Tráfico de influência apontado pela PF parece
real. Mas detalhes na condução do caso sugerem novo episódio de disputa
interna na PF — com ramificações partidárias
Por Leandro Fortes, em CartaCapital
O alvo era Lula. Essa é a
única conclusão a que políticos governistas e o Palácio do Planalto
conseguiram chegar até agora sobre os acontecimentos que resultaram na
Operação Porto Seguro. Não que a Polícia Federal tenha agido
incorretamente. Os fatos comprovam a existência de um esquema de venda
de pareceres de agências reguladoras intermediado por Rosemary Nóvoa de
Noronha, chefe de gabinete do escritório paulista da Presidência da
República.
A operação envolveu 180
agentes nas cidades de Cruzeiro, Dracena, Santos, São Paulo e Brasília.
Foram cumpridos 26 mandados de busca e apreensão em São Paulo, 17 na
capital federal e 18 acusados acabaram indiciados.
Desse ponto para frente,
tudo pareceu calculado para causar constrangimentos ao governo e ao PT.
Começou pela maneira de divulgação da notícia. Em vez de convocar uma
coletiva e informar todos os veículos de comunicação sobre os detalhes
da Porto Seguro, a superintendência da PF em São Paulo vazou as
informações de forma seletiva.
Dois dias depois, o
superintendente regional, Roberto Troncon Filho, chegou a confirmar uma
informação logo desmentida pelo Ministério Público Federal: a de que o
ex-presidente Lula havia sido grampeado em 122 ligações com Rosemary. Da
mesma forma, a participação do ex-ministro José Dirceu, insinuada nas
primeiras horas, foi descartada.
“Não tem uma relação direta dele de sociedade ou de eventual lucro”, disse a procuradora Suzane Fairbanks.
Entre os indiciados está o
ex-advogado-geral-adjunto da União José Weber de Holanda Alves,
exonerado do cargo. Ele é suspeito de ter recebido propina do ex-senador
do PFL (atual DEM) do Amzonas Gilberto Miranda, também indiciado pela
PF, para dar parecer favorável sobre a ocupação da Ilha das Cabras, no
litoral paulista. A participação de Alves jogou a crise sobre a
Advocacia-Geral da União e praticamente enterrou as pretensões de Luis
Inacio Adams de ocupar uma cadeira no Supremo Tribunal Federal.
A inclusão da AGU no
escândalo, além de alimentar mais uma teoria da conspiração dentro do
governo, acendeu a luz amarela no Palácio do Planalto em relação a
Adams, funcionário de carreira que mantinha estreita ligação com
Holanda. Ambos se conhecem há dez anos, desde quando trabalhavam para o
então advogado-geral da União Gilmar Mendes, atual ministro do STF.
Em junho do ano passado,
Adams deu um estranho parecer favorável a Mendes numa ação privada na
qual o ministro pretendia se livrar de um sócio no Instituto Brasiliense
de Direito Público (IDP). Para encerrar o processo, Mendes foi obrigado
a desembolsar 8 milhões de reais.
Igualmente nebulosa é a
participação do diretor-geral da Polícia Federal, Leandro Daiello
Coimbra. Somente o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, vai poder
esclarecer se o governo foi avisado ou não com antecedência. E se, do
ponto de vista ético, isso teria sido necessário, haja vista ser a PF
uma polícia judiciária, embora subordinada ao Ministério da Justiça.
A praxe manda que o
ministro seja avisado, genericamente, um dia antes. Uma vez iniciada a
operação, cabe ao diretor-geral detalhar o que está sendo feito, logo em
seguida à ação dos agentes federais. Cardozo foi convidado a se
explicar na quarta-feira 5 na Câmara dos Deputados. Mais uma vez, Dilma
Rousseff se vê obrigada a gerenciar uma crise política, da qual soube
pelos relatos da mídia.
A investigação começou com
um inquérito civil público para a apuração de improbidade
administrativa. O ex-auditor do Tribunal de Contas da União (TCU) Cyonil
da Cunha Borges de Faria Júnior revelou à Polícia Federal ter recebido
100 mil reais de um total de 300 mil que lhe seriam pagos por um parecer
técnico fajuto. Sua função seria beneficiar um grupo empresarial que
atua no Porto de Santos, a empresa Tecondi (Terminal para Contêineres da
Margem Direita), em um contrato com a Companhia Docas de São Paulo
(Codesp).
Transformada em mais um
escândalo midiático de grandes proporções, a operação passou a mobilizar
diversos setores do governo em busca de explicações para a crise. Na
quarta-feira 28, a pedido da presidenta Dilma Rousseff, o deputado
Cândido Vaccarezza (PT-SP) chegou a pedir auxílio ao deputado Protógenes
Queiroz (PcdoB-SP) em busca de informações sobre os meandros da Porto
Seguro.
O delegado voltou ao
Palácio do Planalto quatro anos depois de ter sido enxotado da PF por
ter levado a Operação Satiagraha a investigar o então chefe de gabiente
de Lula, o atual secretário-geral da Presidência, Gilberto Carvalho. À
época, Carvalho foi flagrado ao passar informações para o ex-deputado
petista Luis Eduardo Greenhalgh, advogado do banqueiro Daniel Dantas, um
dos alvos da Satiagraha.
Protógenes não perdeu a
chance de botar a boca no trombone. A um grupo de parlamentares petistas
e a auxiliares de Dilma, o deputado classificou a Porto Seguro de
“operação seletiva” e apontou um desafeto, Troncon Filho, como principal
responsável pela suposta trama para atingir Lula e o PT.
Segundo Protógenes, a ação
obedeceu ao mesmo modelo da Operação Lunus, realizada na empresa de
Jorge Murad, marido da governadora do Maranhão, Roseana Sarney. Em 2002,
agentes da Polícia Federal de São Paulo apreenderam 1,3 milhão de reais
no escritório de Murad e assim afundaram a pré-candidatura de Rosena à
Presidência da República, fato muito festejado pelo tucano José Serra,
apontado como mentor da ação policial.
O delegado Troncon tomou
posse na Superintendência da Polícia Federal de São Paulo em maio de
2011, nomeado pelo então diretor-geral Luiz Fernando Corrêa. Antes, em
2005, havia assumido a chefia da Delegacia de Repressão a Crimes
Financeiros. Em setembro de 2007, foi nomeado para a Diretoria de
Combate ao Crime Organizado (DCOR).
Protógenes afirmou que a
Operação Porto Seguro tem como pano de fundo uma disputa interna dentro
da Polícia Federal sobre a qual o ministro Cardozo, aparentemente, não
tem conhecimento nem, muito menos, controle. A briga se daria
principalmente entre delegados simpatizantes do PSDB, quase todos
lotados em São Paulo e Minas Gerais, e os remanescentes da gestão do
delegado Paulo Lacerda durante o primeiro mandato do governo Lula. A
isso se aliou a insatisfação dos servidores da PF com as negociações por
aumento salarial, emperradas no governo.
Troncon é apontado como
parte da ala tucana ligada ao ex-deputado Marcelo Itagiba. Além disso, é
remanescente da confusa gestão de Luis Fernando Correa, acusado de
torturar e cegar uma empregada doméstica no Rio Grande do Sul e, mais
tarde, de desviar dinheiro na compra de equipamentos de segurança para
os Jogos Panamericanos do Rio, em 2007, quando era secretário nacional
de Segurança Pública.
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