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quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Lênin, gigante da ação e do pensamento





Engels dizia que épocas revolucionárias exigem o surgimento de titãs. Mas o titã que Engels preconizava não eram deuses ou super-homens. Ao contrário, eram titãs porque eram incomensuravelmente humanos. Assim foi Lênin, um gigante humano, com erros e acertos como qualquer mortal, mas com a vontade férrea e a determinação inquebrantável de doar sua vida para a luta por justiça e igualdade. 



Por Wevergton Brito Lima*, especial para o Vermelho


Lênin, para cantar-te
devo dizer adeus às palavras:
devo escrever com árvores, com rodas,
com arados, com cereais.
És concreto como os fatos e a terra.
Não existiu nunca
um homem mais terrestre
que V. Uliànov.

“O aparelho continuava batendo as teclas, mas o pensamento, que havia tropeçado casualmente nesse nome conhecido, voltou de novo a concentrar-se nele. O telegrafista olhou uma vez mais a última palavra: LÊNIN. Como? Lênin? O cristalino do olho refletiu em perspectiva todo o texto do telegrama. Por uns instantes o telegrafista olhou a folha de papel e, pela primeira vez em trinta e dois anos de trabalho, não acreditou no que tinha escrito. Por três vezes, percorreu rápido as linhas, mas as palavras se repetiram insistentes: ‘Faleceu Vladimir Ilitch Lênin’. O velho pôs-se em pé de um salto, levantou a fita em espiral e cravou os olhos nela. A fita de dois metros de comprimento confirmava o que ele não podia acreditar! Voltou o rosto, lívido como o de um cadáver, para suas camaradas, e estas ouviram sua exclamação assustada: Lênin morreu!”

Assim o romancista soviético Nicolai Ostrovski, em seu famoso romance Assim foi temperado o Aço, inicia a descrição do impacto que a notícia sobre a morte de Lênin causou sobre os operários e camponeses russos. Vladimir Ilitch Ulianov faleceu há 90 anos, no dia 21 de janeiro de 1924 (1).

Seu desaparecimento foi pranteado nos quatro cantos da terra, principalmente pelos que lutavam por um mundo livre da servidão e do arbítrio. Estes encontravam em Lênin uma inesgotável fonte de inspiração política e ideológica. Em nossa América Latina, o revolucionário peruano José Carlos Mariátegui registrava: “O proletariado revolucionário perdeu mais um de seus grandes condutores e líderes. Um que com maior eficácia, maior acerto e maior capacidade serviu a causa dos trabalhadores, dos explorados e oprimidos. Nenhuma vida foi tão fecunda para o proletariado revolucionário como a vida de Lênin”. O filósofo hungáro Lukacs chegou a afirmar que Lênin foi “o único teórico à altura de Marx até agora produzido no interior da luta de libertação proletária”.

V. Ulianov, que morreu com apenas 54 anos, deixou uma obra, sob todos os pontos de vista, extraordinária. Como político, comunicador, filósofo, líder ideológico, Lênin foi sempre original, profundo e moderno. Seus livros e artigos, reunidos em suas obras completas, ocupam nada menos do que 55 grossos volumes. Diversos historiadores, entre eles vários adversários do marxismo, teoria à qual Lênin dedicou sua vida e que ajudou a enriquecer e atualizar, consideram V. Ulianov a maior personalidade do século 20.

A Rússia do pequeno Volódia

Vladimir Ilicht Ulianov nasceu no dia 10 de abril de 1870, na pequena cidade (30 mil habitantes) de Simbirsk (2).

Lênin nasce em uma Rússia com o regime mais reacionário da Europa. O poder do czar era absoluto, feudal, medieval. Era uma Rússia camponesa, atrasada, com mais de 80% da população analfabeta. O camponês russo trabalhava a terra tendo apenas como instrumento os bois. Comparado com os camponeses da França e Bélgica, o camponês russo vivia, no final do século 19, como se estivesse ainda no século 14.

Emile Joseph Dilon era um médico que viveu na Rússia de 1877 a 1914 e descreve o camponês russo: “O camponês russo vai dormir às seis ou mesmo cinco horas, durante o inverno, porque ele não pode comprar petróleo para acender a luz. Não tem carnes, ovos, manteiga, leite e, frequentemente, couve, e vive sobretudo de pão negro e batatas. Vive? Ele se alimenta com uma quantidade insuficiente de nutrientes”.

V. Ulianov nasce em uma família de classe média. A mãe, Maria Alexandrovna, era filha do médico Alexandr Blank e dominava várias línguas. O pai, Iliá Ulianov, filho de camponês, conseguiu ser professor, inspetor e diretor de escolas. O velho Ulianov impressionava os filhos com as descrições das misérias e injustiças sofridas pelo povo pobre. Resultado: dos seus seis filhos: Olga, Alexandre, Ana, Maria, Dimitri e V. Ulianov, apenas Olga, que morreu cedo, não se tornou revolucionária.

Volódia, como Ulianov era chamado na infância, era muito apegado à família, principalmente à mãe e ao irmão mais velho, a quem devotava verdadeira idolatria. Quando pequeno, se era perguntado o que faria em tal ou qual situação, respondia invariavelmente: “faria como Sacha (apelido de Alexandre)”.

Leitor voraz desde pequeno, um dia o jovem Volódia, então com 15 anos, foi repreendido pelo diretor do Liceu em que estudava devido a uma composição que escrevera. Perguntou o diretor ao jovem Ulianov: “De que classes exploradas fala você aqui?”.

O mergulho na militância


Lênin manteve um pacto com a terra.
Enxergou mais longe que ninguém.
Os homens,

os rios, as colinas,
as estepes,
eram um livro aberto
e ele lia,
lia mais longe que todos,
mais claro que ninguém


Ao contrário da figura sisuda que costumamos formar em nossa imaginação sobre Lênin, todos os testemunhos de quem gozava de sua intimidade relatam um espírito sempre alegre e expansivo, que teria herdado do pai. Para grande tristeza do jovem Volódia, quando tinha apenas 17 anos, morreu Iliá Ulianovo, de hemorragia cerebral (a mãe só viria a falecer em 1916, tendo sempre apoiado a luta dos filhos). (3)

Pouco mais de um ano após o falecimento do pai, em março de 1887, seu irmão Alexandre, integrante do grupo Vontade do Povo, foi enforcado por participar do planejamento da morte do czar. A Vontade do Povo era uma organização revolucionária que defendia a organização de sociedades secretas para planejar e executar atentados contra a família real e altos funcionários, como forma de derrubar o czarismo.

Apesar da dor e do imenso amor que devotava ao irmão, conta-se que, ao receber o telegrama da mãe com a notícia do enforcamento do irmão, teria dito V. Ulianov: “Não, não é esse o caminho a seguir, seguiremos um caminho melhor”. A partir de então mergulhou definitivamente na atividade política revolucionária, da qual só saiu com a morte.

Da centelha nascerá a chama

Mudando-se com toda a família para Kaza, Lênin ingressa na Universidade da “capital do Volga”, no entanto, apenas quatro meses depois (dezembro de 1888) é expulso da Universidade, preso e deportado durante um ano para a aldeia de Kokushkino.

Aproveitou o ano de desterro para ler, o que fazia incansavelmente de manhã à noite, praticamente sem descanso, lendo principalmente as obras de Marx e Engels.

Cumprida a pena, volta a entrar em contato com os círculos revolucionários. Em 1890 consegue permissão para cursar Direito na Universidade de São Petersburgo na qualidade de “aluno externo” (exigência das autoridades para isolar os outros estudantes da influência de Lênin). Lênin conclui o curso de quatro anos em um ano e meio e foi o único, entre 134 estudantes regulares do curso de Direito, a receber a nota máxima em todas as matérias.

Em 1892 organiza o primeiro círculo marxista de Samara, onde então morava e trabalhava como advogado de camponeses. Em 1983 escreve seu primeiro trabalho: Novos Desenvolvimentos Econômicos na Vida Camponesa.

Em 1894 conhece, já morando em São Petersburgo, em uma reunião de célula, aquela que seria sua companheira por toda a vida: Nadejda Krupskaia, professora de uma escola operária noturna.

Também neste ano ataca os “marxistas legais”, intelectuais burgueses que abriam mão do conteúdo revolucionário do marxismo e publicavam seus artigos na imprensa do governo czarista.

Perseguido incansavelmente pela polícia czarista, Lênin passa os três últimos anos do século 19 na Sibéria.

Exilado, Lênin mais uma vez aproveita para estudar e aprende alemão, inglês, francês, italiano, sueco e polonês.

Também não para de escrever, sendo desta época As Tarefas dos Social-Democratas Russos, entre outros escritos.

Em 1898 ocorre o congresso de fundação do Partido Operário Social Democrata Russo (POSDR), organização que unificava os marxistas revolucionários russos. Lênin, que tanto lutou para que isso acontecesse, no entanto não pôde participar devido ao exílio.

Em 1899, ainda na Sibéria, conclui a obra O Desenvolvimento do Capitalismo na Rússia, onde defende a aliança com o campesinato e o papel dirigente do proletariado: “A sua força no movimento histórico é incomensuravelmente maior que a sua proporção na massa geral da população”.

Ainda exilado na Sibéria, Lênin planeja minuciosamente o lançamento de um jornal marxista para toda a Rússia. Compreendendo mais do que qualquer outro em sua época a importância da comunicação e da propaganda, Lênin defende que o jornal (então o maior meio de comunicação de massa) será o principal organizador e unificador do partido revolucionário.

O fim do exílio na Sibéria é apenas a retomada, por parte do regime autocrático, de mais prisões e perseguições. Mesmo assim Lênin persiste sem recuar um centímetro da atividade política.

Em julho de 1900 Lênin é obrigado a deixar a Rússia. Na Suíça, estreita seu relacionamento com Plekhânov (introdutor do marxismo na Rússia) e com o grupo chefiado por este, Emancipação do Trabalho.

Em dezembro deste ano é lançado o Iskra (A centelha), tendo ao lado do título a frase: “Da centelha nascerá a chama”. O Iskra era impresso na Alemanha e transportado clandestinamente para a Rússia, onde era distribuído nos círculos operários e nas fábricas por militantes do partido.



Já no primeiro editorial Lênin vaticinava: “Sem um partido forte e organizado, o proletariado russo jamais conseguirá realizar a grande tarefa histórica que lhe cabe: libertar a si próprio e a todo o provo russo de sua escravidão política e econômica”.

Nasce Lênin

Cuida de não confundi-lo com um frio engenheiro,
cuida de não confundi-lo com um místico ardente.
Sua inteligência ardeu sem ser cinza jamais,
a morte não gelou ainda seu coração de fogo.


A revista Aurora (publicada pela redação do Iskra) traz, em dezembro de 1901, o artigo “A questão agrária e os críticos de Marx”, assinada por um desconhecido Lênin. Era a primeira vez que V. Ulianov assinava o nome com que seria imortalizado. Lênin é derivado de Lena, um grande rio da Sibéria.

Em 1902, em Stuttgart, foi impresso Que Fazer?. Livro fundamental, que sistematizou e lançou as bases para o surgimento do partido de novo tipo: o partido leninista.

Neste livro Lênin defendia que o partido proletário só teria condições de conduzir a luta revolucionária através de uma organização disciplinada, com centro único de direção reconhecido por todos os membros, com subordinação dos órgãos diretivos inferiores aos superiores e da minoria à maioria no interior das diferentes instâncias. Uma organização que unisse flexibilidade tática à mais resoluta defesa dos objetivos estratégicos. Só seria considerado membro do partido aquele que aceitasse o seu programa e estatutos, atuasse em algum organismo partidário e contribuísse materialmente para a sustentação do partido.

Em julho de 1903, no 2º Congresso do POSDR, Lênin, em acalorado debate contra Martov, Trotsky e outros, ganha a maioria do partido para as teses expostas em Que Fazer?. Maioria, em russo, é bolchinstvó, minoria é menchinstvó. Surgem assim as expressões, Bolchevique (defensores do partido de tipo leninista) e menchevique (oportunistas, reformistas).

O partido bolchevique foi uma grande obra de Lênin, já então uma figura respeitada pelo movimento revolucionário internacional. O que poucos suspeitavam é que este partido, apenas 14 anos depois, lideraria a primeira revolução socialista do planeta.

Construindo o partido – comandando a revolução

A partir de então a atividade de Lênin ganha ritmo inaudito, unindo de forma inacreditável, pelo volume e qualidade, a formulação teórica e o comando prático do Partido. Com a derrota russa na guerra contra o Japão em 1904, V. Ulianov anteviu genialmente a primeira revolução russa e advertiu o partido para se preparar para ela.

Iniciada a revolução em 1905, Lênin comanda os bolcheviques e faz tudo para que a revolta popular avance. Lênin fica particularmente feliz com o surgimento do primeiro Soviet (Conselho de Deputados Operários). Lênin vê nos Soviets uma nova e mais avançada forma de democracia. No final de 1905, em uma Conferência Bolchevique realizada na Finlândia, Lênin era apresentado ao delegado bolchevique da Geórgia, Josef Vissarionovich Dzhugashvili, o futuro Stálin, que então usava o pseudônimo Koba.

Em 1907, a revolução foi derrotada e a maioria dos líderes revolucionários mortos, presos ou exilados. Lênin publica artigos, um após o outro, para extrair lições desta jornada e apontar os erros e vacilações de quem acusava os bolcheviques de terem “artificialmente” promovido a radicalização do movimento. Um destes atacantes era ninguém menos do que Trotsky. Diz Lênin: “Trotsky deturpa o bolchevismo, porque Trostsky nunca conseguiu assimilar ideias minimamente definidas sobre o papel do proletariado na revolução burguesa russa”.

Dizia ainda Lênin, em defesa da orientação bolchevique na revolução de 1905: “Marx disse em 1848 e em 1871 que há momentos numa revolução em que a entrega de posições ao inimigo sem combate desmoraliza mais as massas do que a derrota na luta. (...) com a sua (do proletariado) luta heroica ao longo de três anos (1905-1907), o proletariado russo conquistou para si e para o povo russo aquilo que outros povos levaram dezenas de anos a conquistar. Conquistou a libertação das massas operárias da influência do liberalismo traidor e desprezivelmente impotente. Conquistou para si o papel hegemônico na luta pela liberdade, pela democracia, como condição para a luta pelo socialismo”.

No artigo “Lições da Revolução”, Lênin combate o derrotismo que abateu parte da vanguarda russa com a derrota de 1907 com a clarividência de quem, segundo o poeta Gorki, “falava pela boca da história”: “Nenhuma força no mundo impedirá o advento da liberdade na Rússia quando a massa do proletariado das cidades se erguer para a luta, afastar os liberais vacilantes e traidores, conduzir atrás de si os operários rurais e o campesinato arruinado. E que o proletariado da Rússia se erguerá para essa luta e de novo encabeçará a revolução – garante-o toda a situação econômica da Rússia, toda a experiência dos anos de revolução”.

A luta de Lênin contra o revisionismo e as falsificações do marxismo que tentam despojá-lo de sua vocação revolucionária, ocupa, neste período, boa parte de seu tempo. Por outro lado, também é implacável em Lênin o combate ao dogmatismo que, ao lado do revisionismo, representa para o líder russo o maior perigo para a revolução. Em artigo publicado em 1910, “Acerca de algumas particularidades do desenvolvimento histórico do marxismo”, Lênin denuncia (notem a atualidade de suas palavras):


Precisamente porque o marxismo não é um dogma morto, não é uma qualquer doutrina acabada, pronta, imutável, mas um guia vivo para a ação, precisamente por isso não podia deixar de refletir em si a mudança surpreendentemente brusca das condições da vida social. O reflexo das mudanças foi uma profunda desagregação e confusão, vacilações de toda a espécie, numa palavra – uma gravíssima crise interna do marxismo. Uma resistência decidida a esta desagregação, uma luta decidida e tenaz em defesa dos fundamentos do marxismo, inscreveu-se de novo na ordem do dia.

Camadas extraordinariamente amplas das classes que não podem dispensar o marxismo ao formular as suas tarefas assimilaram o marxismo na época precedente, de uma maneira extremamente unilateral, disforme, decorando tais ou tais ‘palavras de ordem’, tais ou tais respostas às questões táticas, e não compreendendo os critérios marxistas dessas respostas. A ‘reavaliação de todos os valores’ nos diferentes domínios da vida social conduziu à ‘revisão” dos fundamentos filosóficos mais abstratos e gerais do marxismo.

A influência da filosofia burguesa, nos seus variados matizes idealistas, manifestou-se na epidemia machista (4) entre os marxistas. A repetição de ‘palavras de ordem’ aprendidas de cor, mas não compreendidas nem meditadas, conduziu à ampla difusão de uma fraseologia oca, que na prática consistiu em tendências perfeitamente não marxistas. (...) Do marxismo já só ficou a fraseologia, que reveste considerações completamente impregnadas de espírito liberal sobre a ‘hierarquia’ e a ‘hegemonia’, etc.

 
A luta contra estas manifestações malsãs (revisionismo e dogmatismo) marcou toda a trajetória de
Lênin antes e depois da revolução de outubro

Vivendo fora da Rússia da venda dos seus livros e da ajuda esporádica e minguada do Partido, a vida de Lênin e Krupskaia era frugal. Recorda Kruspskaia da casa em Paris: “Nosso conjunto de sala contava apenas de um par de cadeiras e uma pequena mesa. O desdém com que o porteiro olhou para nossa mesa vazia era digno de ver-se”.

A falência da 2ª Internacional e a revolução


Alguns homens foram só estudo,
Livro profundo, apaixonada ciência,
e outros homens tiveram
como virtude da alma o movimento.
Lênin teve duas asas:
o movimento e a sabedoria.


Quando explode a 1ª Guerra Mundial, Lênin, Rosa Luxemburgo e outros revolucionários internacionalistas denunciam a traição dos partidos ligados à 2ª Internacional Socialista. Até então, a grande guerra, que havia sido prevista por Engels, era vista pelo movimento operário como uma oportunidade de transformar a guerra imperialista em sublevações revolucionárias de classe. Na prática, os grandes partidos socialistas da época ficaram cada qual com sua burguesia, em uma guerra que era claramente de rapina pela divisão comercial do mundo, como não cansava de denunciar Lênin.

Lênin empreende, junto com os bolcheviques, intensa campanha contra a guerra e o partido cresce cada vez mais na estima de operários e camponeses.

A guerra imperialista de 1914 opunha de um lado Reino Unido, França e Império Russo contra Alemanha e Império Austro-Húngaro.

Lênin acompanha tudo febrilmente, orientando o partido através de centenas de mensagens sem jamais descuidar do rigor teórico necessário para determinar o correto rumo da luta. De 1914 a 1916, Lênin publica as seguintes obras: A Falência da Segunda Internacional, O Socialismo e a Guerra, A Revolução Socialista e o Direito das Nações à Autodeterminação, Sobre a Derrota do Próprio Governo na Guerra Imperialista, Algumas Teses, O Programa Militar da Revolução Proletária, A Questão da Paz, Sobre a Palavra de Ordem do Desarmamento.

Para se ter apenas uma ideia do que isso significava em termos de esforço intelectual, a partir de 1915, em Berna, Lênin começa a estabelecer a bibliografia, a elaborar planos, a fazer anotações e resumos do que seria o imprescindível Imperialismo, Fase Superior do Capitalismo, escrito finalmente de janeiro a junho de 1916 em Zurique. Os materiais preparatórios do livro montam 50 folhas impressas com anotações de 148 livros (russos, alemães, franceses e ingleses) e 232 artigos.

Convicto de que as condições para a revolução estão dadas, Lênin intensifica ainda mais suas atividades.

Cai o czar

No início de 1917, a crise econômica e as derrotas na frente de guerra tornam insustentável a autocracia. Conduzida de forma catastrófica pelo incompetente Czar Nicolau II, a Rússia padecia com fome generalizada e constantes revoltas populares. Dos 15 milhões de russos mobilizados para a batalha, um terço já havia perecido ou estava ferido.

No início de fevereiro os bolcheviques convocam uma greve geral em Petrogrado, com as palavras de ordem “Abaixo a autocracia, Abaixo a Guerra”.

Manifestações e passeatas acontecem uma após a outra. Em 28 de fevereiro de 1917, acuado, o czar Nicolau II abdica, pondo fim a mais de três séculos de poder dos Romanov.

Falar da atividade de Lênin neste período, de fevereiro até outubro de 1917, meses que “condensam séculos”, exigiria uma tal riqueza de detalhes que foge ao propósito deste modesto artigo.

Digo apenas que Lênin encontrava-se indócil para voltar à pátria e dirigir pessoalmente a próxima etapa da revolução que, ele tinha certeza, seria socialista.

Finalmente, em 27 de março de 1917, o governo alemão autoriza a passagem de um trem conduzindo o líder russo até a pátria com a esperança de que a agitação leninista enfraquecesse mais seu adversário na guerra.

Ao se despedir do seu senhorio em Zurique, este diz a Lênin: “Espero, herr Ulianov, que na Rússia o senhor não tenha que trabalhar tanto como trabalhou aqui”, ao que Lênin respondeu: “Creio que em Petrogrado irei ter mais trabalho”.

A estação Finlândia e um presente de criança


Assim, Lênin, tuas mãos trabalharam
e tua razão não conheceu descanso
até que em todo o horizonte
se divisou uma nova forma
(...) Desde terras remotas os povos a viram:
era ela, não havia dúvida,
era a Revolução.
O velho coração do mundo latejou de outro jeito.


Na Estação Bielostrov da ferrovia finlandesa, Stálin e a irmã de Lênin Maria Ulianova o aguardam, juntamente com uma comissão de operários que irá acompanhar o líder bolchevique até Petrogrado.

Diversos historiadores já descreveram de forma emocionante a chegada triunfal de Lênin à Estação Finlândia, às 23 horas do dia 3 de abril, depois de 10 anos afastado da Rússia. A praça lotada, a orquestra tocando a Marselhesa, a multidão em extâse agitando lenços vermelhos. Operários conduzem Lênin para cima de um carro blindado. Todos estão ansiosos para ouví-lo. Lênin, com a maestria de um comunicador de mão cheia, falando de forma “simples como a verdade”, inicia sua fala:

“Camaradas! Eu os saúdo sem saber ainda se vocês têm acreditado ou não em todas as promessas do governo provisório. Porém, estou certo de que, quando ele lhes fala com palavras açucaradas, quando promete mundos e fundos, está enganando vocês e a todo o povo russo. O povo precisa de paz; o povo precisa de pão; o povo precisa de terra!” Lênin finalizou seu discurso com um tonitroante: “Viva a revolução socialista mundial!” Estrondosamente aclamado, Lênin parte imediatamente para diversas reuniões. Ele e Krupskaia só conseguem descansar na manhã do dia 4 de abril, quando chegam à casa da irmã mais velha de Lênin, Ana. No quarto preparado para o casal, sobre a cama, um cartaz feito pelo filho adotivo de Ana onde estava escrito: “Proletários de todo mundo, uni-vos”!

No calor da batalha

Quem imagina o Partido Bolchevique como um corpo de pensamento petrificado que ficava à espera das decisões do chefe não pode ter um pensamento mais equivocado. O POSDR (bolchevique) era altamente qualificado política e ideologicamente e seu corpo dirigente mais ainda. Às vésperas da Revolução de Outubro, diante de uma situação prenhe de informações contraditórias, Lênin teve que se desdobrar para convencer toda a direção de que havia chegado o momento da revolução socialista. Trabalhou quase que diuturnamente. No dia seguinte à sua chegada na Estação Finlândia escreveu: “As tarefas do proletariado na nossa revolução”. Diversos outros artigos (conhecidos como as Teses de Abril) e discursos foram produzidos em quantidade vertiginosa. Enquanto isso Lênin ainda encontrava tempo para dirigir pessoalmente a batalha pela hegemonia nos Soviets. Lênin apostava tudo em uma transição pacífica ao socialismo, através da conquista de uma clara maioria bolchevique nos Soviets que, transformados em órgãos reais do poder proletário, iriam derrubar a burguesia. Daí a palavra de ordem que durou durante quase todo este período e que galvanizou as massas: “Todo poder aos Soviets!”.

Mas como responder as questões concretas sobre a direção de um Estado socialista na Rússia? Lênin pôs mãos à obra e escreveu, em agosto e setembro de 1917, O Estado e a Revolução.
Já convencido de que os mencheviques e seus aliados burgueses não aceitariam a transição pacífica do poder, Lênin, que perseguido pelo governo provisório é obrigado a cair de novo na clandestinidade e se refugiar, disfarçado de pastor protestante, em Helsinque (capital da Finlândia), escreve duas cartas ao Comitê Central do Partido: “Os Bolcheviques devem tomar o poder” e “O marxismo e a insurreição”.

Na primeira carta Lênin conclamava: “Tendo obtido a maioria nos Soviets de deputados operários e soldados de ambas as capitais, os bolcheviques podem e devem tomar o poder de Estado em suas mãos”. A carta terminava com o resoluto veredito: “Tomando o poder imediatamente em Moscou como em Petrogrado (pouco importa quem começa; talvez Moscou mesmo possa começar), venceremos absoluta e indubitavelmente”.

Na segunda carta ele estuda as medidas necessárias para uma insurreição vitoriosa, tomando em conta experiências anteriores do proletariado.

As cartas de Lênin foram discutidas na reunião do CC de 15 de setembro. Kamenev, que era contra a insurreição, apresentou um projeto contrário ao de Lênin, mas foi derrotado. O CC ficou então de marcar nova reunião, o mais breve possível, para discutir as questões táticas. A ausência de Lênin, no entanto, tudo dificultava.

Lênin só consegue retornar a Petrogrado, barbeado e de peruca, no dia 07 de outubro. Finalmente, nos dias 16 e 17 de outubro, uma decisiva reunião do CC é realizada. Os bolcheviques decidem por 20 votos contra 2 (Kamenev e Zinoviev) e três abstenções preparar a insurreição armada imediata. Foi eleito um Centro Militar Revolucionário, composto de cinco membros: Bubnov, Djerjinsky, Stálin, Sverdlov e Uritsky.

Kamenev e Zinoviev, incorfomados, no dia seguinte deram entrevista à imprensa declarando-se contra os preparativos da insurreição armada e dessa forma revelando um segredo do Partido. Lênin ficou enfurecido e pediu ao CC a explusão dos dois por traição: “Consideraria uma vergonha para mim se, por causa das estreitas relações anteriores com estes dois ex-camaradas, eu vacilasse em condená-los.” A maioria do CC bolchevique, no entanto, não acatou a proposta de Lênin e apenas desautorizou Kamenev e Zinoviev de falar em nome do Partido.

Apesar da traição de Kamenev e Zinoviev, a Revolução Bolchevique foi vitoriosa. O estado-maior da revolução reuniu-se, sob o comando de Lênin, no Instituto Smolny. No segundo andar, em reunião permanente, funcionava o Centro Militar Revolucionário.

Durante toda a noite e madrugada do dia 24 de outubro Lênin recebia e despachava informes. Na manhã do dia 25 de outubro de 1917 todas as instituições mais importantes do Estado – o Banco Central, as centrais de telégrafos e telefones, a emissora de rádio, as estações ferroviárias, etc. já estavam tomadas pela Guarda Vermelha. Pouco depois da meia-noite do dia 25, depois de disparos do cruzador Aurora e invadido por 18 mil guardas vermelhos, caiu o Palácio de Inverno e com ele o poder burguês na Rússia.

Escrito por Lênin, é divulgado ao povo o comunicado “Aos cidadãos da Rússia”:


“O Governo Provisório foi deposto. O poder de Estado passou para as mãos do órgão do Soviet de deputados operários e soldados de Petrogrado – o Comitê Militar Revolucionário –, que se encontra à frente do proletariado e da guarnição de Petrogrado.

A causa pela qual o povo lutou – a proposta imediata de uma paz democrática, a supressão da propriedade latifundiária da terra, o controle operário sobre a produção, a criação de um Governo Soviético – esta causa está assegurada.

Viva a revolução dos operários, soldados e camponeses!”
 
Tinha Lênin apenas 47 anos quando liderou a primeira revolução proletária do planeta em um país que contava à época com 130 milhões habitantes. Lênin sobreviveu apenas sete anos ao Outubro Vermelho. Mas como tudo em sua vida, foram sete anos de gestas grandiosas. Derrotou os guardas brancos, derrotou a intervenção de 14 países capitalistas que invadiram a recém-fundada pátria operária com o objetivo de “matar o bebê bolchevique no berço” (como cinicamente defendeu Winston Churchill), consolidou o poder soviético, fundou a 3ª Internacional (1919), a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (1922) e deixou todas as bases para que a URSS, em tempo recorde, saísse das trevas do feudalismo para um até então inédito nível de desenvolvimento humano e industrial, abrindo caminho em todos os continentes para as lutas dos povos por liberdade e direitos sociais.

Engels dizia que épocas revolucionárias exigem o surgimento de titãs. Mas o titã que Engels preconizava não eram deuses ou super-homens. Ao contrário, eram titãs porque eram incomensuravelmente humanos. Assim foi Lênin, um gigante humano, com erros e acertos como qualquer mortal, mas com a vontade férrea e a determinação inquebrantável de doar sua vida para a luta por justiça e igualdade. Só me resta, como o poeta chileno Pablo Neruda, que com seu poema Lênin, embelezou esta modesta homenagem, dizer “Grato Lênin, pelo ar, pelo pão, pela esperança”.

Notas
1 - A Rússia, até fevereiro de 1918, adotou o calendário Juliano, atrasado 13 dias em relação ao atual. As datas aqui mencionadas seguem o calendário da época (Juliano).
2 - A antiga Simbirsk foi rebatizada mais tarde como Ulianovsk e, ao contrário de Leningrado, que após a derrota do regime soviético voltou a se chamar São Petersburgo, ostenta até hoje, como capital da província também chamada Ulianovsk, a homenagem ao filho ilustre.
3 - Maria Alexandrovana, ao visitar Lênin em uma de suas prisões, foi provocada pelo diretor do presídio: “Belos filhos você tem, um foi enforcado e o outro a corda o espera”, respondeu Maria, altiva: “Tenho muito orgulho dos meus filhos!”
4 - Seguidores do positivista Ernest Mach.

Referências bibliográficas para este artigo


1 - Lênin – Biografia Ilustrada – Elio Bolsanello – Editora Anita
2 -  V.I. Lênin – Obras Escolhidas Volume 1 – Editora Alfa Omega
3 -  V.I. Lênin – Obras Escolhidas Volume 2 – Editora Alfa Omega
4 -  V.I. Lênin – Obras Escolhidas Volume 3 – Editora Alfa Omega
5 -  Stálin - Um Novo Olhar – Ludo Martens – Editora Revan

*Wevergton Brito Lima é jornalista e secretário de Comuinicação do Comitê Estadual do PCdoB no Rio de Janeiro

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