Publicado em Carta Maior
Eduardo FebbroSegundo os serviços de inteligência franceses, há hoje algumas centenas de cidadãos franceses combatendo nas fileiras da oposição.
Paris - Mais dois franceses se somaram esta semana à lista de europeus mortos na Síria. Não se trata de jornalistas, nem de membros de alguma ONG, mas sim de combatentes ocidentais que foram a Síria para se unir às fileiras da oposição islamista radical ao regime de Bachar Al-Assad. “A notícia caiu do céu sobre nossas cabeças, sem que esperássemos. Primeiro houve uma conversão ao Islã e isso não era nada grave, mas o que se seguiu depois sim foi grave e ninguém poderia prever o que ocorreu”. A mãe de Nicolas, um dos franceses mortos na Síria em dezembro, explicou assim para a televisão francesa France 2 a tragédia de seu filho. Segundo os serviços de inteligência franceses, há hoje algumas centenas de cidadãos franceses combatendo nas fileiras da oposição. O fenômeno alcança tal magnitude que os especialistas já falam da existência de uma espécie de “jihad europeia”.
França, Grã-Bretanha, Alemanha, Espanha, Bélgica, Dinamarca e Holanda: vários países do Velho Continente têm visto muitos jovens cidadãos, frequentemente de origem muçulmana, partir para a Síria para integrar algum bando da oposição. Em meados de dezembro de 2012, os ministros do Interior de França e Bélgica, Manuel Valls e Joëlle Milquet, revelaram que entre 1500 e 2000 europeus se deslocaram como “combatentes” para a Síria desde o mês de março daquele ano.
As cifras assinalam um aumento considerável desses combatentes. Para todo o ano de 2012, a quantidade de jihadistas europeus chegou a 800, três vezes menos que em 2013. Segundo fontes da contraespionagem francesa, somente no mês de dezembro uns 14 jihadistas franceses foram lutar na Síria. Esta curva ascendente constitui uma das maiores preocupações dos serviços de inteligência dos países europeus.
Manuel Valls informou que, atualmente, há uns 200 franceses na Síria, outros 70 “em trânsito” enquanto outros 100 estariam em “vias de se deslocarem”. O titular francês da pasta do interior julgou que “em termos de perigo, esse é o desafio mais considerável para o futuro que enfrentam a França e a Europa”. Os líderes políticos europeus temem sobretudo o retorno desses combatentes, transformados pela guerra e pela radicalização. “Tememos que com o passar do tempo esses cidadãos se tornem muito mais perigoso do que são hoje”, disse o ministro francês. Por outro lado, Valls reconheceu que até hoje “não se constatou nenhuma ameaça direta ou provada contra nosso país, nossos interesses ou nossos cidadãos”.
Longe de se envolverem no tíbio Exército Sírio Livre (ESL), a grande maioria destes eurocombatentes se alista nas fileiras dos movimentos opositores mais radicais que operam no país, ligados a Al- Qaeda: a Frente Al Nusra, o Estado Islâmico da Síria e do Levante. Este grupo está filiado ao ramo iraquiano da Al Qaeda, enquanto outro, a Frente Al Nusra (Frente para a Vitória do Povo da Grande Síria) quer derrubar o governo de Bachar-Al Assad para instaurar no país um Estado pan-islâmico regido pela Sharia. Este projeto político religioso e o extremismo professado pelo grupo levou o Estado Islâmico da Síria e do Levante (EIIL) a declarar guerra à oposição moderada agrupada no Exército Sírio Livre.
O porta-voz do EIIL, xeique Abou Mohammed al-Adnani, disse há algumas semanas: “cada membro desta entidade (os moderados) é um alvo legítimo, a menos que declare publicamente que rejeita combater os mujahideen”. Segundo o Observatório Sírio dos Direitos Humanos (OSDH), os combates entre oposição islâmica radical e oposição moderada já causaram mais de 280 mortes.
O Centro Internacional de Estudos sobre a Radicalização (ICSR), uma ONG baseada em Londres, calcula que 18% dos combatentes sírios provem da Europa. A este exército se somam os mais de 11 mil combatentes oriundos da Líbia, Túnis e Marrocos. O ICSR estima que desde que estourou o conflito na Síria em março de 2011, entre 2.500 e cinco mil combatentes europeus se alistaram na oposição armada.
O Instituto Sueco de Relações Internacionais trabalha com números menores: entre 800 e 200, o que representa algo entre 7 e 11% de cidadãos europeus. Os números, como se vê, variam de um instituto para outro e são muito diferentes daqueles apresentados pelos Estados. Europol, o organismo europeu, assinalou em um informe que “a Síria se converteu em um destino predileto para os combatentes. Constata-se igualmente um aumento dos cidadãos europeus, entre os quais há certas pessoas associadas ao terrorismo”.
Desde que iniciou em 2011, o conflito sírio já provou a morte de mais de 130 mil pessoas. “Nossos filhos estão lá e ninguém sabe deles”, disse à imprensa Dominique Bons, pai de Nicolas, um dos jihadistas franceses mortos recentemente na Síria. O pai contou que seu filho foi à guerra porque dizia que “não queria viver em uma sociedade baseada na vantagem e no consumo”. Tampouco suportava a injustiça. Era muito interessado pelo que ocorria no Oriente Médio, o que Israel fazia aos palestinos, e o que Bachar-Al Assad fazia ao seu povo. Queria ajudar a toda essa gente” (jornal Libération).
A Síria oferece um cenário ideal para quem está animado por sonhos de guerra e justiça. A guerra santa se encontra às portas da Europa. Loïc Garnier, chefe da Unidade de Coordenação da luta antiterrorista (UCLAT), explica que “na Síria, os jovens islamistas radicais tem o sentimento de levar a cabo um combate legítimo para derrotar um ditador sanguinário”.
Os guerreiros de “fora” sempre existiram em todos os conflitos. No entanto, a facilidade do acesso ao território sírio impulsionou o fenômeno. É muito difícil detectar ou deter o fluxo destes eurocombatentes que conseguem chegar a Síria graças a redes de recrutamento muito bem organizadas, frequentemente respaldadas por fundos mantidos por milionários dos países do Golfo.
As organizações clandestinas, muito presentes na Bélgica e na França, recrutam na Europa e levam os candidatos à jihad através dos Balcãs, Turquia e Marrocos. No ano passado, a Turquia impediu a passagem para a Síria de uns 1.100 combatentes oriundos da Europa. A Grã Bretanha é, até agora, o país que responde de maneira mais radical a este fenômeno: Londres decidiu retirar a nacionalidade dos jovens muçulmanos britânicos que se unem aos grupos extremistas sírios.
Tradução: Marco Aurélio Weissheimer
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