Por Ana Helena Tavares(*)
Mussolini deve estar às gargalhadas no
túmulo. Fui às ruas para defender a legalidade – porque é nas ruas que
ela tem que ser defendida, concordaria Brizola – e acabei sendo chamada
de fascista simplesmente por ter ido às ruas. Mas é compreensível. O
Brasil viveu uma semana de dois extremos – e eu poderei contar aos meus
netos que estive presente em ambos.
Na segunda-feira, 17 de Junho de 2013, fui às ruas encantada com o fervor da garotada que luta pelo Passe Livre. Foi lindo (assista aqui), mas, ao final, filmei dois jovens contando que foram agredidos pela PM por nada (assista aqui).
Um filme que eu nem precisava ver, já que, tristemente, é tão
repetitivo. Se a juventude é impedida de ter voz, pela mão autoritária
de um Estado policialesco, como deslegitimar sua rebeldia?
Na quinta-feira, 20 de Junho, fui às
ruas para defender meu direito de protestar – o meu e o de todos os que
nos dias anteriores foram brutalmente impedidos. Mas aquele dia foi
diferente. Conheci ali uma pessoa que não havia ido na passeata de
segunda-feira – e era a primeira vez que ela participava de “qualquer
coisa política”, segundo palavras dela. Desorientada, ela não sabia o
que estava fazendo ali. Apenas queria estar.
Conversei com ela, tentando convencê-la
sobre a importância dos partidos políticos. Não sei se ela entendeu. Mas
muitos ali não entenderam. Vi bandeiras vermelhas serem pisoteadas e
foi uma das cenas mais tristes da minha vida. Não por serem vermelhas,
mas por serem bandeiras.
Diversos veículos de comunicação deram
destaque a uma foto de um sujeito mordendo que nem um louco a bandeira
do PT para rasgá-la. É a perversão definitiva do jornalismo.
Se, nesses 10 anos no poder, o PT
tivesse conseguido democratizar as comunicações, bandeira abandonada
pelo ministro Paulo Bernardo, e se parte da militância petista não
tivesse se afastado das ruas, talvez nada disso tivesse acontecido.
Dilma, mais ou menos com a minha idade,
encarou militares que esconderam os rostos. No pronunciamento da noite
de sexta-feira, 21 de Junho, ela encarou com firmeza mascarados sem
rumo, mas faltou criticar a ação de uma polícia que tentou calar jovens
com métodos muito parecidos àqueles da ditadura.
O Itamaraty em chamas e a violência que
se generalizou por todo o Brasil não podem ser colocados somente na
conta dos manifestantes. Isaac Newton quando fez a lei da ação e reação
certamente pensou que repressão gera pressão.
Seria ingênuo demais achar que a massa
atiçada nas ruas não iria dar nisso. O aprendizado da democracia é um
processo demorado, mas merece ser processo sem volta.
E o povo, ao que me pareceu nos dois
atos, não está disposto a perder as garantias constitucionais que nosso
país conquistou com tanto sangue. Na quinta-feira, porém, os que não
foram na segunda acharam que podiam se apoderar de um movimento legítimo
em sua origem.
Eu me senti nitidamente tendo ido à
passeata dos 100 mil num dia e à Marcha com Deus pela Família no outro.
Progressismo na segunda, quando havia o foco na luta pela redução do
preço das passagens; conservadorismo travestido de revolta na quinta,
quando uma miscelânea de temas inundou a Presidente Vargas.
Mesmo assim, da Candelária até a
prefeitura do RJ, passei por toda a Presidente Vargas sem, em nenhum
momento, ouvir gritos de guerra contra Dilma. Ao contrário, eu e
milhares de pessoas gritamos várias vezes, a plenos pulmões, que “a
verdade é dura, a Rede Globo apoiou a ditadura” (assista aqui).
Mas vi, sim, muitos cartazes de “Fora,
Dilma!”, que creio representarem manifestações isoladas, tanto que não
tiveram força para soltar grito. De fato, durante todo o percurso da
passeata, eu só ouvi palavras de ordem contra Cabral e Paes (governador e
prefeito do RJ), nada contra Dilma.
Mas a frase “O gigante acordou”, que
ganhou força na quinta-feira, é reveladora. Parece tirada de um livro de
história, que conta páginas negras. E se faz preocupante por repudiar
aqueles que estão acordados há muito tempo.
A Veja, panfleto semanal que ainda acha
que é revista, publicou neste sábado, 22 de Junho, uma capa com uma
brasileira carregando a bandeira do Brasil em meio ao fogo. E decreta:
“os sete dias que mudaram o Brasil”. É uma fixação que eles têm por esse
negócio de “mudança”. Basta ver que recentemente fizeram uma capa
dizendo que Joaquim Barbosa é “o menino que mudou o Brasil”.
Mas o que eles e os mascarados querem
mudar? Querem mudar o tom dos passos. Querem trocar Chico Buarque pela
banda de música da UDN.
*Ana Helena Tavares, jornalista, editora do “Quem tem medo da democracia?“
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