Escrito por Luiz Eça |
Quatro anos depois, a história se repete em Gaza. Uma nova guerra se inicia. Durante este ano, Israel lançou ataques aéreos esporádicos contra militantes supostamente terroristas, respondidos por foguetes de Gaza, quase todos caindo em áreas vazias. Na semana passada, soldados israelenses mataram um jovem deficiente mental que se aproximava da fronteira de Gaza e tanques de guerra entraram disparando na aldeia de Abassan, ferindo mortalmente um menino de 13 anos. O Hamas retaliou, lançando cerca de 100 foguetes sobre o sul israelense. Por seu lado, a aviação de Israel realizou sucessivos ataques contra a Faixa de Gaza. No terceiro dia do conflito, oficiais do Egito buscaram mediar uma trégua. Gershon Barkin, pacifista israelense que havia ajudado na libertação do soldado Gilad Shalit, seqüestrado pelo Hamas, participou das negociações. Ele contou ao jornal israelense Haaretz que o acordo estivera próximo. Um texto proposto por Israel estava sendo aprovado pelos chefes do Hamas, quando foi anunciado o assassinato de Jabari, o líder militar do movimento, por um helicóptero israelense. Barkin informou que as autoridades de Tel-aviv estavam a par do bom andamento das negociações. Mesmo assim, ordenaram a execução de Jabari. O pacifista israelense escreveu no The Daily Beast, de 15 de novembro: “O assassinato de Jabari foi um ataque preventivo contra as possibilidades de um cessar fogo de longa duração. Netanyahu agiu com extrema irresponsabilidade. Ele colocou em perigo o povo de Israel e vibrou um verdadeiro golpe contra um dos poucos importantes elementos mais pragmáticos do Hamas. Ele ofereceu outra vitória àqueles que querem nossa destruição, em vez de fortalecer aqueles que procuram encontrar uma possibilidade de viver ao nosso lado, não em paz, mas sem conflitos”. Porque Jabari, embora acusado por Tel-aviv de ter “as mãos manchadas de sangue”, era um firme defensor da política de não agressão, achava a guerra prejudicial tanto para o Hamas quanto para o povo de Gaza. Barkin afirma que, nos últimos dois anos, Jabari agiu como moderador, contendo as facções mais radicais. Diversas vezes, na sua qualidade de comandante militar, conseguiu impedir retaliações aos ataques de Israel contra indivíduos suspeitos de planejar atentados. É possível que, no passado, tenha praticado atentados terroristas. Convém lembrar que, durante a guerra de fundação de Israel, futuros primeiros-ministros israelenses como Shamir e Begin integraram as organizações terroristas Irgun e Stern, responsáveis por muitos atentados, inclusive a explosão do hotel Rei David, matando dezenas de membros da administração britânica que ali trabalhavam. O assassinato de Jabari foi, portanto, um duplo e gravíssimo crime: provocou deliberadamente uma nova guerra e eliminou um líder moderado, minando um possível acordo que levaria tranqüilidade a Gaza e ao sul de Israel, por um longo tempo. Que razões ocultas teriam levado Netanyahu a esse lance? Diz o Haaretz em 15 de novembro: “O assassinato de Jabari ficará na história como mais uma espalhafatosa ação militar iniciada por um governo de saída, nas vésperas de uma eleição”. A vitória eleitoral do Likud, partido de Bibi, estava seriamente ameaçada por uma coligação que se esboça de vários grupos, liderada pelo ex-primeiro-ministro Ehud Olmert. Indignado pelos 105 foguetes lançados pelo Hamas sobre o território de Israel, a população certamente vai aplaudir medidas corretivas contra seu inimigo. O que terá ponderável repercussão nas urnas. Por sua vez, Ehud Barak, que vem se destacando nos apelos por ataques a Gaza, estaria com poucas chances de reeleição. Também sairia ganhando com os novos bombardeios de Gaza. Thomas Erdrink, chefe do birô iraniano do New York Times, tem uma idéia diferente. Para ele, trata-se de uma manobra do premier israelense para evitar que EUA e Irã cheguem a um acordo na questão nuclear. De fato, as nuvens pareciam estar se dissipando nas últimas semanas diante de uma série de fatos, como o anúncio de negociações bilaterais secretas entre a Casa Branca e Teerã, desmentidas, mas consideradas pelo governo Obama como possíveis de virem a acontecer. As perspectivas são de sucesso na reunião de 13 de dezembro da AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica da ONU), com a provável anuência do Irã em permitir a inspeção da base de Parchin. Como se sabe, a AIEA informou suspeitas de que os iranianos teriam realizado testes militares nucleares ali. A respeito disso, declarou Salehi, ministro de Relações Exteriores do Irã: “Esperamos que, com um passo positivo do Irã para resolver esse assunto... ,esta reunião estabelecerá um esquema de cooperação para a visita a Parchin”. Superado esse obstáculo e tendo a AIEA já comprovado que o Irã destinou a maior parte do seu urânio enriquecido a 20 graus para fins não militares, um acordo estaria próximo. Não era admissível por Israel. Tendo ou não armas nucleares, o Irã é um inimigo militar e tecnologicamente poderoso. A estratégia básica de Israel é garantir sua segurança, impedindo o surgimento no Oriente Médio de qualquer potência capaz de enfrentá-la. Daí a necessidade de bombardear as instalações nucleares do Irã, com apoio dos EUA, de olho numa guerra conseqüente que destruiria o regime dos aiatolás, além de enfraquecer profundamente seu país. Provocando as hostilidades com o Hamas, Netanyahu estaria desviando a atenção internacional da questão do Irã para a guerra de Gaza. Como ele previa que os EUA e aliados europeus ficariam do seu lado e o Irã apoiaria o Hamas, o clima entre as duas partes, que vinha se suavizando, voltaria a ser negativo. E as chances de paz com o Irã seriam novamente afastadas. Paul Pilar, ex-analista da CIA, lembra que Netanyahu já fez o mesmo jogo em 2010. Só que daquela vez ele tentou provocar uma guerra com o Irã, como foi recentemente revelado, para desviar a atenção da ocupação da Palestina e da progressão dos assentamentos, que vinham provocando crescente indignação mundial. Acredito que essas duas razões pesaram. Os EUA, como era esperado, condenaram o Hamas, a quem atribuíram toda a culpa no conflito. E o Reino Unido apelou para que os palestinos parassem de lançar foguetes sobre Israel, nada obstando quanto aos bombardeios da aviação israelense. O problema é que o Catar, mesmo sendo um bom aliado dos americanos no Oriente Médio, atacou Israel. Jassim Al Thani, ministro das Relações Exteriores, protestou: “Eu condeno em nome do Catar... Esse nojento crime não pode passar sem uma punição”. Mesmo em Israel, os apoios não foram unânimes. Zahava Galon, líder do partido Meretz, afirmou que o programa de ataques aéreos e assassinatos de militantes em Gaza não seria produtivo. “O único modo de levar paz e tranqüilidade por longo prazo aos inocentes residentes de Sderot e comunidades de Gaza é através de um acordo de cessar fogo, e não de assassinatos de figuras de alto nível”. Talvez o efeito no Egito causado pela ação israelense seja o mais perturbador. O governo Obama vinha cultivando com cuidado suas relações com o governo Morsi. Enquanto acenava com 1 bilhão e trezentos milhões de dólares para o exército egípcio, mais 300 milhões para auxiliar sua combalida economia, procurava afastá-lo de vizinhos perigosos e aproximá-lo de Israel. Conseguiu que Morsi prometesse manter o acordo egípcio-israelense, adiasse a abertura da fronteira com Gaza e mantivesse em banho-maria o restabelecimento das relações com o Irã. Mas os mísseis da aviação de Tel-aviv puseram tudo a perder. Talvez pressionado por seu povo francamente antiamericano e anti-Israel, o pragmático Morsi tomou firme posição em favor do Hamas. Seu ministro das Relações Exteriores, Kamel Amr, soltou um comunicado condenando “a série de ataques aéreos que Israel está conduzindo contra Gaza e que levaram ao assassinato de Ahmed Al-Jabari”, pediu a intervenção da ONU para paralisar a agressão israelense e foi a Gaza levar o apoio do seu governo. Por sua vez, o presidente Morsi chamou de volta o embaixador do Egito em Israel e pediu uma reunião urgente do Conselho de Segurança da ONU para discutir os ataques contra Gaza, além de solicitar uma reunião de urgência da Liga Árabe, com o mesmo objetivo. Enquanto isso, Israel está concentrando tropas, tanques e carros de guerra nas fronteiras com Gaza. Seus aviões não cessam de atacar. A destruição de moradias, oficinas, escolas, hospitais e estruturas de serviços públicos já é considerável, embora ainda não se disponha de números confiáveis. Aparentemente, o governo de Tel-aviv ainda não se decidiu entre dois caminhos possíveis: a) invadir e ocupar Gaza, matando ou prendendo o maior número possível de militantes do Hamas e outros movimentos afins; b) continuar bombardeando implacavelmente a Faixa até o Hamas pedir água. Em seguida, dar prosseguimento ao programa de “assassinatos selecionados”, desta vez privilegiando os chefes do Hamas e da Jihad Islâmica, já que terroristas autores de atentados atualmente são poucos e pesam ainda menos na liderança desses movimentos. Já os palestinos, dificilmente se limitarão a continuar lançando foguetes que causam mais medo do que danos nos israelenses. Prometeram “abrir as portas do inferno” e isso significa atentados suicidas, vitimando civis israelenses inocentes. Caso os EUA impeçam a ONU de intervir por muito tempo, como já fizeram na última guerra do Líbano, o Egito tende a fazer tudo que Obama não quer: denunciar o acordo de paz com Israel, reabrir a fronteira com Gaza e reatar as relações com o Irã. Isso é bem possível, já que Morsi acaba de receber 5 bilhões de euros da comunidade européia, podendo dispensar os dólares da Casa Branca. Com os olhos de todas as chancelarias voltados para a Palestina, a questão nuclear iraniana passa para segundo plano e tão cedo não se encontrará uma saída viável para ela. Claro, talvez Obama se lembre de que não precisa mais do dinheiro e do voto judeu-americano e poderá agir, não criticando Israel (seria impossível), mas influenciando o Conselho de Segurança da ONU para exigir um cessar fogo. Sim, ele pode. Resta saber se terá coragem. Luiz Eça é jornalista. Website: Olhar o Mundo. |
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segunda-feira, 26 de novembro de 2012
Gaza: guerra por opção
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