Damasco
(Prensa Latina) A recente decisão do governo francês de investir 1,2
milhões de euros no financiamento da oposição armada na Síria, somada às
contribuições de outros países, questiona a atuação de um Estado para
impor mudanças políticas a outro de maneira arbitrária.
A cifra, uns 1,5 milhões de dólares, engrosa as arcas da Coalizão das
Forças da Revolução e a Oposição síria (Cnfros), engendrada no dia 11 de
novembro em Doha, Catar, substituíndo o outrora Conselho Nacional Sírio
(CNS) e principal coalizão opositora ao governo do presidente Bashar Al
Assad no exterior.
Meses atrás, um relatório do CNS revelou as
quantias recebidas de várias nações. Segundo o documento, cinco milhões
de dólares chegaram dos Emirados Árabes, 15 milhões do Catar e 20,4
milhões da Líbia.
Desses mais de 40 milhões, 29,7 foram gastos
na ajuda aos refugiados e para apoiar "o movimento revolucionário" na
Síria. O resto correspondeu às "despesas administrativas e de
comunicações", indicou o texto.
Faisal Miqdad, vice-chanceler
sírio, recordou que os Estados Unidos já entregou até hoje 160 milhões
de dólares em ajuda à oposição síria, transferidos a seus destinatários
através de várias ONG's internacionais.
Analistas políticos
indicam que o anterior seriam só as cifras de financiamento públicas,
pois se sabe que os sofisticados armamentos, munições, veículos de
transporte e artilharia, meios de comunicação e outros recursos dos
quais dispõem os rebeldes, provêm de ditas potências.
O gabinete
do governante socialista François Hollande, o primeiro da União
Europeia a reconhecer o Cnfros como "único representante legítimo do
povo sírio", esgrimiu que os 1,2 milhões de euros constituem uma
contribuição de seu país como "ajuda humanitária", ao mesmo tempo que se
mostrou partidário de entregar armas aos insurgentes.
"A França
se opunha aos envios de armas enquanto não estava claro se chegariam
ali onde são necessárias e desejadas. Assim que a coalizão formar um
Governo legítimo, o tema voltará a ser proposto a todos os países que
reconheçam esse Governo", apontou Hollande.
Ainda que o
Executivo francês tenha alegado que se opoe a uma intervenção militar na
nação levantina, deixou entrever, não obstante, que impulsionará
abertamente uma mudança de regime ali.
"Uma intervenção poderia
acontecer unicamente por resolução do Conselho de Segurança da ONU, que
hoje não está disposto a isso, entre outras razões porque a Rússia se
opõe. Por isso agiremos em defesa da população civil", assinalou.
O governo sírio qualificou a criação da Cnfros e a assistência
financeira de potências ocidentais e do Médio Oriente como uma
declaração de guerra contra o país, já que os grupos que conformam a
aliança se recusam a ter qualquer diálogo com o governo de Al Assad.
A maioria dos grupos que integram a oposição síria recorrem a métodos
violentos para conseguir seus objetivos, constatam reportagens da
imprensa.
Nos últimos meses, ante a ofensiva governamental,
desenvolveram a tática de se misturar entre a população civil para
atacar objetivos militares, além de cometer saques, profanação de
lugares religiosos, intimidação, sequestro e assassinato de pessoas.
Bairros residenciais foram atacados com morteiro quase diariamente, e
foram também utilizados carros bombas e outros artefatos explosivos, que
tiraram a vida de milhares de cidadãos que não vestiam uniforme
militar.
É inclusive possível comprovar que membros da rede Aal
Qaeda, a mesma organização que os franceses combateram no Afeganistão
como parte das forças da OTAN sob pretexto da luta global contra o
terrorismo encabeçada por Washington, montaram sua base de operações em
território sírio, integrada às forças opositoras.
Prévio a
visitar Paris, o premiê russo, Dmitri Medvedev, qualificou de
juridicamente inaceitável a decisão do governo francês de apoiar a
oposição síria e defender o levantamento do embargo de armas aos grupos
irregulares.
De acordo com os princípios do direito
internacional aprovados pela ONU em 1970, nenhum Estado deve adotar
medidas para derrocar à força o governo de um terceiro país, recordou
Medvedev no dia 26 de novembro, em uma entrevista ao diário Le Figaro,
da França.
Vários políticos, acadêmicos, analistas e
reconhecidos jornalistas concordam que o conflito que sacode a nação do
Oriente Médio há mais de 20 meses poderia se extinguir em matéria de
semanas, talvez em uns poucos meses, se o apoio direto aos insurgentes
armados fosse detido.
O porta-voz da chancelaria iraniana, Ramin
Mehmanparast, afirmou em uma entrevista difundida por meios de
comunicação persas que, não obstante, os atores ocidentais se negam a
dialogar, apoiam os grupos armados e querem realizar uma intervenção na
nação levantina, com o objetivo de implementar agendas e metas ocultas.
Em um recente artigo, o jornalista chileno Juan Francisco Coloane
acusou potências ocidentais de apoiar o terrorismo como instrumento de
pressão contra a Síria o que, considerou, também converte o direito
internacional e o multilateralismo em duas grandes vítimas da aventura
de derrocar um governo eleito pelo povo.
Deve recordar-se que o
presidente Bashar Al Assad, a quem o Ocidente acusa de ditador, foi
reeleito para seu cargo em 2007 com 97% do voto popular.
Se isso
fosse insuficiente, bastaria recorrer ao sentido comum para questionar a
pretendida ajuda que Paris e outras capitais oferecem àqueles que lutam
para obter o controle de Damasco e mudar o sistema político da nação.
Como reagiriam o Eliseu e o povo francês se um governo estrangeiro -
por exemplo, a própria Síria - decidisse entregar vários milhões de
dólares para tirar Hollande do poder, sendo que foi eleito nas urnas por
uma maioria da população?
*Correspondente da Prensa Latina na Síria. |
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