador
Fonte: AVERDADE
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