Além do petróleo, país vê no Atlântico Sul espaço
para projetar-se rumo à África. Mas EUA e Grã-Bretanha querem controlar
militarmente oceano
Por José Luís Fiori
Situado entre a costa leste da América do Sul e a
costa oeste da África Negra, o Atlântico Sul ocupa um lugar decisivo do
ponto de vista do interesse econômico e estratégico brasileiro: como
fonte de recursos, como via de comunicação e como meio de projeção da
influência do país no continente africano. Além do “pré-sal” brasileiro,
existem reservas de petróleo na plataforma continental argentina e na
região do Golfo da Guiné, sobretudo na Nigéria, Angola, Congo, Gabão e
São Tomé e Príncipe. Na costa ocidental africana, também existem grandes
reservas de gás, na Namíbia, e de carvão, na África do Sul; e na bacia
atlântica, acumulam-se crostas cobaltíferas, nódulos polimetálicos
(contendo níquel, cobalto, cobre e manganês), sulfetos (contendo ferro,
zinco, prata, cobre e ouro), além de depósitos de diamante, ouro e
fósforo, entre outros minerais relevantes. Já foram identificadas
grandes fontes energéticas e minerais, na região da Antártica. Além
disto, o Atlântico Sul é uma via de transporte e comunicação fundamental
entre o Brasil e a África, e é um espaço crucial para a defesa dos
países ribeirinhos, dos dois lados do oceano.
A Argentina tem 5 mil quilômetros de costa, sustenta uma
disputa territorial com a Grã-Bretanha, e tem uma importante projeção
no território da Antártida e nas passagens interoceânicas do canal de
Beagle e do estreito de Drake. Do outro lado do Atlântico, a África do
Sul ocupa o vértice meridional do continente africano, e é um país
bioceânico, banhado simultaneamente pelo Atlântico e pelo Índico, com 3
mil quilômetros de costas marítimas, e cerca de 1 milhão de km² de águas
jurisdicionais. Ocupa uma posição muito importante como ponto de
passagem entre o “ocidente” e o “oriente”, por onde circula cerca de 60%
do petróleo embarcado no Oriente Médio, na direção dos EUA e da Europa.
Finalmente, a Nigéria e Angola têm 800 e 1,6 mil quilômetros de costa
atlântica, respectivamente, e as reservas de petróleo do Golfo da Guiné
estão estimadas em 100 bilhões de barris. Mas não há duvida de que o
Brasil é o país costeiro que tem maior importância econômica e
geopolítica dentro do Atlântico Sul, com seus 7490 quilômetros de costa,
e seus 3,6 milhões de km² de território marítimo, que podem chegar a
4,4 milhões – mais que a metade do território continental brasileiro –
caso sejam aceitas as reivindicações apresentadas pelo Brasil perante a
Comissão de Limites das Nações Unidas. É quase o dobro do tamanho do Mar
Mediterrâneo e do Caribe, e quase 2/3 do Mar da China. O interesse
estratégico do Brasil nesta área vai além da defesa de seu mar
territorial, e inclui toda sua Zona Exclusiva Econômica (ZEE), por onde
passa cerca de 90% do seu comércio internacional; e onde se encontram
cerca de 90% das reservas totais de petróleo do Brasil, 82% de sua
produção atual e mais de 67% de suas reservas de gás natural. Além
disto, o Brasil possui três ilhas atlânticas que têm uma importante
projeção sobre o território da Antártida e que são altamente vulneráveis
do ponto de vista de sua segurança.
Apesar disto, o controle militar do Atlântico Sul
segue em mãos das duas grandes potências anglo-saxônica. A Grã- Bretanha
mantém um cinturão de ilhas e bases navais através desta parte do
oceano, que lhe conferem uma enorme vantagem estratégica no controle da
região. E os EUA dispõem de três comandos que operam na mesma área: o
USSouthCom, criado em 1963, o Africom, criado em 2007, e a sua IV Frota
Naval, criada durante a II Guerra Mundial e reativada em 2008, com
objetivo explícito de policiar o Atlântico Sul.
Além disto, as duas potências anglo-saxônicas controlam
em comum, a Base Aérea da Ilha de Ascenção, onde operam simultaneamente a
Força Aérea dos EUA, a Força Aérea do Reino Unido e forças dos países
da OTAN. Na mesma Ilha de Ascenção, estão instaladas estações de
interceptação de sinais e bases do sistema de monitoramento global,
denominado Echelon, que permite o monitoramento e controle de todo o
Oceano Atlântico. Caracterizando-se uma enorme assimetria de poder e de
recursos entre as forças navais e aéreas das potencias anglo-saxônicas e
da OTAN, e a dos demais países situados nos dois lados do Atlântico
Sul.
Neste ponto, o Brasil não tem como enganar-se:
possui a capacitação econômica e tecnológica para explorar os recursos
oferecidos pelo oceano, mas não possui atualmente a capacidade de
defender a soberania do seu “mar interior”. A capacitação naval do
Brasil foi inteiramente dependente da Grã-Bretanha e dos Estados Unidos,
pelo menos até a década de 70, e o Brasil segue sendo um país
vulnerável do ponto de vista da sua capacidade de defesa de sua costa, e
de sua plataforma marítima. E este panorama só poderá ser modificado no
longo prazo, depois da construção da nova frota de submarinos
convencionais e nucleares que deverão ser entregues à marinha brasileira
entre 2018 e 2045, e depois que o Brasil adquira capacidade autônoma de
construção de sua própria defesa aérea. De imediato, entretanto, o
cálculo estratégico do Brasil tem que assumir esta assimetria de poder
como um dado de realidade e como uma pedra no caminho de sua política de
projeção de sua influência no continente africano, e sobre este seu
imenso “mar interior”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário