Continuação: parte final
Já vimos que a apropriação do ser objetivo
alienado, ou a revogação da objetividade na situação de alienação (que tem de
evoluir da não-identidade indiferente para a alienação antagônica de verdade)
significa para Hegel, também, ou primordialmente, a
revogação da objetividade, uma vez que não é o caráter determinado do
objeto mas seu caráter objetivo que é o próbrio da alienação para a
autoconsciência. O objeto, portanto, é negativo, auto-anulador, uma nulidade.
Essa nulidade do objeto tem significado positivo, assim como negativo,
para a consciência, pois êle é a autoconfirmação da não-objetividade, (XXVIII)
o caráter abstrato dêle mesmo. Para a própria consciência, por
conseguinte, a nulidade do objeto tem significado positivo por ela conhecer essa
nulidade, ser objetivo, como sua auto-alienação, e saber que essa
nulidade só existe graças à sua auto-alienação. . .
O modo em que a consciência é, e em que algo é para
ela, o conhecimento. Conhecer é sua única ação. Assim, algo chega a
existir para a consciência na medida em que ela conhece esse algo.
Conhecer e sua única relação objetiva. Ela conhece (ou sabe), então, a nulidade
do objeto (i. é, sabe a não-existência da distinção entre si mesma e o objeto,
a não-existência do objeto para ela) por ela conhecer o objeto como sua auto-alienação.
Isso quer dizer, ela conhece a si mesma (conhece, conhecendo como um objeto)
porque o objeto é apenas uma imagem de um objeto, uma ilusão, que intrinsecamente
nada é senão o conhecer-se que se defrontou consigo mesmo, estabeleceu em face
de si mesmo uma nulidade, um "algo" que não tem
existência objetiva fora do próprio conhecimento. O saber sabe que ao se
relacionar com um objeto está apenas fora de si mesmo, aliena-se, e que
ele só lhe parece como um objeto; ou, por outras palavras, que aquilo que lhe aparece
como objeto é apenas ele próprio.
Por outro lado, Hegel diz, esse momento" está presente
ao mesmo tempo; ou seja, que a consciência igualmente revogou e reabsorveu essa
alienação e objetividade e, consequentemente, está em casa em seu outro ser
como tal. Neste exame, todas as ilusões da especulação acham-se
congregadas.
Primeiro, a consciência - autoconsciência - está
em casa em seu outro ser como tal. Ela está, portanto - se nos abstrairmos
da abstração de Hegel e substituirmos a autoconsciência por
autoconsciência do homem - em casa em seu outro ser como tal. Isso
subentende, primeiramente, que a consciência (saber como saber, pensamento como
pensamento) alega ser diretamente o outro de si mesma, o mundo
sensorial, a realidade, a vida; é o pensamento ultrapassando-se a si mesmo em
pensamento (Feuerbach). Este aspecto
é nela contido, na medida em que a consciência como mera consciência não é
afrontada pela objetividade alienada mas pela objetividade como tal.
Em segundo lugar, isso implica no homem
autoconsciente, na medida em que tenha reconhecido e revogado o mundo
espiritual (ou o mundo espiritual universal de existência de seu mundo) o
confirmar, a seguir, novamente, nessa forma alienada e apresentá-lo como sua
existência verídica; ele o restabelece e alega estar em casa em seu outro
ser. Assim, por exemplo, após revogar a religião, quando a reconheceu como
produto da auto-alienação, em seguida ele encontra uma confirmação de si mesmo
na religião como religião. Essa é a raiz do falso positivismo de Hegel, ou de sua meramente aparente crítica;
o que Feuerbach denomina de pressuposto, negação e
restabelecimento da religião ou teologia, mas que tem de ser concebido de
maneira mais generalizada. Assim, a razão está em casa no absurdo como tal. O
homem, que reconheceu estar levando uma vida alienada no direito, política,
etc., vive sua vida verdadeiramente humana nessa vida alienada como tal. A
auto-afirmação, em contradição consigo mesma, e com o conhecimento e a
natureza do objeto, é, pois, o verdadeiro conhecimento e vida.
Não pode haver mais dúvida acerca da transigência
de Hegel com a religião, o Estado, etc., pois
esta mentira é a mentira de toda sua argumentação.
(XXIX) Se conheço a religião como autoconsciência
humana alienada, o que conheço nela como religião não é minha
autoconsciência, porém minha autoconsciência alienada nela confirmada. Assim,
meu próprio eu, e a autoconsciência que e a essência dele, não são confirmados
na religião, mas na abolição e revogação da religião.
Em Hegel, portanto, a negação da negação não é
a confirmação do verdadeiro ser pela negação do ser ilusório. E a confirmação
do ser ilusório, ou do ser auto-alienado em sua negação; ou o repúdio desse ser
ilusório como ser objetivo existente fora do homem e independentemente dele, e
sua transformação em sujeito.
O ato de revogação desempenha parte
estranha, onde repúdio e preservação, repúdio e afirmação, se acham
entre-laçados. Assim, por exemplo, na Filosofia do Direito de Hegel, o direito privado revogado é
igual à moral, a moral revogada igual à família, a família
revogada igual à sociedade civil, a sociedade civil revogada igual ao Estado
e o Estado revogado igual à história mundial. Mas, concretamente,
direito privado, moral, a família, a sociedade civil, o Estado, etc.,
permanecem; só se transformaram em "momentos", modos da existência do
homem, sem validade quando isolados mas que mutuamente se dissolvem e geram um
ao outro. Eles são momentos do movimento.
Em sua existência efetiva, essa natureza móvel é
escondida. E pela primeira vez revelada no pensamento, na filosofia em
conseqüência, minha verdadeira existência religiosa e minha existência na filosofia
da religião, minha verdadeira existência política é minha existência na filosofia
do Direito, minha verdadeira existência natural é minha existência na filosofia
da natureza, minha verdadeira existência artística é minha existência na filosofia
da arte, e minha verdadeira existência humana é minha existência na filosofia.
Da mesma maneira, a verdadeira existência da religião, do Estado, da natureza e
da arte, é a filosofia da religião do Estado, da natureza e da arte. Mas, se a
filosofia da religião é a única existência verdadeira da religião, só sou
verdadeiramente religioso como filósofo da religião, e contesto o
sentimento religioso efetivo e o homem religioso concreto. Ao
mesmo tempo, entretanto, eu os confirmo, em parte por minha própria
existência ou na existência alienada com que os enfrento (pois essa é apenas,
a expressão filosófica deles), e em parte em sua própria forma original,
desde que são para mim o meramente aparente outro ser, alegorias, os
contornos de sua verdadeira existência própria (i. é, de minha existência
filosófica) disfarçada por cortinas sensoriais.
Da mesma maneira, a qualidade revogada é
igual a quantidade, a quantidade revogada igual a medida, medida
revogada igual a ser, ser revogado igual a ser fenomenal, ser
fenomenal revogado igual a realidade, realidade revogada igual a conceito,
conceito revogado igual a objetividade, objetividade revogada igual a idéia
absoluta, idéia absoluta revogada igual a natureza, natureza
revogada igual a espírito subjetivo, espírito subjetivo revogado igual a
espírito objetivo ético, espírito objetivo ético revogado igual a arte,
arte revogada igual a religião, e religião igual a conhecimento
absoluto.
Por outro lado, essa revogação é a de um ente de
razão; assim, a propriedade privada como pensamento é revogada pelo
pensamento de moral. E mesmo que o pensamento imagina ser ele mesmo, sem intermediário,
o outro aspecto de si mesmo, ou seja, a realidade sensorial, e considera
sua própria ação como sendo ação real, sensorial, essa revogação em
pensamento, que deixa seu objeto existindo no mundo real, acredita ter ela
mesmo realmente superado ele. Por outro lado, como o objeto agora se tornou
para ela um "momento" do pensamento, ele e encarado em sua existência
real como confirmação do pensamento, da autoconsciência, da abstração.
(XXX) Sob um aspecto, portanto, o existente que Hegel revoga em filosofia não é a
religião, Estado ou natureza real, mas a própria religião como objeto do
conhecimento, i. é, a dogmática; e analogamente com a jurisprudência,
a ciência política e a ciência natural. Sob este aspecto, pois,
ele se coloca em oposição tanto ao ser real quanto à ciência direta, não-filosófica
(ou os conceitos não-filosóficos) desse ser. Logo, ele contradiz os
conceitos convencionais.
Sob o outro aspecto, o homem religioso, etc., pode
encontrar em Hegel sua confirmação definitiva. (a) A revogação
como movimento objetivo que reabsorve a alienação em si mesma. Este
é o discernimento, expresso dentro da alienação, na apropriação do ser
objetivo graças à revogação de sua alienação. E o discernimento alienado da objetificação
real do homem, da apropriação real de seu ser objetivo pela destruição do
caráter alienado do mundo objetivo, pela anulação de seu modo alienado
de existência. Da mesma maneira, o ateísmo como anulação de Deus é o surgimento
do humanismo teórico, e o comunismo como anulação da propriedade privada é a
defesa da vida humana real como propriedade do homem. O último é, também, o
surto do humanismo prático, pois o ateísmo é o humanismo atingido por
intermédio da anulação da religião, ao passo que o comunismo é o humanismo
atingido mediante a anulação da propriedade privada. Só pela revogação desse
intermediário (que, no entanto, é condição prévia indispensável) pode aparecer
o humanismo positivo autogerado.
O ateísmo e o comunismo, entretanto, não são uma
fuga ou abstração, ou ainda perda, do mundo objetivo, que os homens criaram
pela objetificação de suas faculdades. Eles não são um retrocesso empobrecido à
primitiva simplicidade antinatural. São, antes, o primeiro surto real, a legítima
concretização, da natureza do homem como algo real.
Hegel, pois, pelo fato de ver o significado positivo
da negação auto-referível (apesar de sob forma alienada), concebe o
auto-alheamento do homem, sua alienação do ser, perda de objetividade e
realidade, como autodescoberta, mudança de natureza, objetificação e
realização. Em resumo, Hegel concebe o trabalho como o ato de
autocriação do homem (embora em termos abstratos); ele percebe a relação do
homem consigo mesmo como um ser alienado e o aparecimento da consciência de
espécie e da vida-espécie como a demonstração de seu ser alienado.
(b) Em Hegel, porém, à parte da, ou antes, como
conseqüência da inversão já descrita por nós, esse ato de gênese surge, antes
de mais nada, como ato meramente formal, por ser abstrato e por ser a
própria natureza humana tratada como natureza abstrata, pensante, como
autoconsciência.
Em segundo lugar, por ser formal e abstrata a
concepção, a anulação da alienação torna-se confirmação da alienação. Para Hegel, esse movimento de autocriação e
auto-objetificação, sob a forma de auto-alheamento, é a expressão
absoluta, e por isso final, da vida humana, que tem seu fim em si
mesma, está em paz consigo mesma e unida à sua própria natureza.
Esse movimento, em sua forma abstrata (XXXI) como
dialética, é então visto como vida humana verdadeira, mas como, sem
embargo, é uma abstração, uma alienação da vida humana, é visto como processo
divino e, portanto, o processo divino da humanidade; é um processo por que
passa o ser abstrato, puro e absoluto do homem, e não ele próprio.
Em terceiro lugar, esse processo tem de ter um
portador, um sujeito, mas este emerge inicialmente como um resultado. Este
resultado, o sujeito conhecer-se a si mesmo como autoconsciência absoluta, é
portanto Deus, o espírito absoluto, a idéia que se conhece e se manifesta
por si mesma. O homem real e a natureza real convertem-se em meros
predicados, símbolos desse homem e natureza irreais e ocultos. Sujeito e
predicado, por conseguinte, têm uma relação inversa entre si; um sujeito-objeto
místico, ou uma subjetividade que ultra passa o objeto, o sujeito absoluto
como processo de auto-alienação e o retorno da alienação para si mesmo, e,
ao mesmo tempo, de reabsorção dessa alienação, o sujeito como esse
processo; puro, incessante movimento de repetição dentro de si mesmo.
Primeiramente, a concepção formal e
abstrata do ato de autocriação
ou auto-objetificação do homem.
Visto Hegel igualar homem e autoconsciência, o
objeto alienado, o ser real alienado do homem, é simplesmente consciência,
a mera idéia de alienação, sua expressão abstrata, e por isso vazia e irreal, a
negação. A anulação da alienação é também, portanto, apenas uma anulação
abstrata e inane dessa abstração vazia, a negação da negação. A
atividade repleta, viva, sensória e concreta da auto-objetificação reduz-se,
destarte, a mera abstração, negatividade absoluta, uma abstração que é a
seguir cristalizada como tal e concebida como uma atividade independente, como
a própria atividade. Já que essa assim chamada negatividade é meramente a forma
abstrata e vazia daquele ato real vivo, seu conteúdo só pode ser um
conteúdo formal produzido pela abstração de todo conteúdo. Essas são,
pois, formas de abstração gerais, abstratas, que se referem a qualquer
conteúdo e são, portanto, neutras face a, e válidas para, qualquer conteúdo;
formas de pensamento, formas lógicas destacadas do espírito e da natureza reais.
(Exporemos, adiante, o conteúdo lógico da negatividade absoluta.)
A realização positiva de Hegel em sua lógica especulativa é mostrar
que os conceitos determinados, as formas de pensamento fixas, em
sua independência da natureza e do espírito, são resultado necessário da
alienação generalizada da natureza humana e também do pensamento humano, e
descrevê-los em conjunto como momentos do processo de abstração. Por exemplo,
ser revogado é essência, essência revogada é conceito, o conceito revogado. . .
a idéia absoluta. Mas, o que é a idéia absoluta? Ela tem que se revogar a si
mesma se não quiser passar novamente por todo o processo de abstração, desde o
começo, e contentar-se em ser uma totalidade de abstrações ou uma abstração
capaz de se entender a si mesma. Mas, a abstração capaz de se entender a si
mesma sabe que ela mesma nada é; ela tem de abandonar-se a si mesma e assim
chegar a uma entidade que é exatamente o seu oposto, a natureza. Toda a Lógica,
portanto, é uma demonstração de que o pensamento abstrato nada é por si mesmo,
a idéia absoluta é nada para si mesma, e só a natureza é alguma coisa.
(XXXII) A idéia absoluta, a idéia abstrata que,
"encarada sob o aspecto de sua unidade consigo mesma, é intuição"
(Hegel, Encyclopaedia, 3ª ed., pág. 222) e "em sua própria verdade
absoluta resolve permitir o momento de sua particularidade ou de determinação
inicial a ser-outro, a idéia imediata, como seu reflexo, emergir
livremente de si mesma como natureza". (ibid.) Toda esta idéia,
que se comporta de maneira assim tão bizarra e caprichosa e tem dado aos
hegelianos tão terríveis dores de cabeça, nada mais é do que abstração, i.
é, o ser pensante abstrato. E a abstração que, tornada prudente pela
experiência e esclarecida a respeito de sua própria verdade, resolve, em
condições várias (falsas e ainda abstratas) abandonar-se e estabelecer
seu outro ser, o particular, o determinado, em lugar de sua auto-absorção,
não-ser, universalidade e indeterminação; e resolve deixar a natureza,
escondida dentro dele somente como uma abstração, como um ente de razão, emergir
livremente de si mesma. Isto é, ela decida renunciar à abstração e a
observar a natureza livre da abstração. A idéia abstrata, sem a qual
mediação se converte em intuição, não passa de pensamento abstrato que
se abandona e opta pela intuição. Toda essa transição da lógica à
filosofia da natureza é simplesmente a transição do abstrair para o
intuir, extremamente difícil para o pensador abstrato efetuar e, por isso,
descrita por ele em termos tão estranhos. O sentimento místico que
impele o filósofo do pensamento abstrato para a intuição é o ennui
[N.T.- tédio, aborrecimento, fastio], a aspiração de um conteúdo.
(O homem alienado de si mesmo é também o pensador
alienado de seu ser, i. é, de sua vida natural e humana. Seus
pensamentos são, em conseqüência, espíritos extrínsecos a natureza e ao homem.
Em sua Lógica, Hegel aprisionou juntos todos esses
espíritos, concebendo-os, um por um, primeiro como negação, i. é, alienação
do pensamento humano, e depois como negação da negação, i. é, como
revogação dessa alienação e expressão real do pensamento humano. Visto
como, todavia, essa negação da negação é em si mesma restrita à alienação, ela
é em parte uma restauração daquelas formas espirituais fixas em sua alienação e
em parte uma imobilização no ato final, o ato de auto-referência como o
verdadeiro ser dessas formas espirituais.[N12] Além disso, na medida em que essa
abstração concebe a si mesma e experiência uma crescente fartura de si mesma,
aparece em Hegel um abandono do pensamento abstrato que
se movimenta unicamente na esfera do pensamento e é destituído de olhos
ouvidos, dentes, tudo enfim, e uma resolução de reconhecer a natureza como
um ser e apelar para a intuição.)
(XXXIII) A natureza também, contudo, tomada
abstratamente, por si e rigidamente separada do homem, nada é para o
homem. Não é mister dizer que o pensador abstrato entregue à intuição, intui a
natureza abstratamente. Como a natureza acha-se encerrada no pensador de forma
obscura e misteriosa até para ele mesmo, como idéia absoluta, quando a deixou
surgir dele mesmo ela era ainda apenas natureza abstrata, a natureza
como um ente de razão, mas agora com o significado de ser o outro ente
do pensamento, é a natureza real, intuída, distinta do pensamento abstrato. Ou,
usando linguagem humana, o pensador abstrato descobre, ao intuir a natureza,
que as entidades que ele julgava estar criando do nada, da abstração pura,
criando na dialética divina como produtos puros do pensamento interminavelmente
em vaivém dentro de si mesmo e sem nunca levar em conta a realidade exterior,
são simplesmente abstrações de características naturais. A natureza
inteira, por conseguinte, reitera para ele as abstrações lógicas, mas de uma
forma sensível, exteriorizada. Ele analisa a natureza e essas
abstrações, uma vez mais. Sua intuição da natureza é simplesmente, pois, o ato
de confirmação de sua abstração da intuição da natureza; sua representação consciente
do processo de geração de sua abstração. Assim, por exemplo, o Tempo iguala-se
à Negatividade auto-referível (loc. cit., pág. 238). Na forma natural, o
Movimento revogado como Matéria corresponde ao Vir-a-Ser revogado como Ser. Na
forma natural, a Luz é Reflexo-em-si. O corpo como Lua e Cometa é
a forma natural da antítese que, segundo a Lógica, é de um lado o positivo
alicerçado em si mesmo, e de outro o negativo alicerçado em si
mesmo. A Terra é a forma natural do terreno lógico, como a unidade
negativa da antítese, etc.
A natureza como natureza, i. é, na medida em
que é distinguida sensorialmente daquele sentido secreto oculto dentro dela, a
natureza separada e distinguida dessas abstrações é nada (uma nulidade
demonstrando sua nulidade), é desprovida de sentido, ou tem apenas o
sentido de uma coisa externa que foi revogada.
"No ponto de
vista finito-teleológico, encontra-se a premissa correta de a natureza
não encerrar em si a finalidade absoluta." (loc. cit., pág. 225.) Sua
finalidade é a confirmação da abstração. "A natureza mostrou-se como sendo
a idéia sob a forma de ser-outro. Como idéia é, sob esta forma, a
negativa de si mesma, ou exterior a si mesma, a natureza não é apenas
relativamente exterior vis-à-vis essa idéia, porém a exterioridade constitui
a forma em que ela existe como natureza." (loc. cit., pág. 227.)
A exterioridade não deve ser aqui entendida
como o mundo auto-exteriorizador dos sentidos, aberto à luz e aos
sentidos do homem. Deve ser considerada na acepção de alienação, um erro, um
defeito, que não devia existir. Pois o verdadeiro é ainda a idéia.
A natureza é aparentemente a forma de seu ser-outro.
E como pensamento abstrato é ser, o que é exterior a ele por sua própria
natureza é meramente coisa exterior. O pensador abstrato reconhece ao
mesmo tempo que sensorialidade, exterioridade, em oposição ao pensa
mento que fica em vaivém dentro de si mesmo, é a essência da natureza.
simultaneamente, contudo, ele exprime essa antítese de tal maneira que essa exterioridade
da natureza, e seu contraste com o pensamento, aparece como uma deficiência,
e a natureza se distinguindo da abstração se afigura um ser deficiente. (XXXIV)
Um ser deficiente, não simplesmente para mim ou para meus olhos, mas em-si tem
algo fora dele que lhe falta. Isso equivale a dizer, seu ser e, outra coisa que
não ele mesmo. Para o pensador abstrato, a natureza tem, pois, de revogar-se a
si mesma, porque já está pressuposta por ele como um ser potencialmente revogado.
"Para nós,
o espírito tem a natureza como sua premissa, sendo a verdade da
natureza e, por conseguinte, seu primus absoluto. Nessa verdade, a
natureza desapareceu e o espírito capitulou como a idéia que alcançou
ser-por-si, cujo objeto, assim como o sujeito, é o conceito.
Essa identidade e negativamente absoluta, pois enquanto na natureza o
conceito encontra sua perfeita objetividade exterior, aqui sua alienação foi
revogada e o conceito identificou-se a si mesmo. Ele é essa identidade somente
na medida em que é um retorno da natureza." (loc. cit., pág. 392.)
"A revelação,
como a idéia abstrata, é uma transição sem mediação para o vir-a-ser da
natureza; como a revelação do espírito livre é o estabelecimento da
natureza como seu próprio mundo, estabelecimento esse que, como reflexo,
é simultaneamente a pressuposição do mundo como natureza existente
independentemente. A revelação em conceito é a criação da natureza como o
próprio ser do espírito, no qual ele adquire a afirmação e verdade de
sua liberdade." "O absoluto é espírito; esta é a mais alta
definição do absoluto."
Notas:
[12] Isto é, Hegel substitui essas abstrações fixadas
pelo ato de abstração rodopiando dentro de si mesmo. Ao fazê-lo, antes de mais
nada ele tem o mérito de haver indicado a fonte de todos aqueles conceitos
Inadequados que originariamente pertenciam a diferentes filosofias, e havê-los
reunido e estabelecido a amplitude global das abstrações, em vez de uma
determinada abstração, como o objeto da crítica. Veremos mais tarde por que Hegel separa o pensamento do sujeito. Já
esta claro, todavia, que se o homem não for humano a expressão de sua natureza
não poderá ser humana e, consequentemente, o próprio pensamento não poderá ser
concebido como uma expressão da natureza humana, como uma expressão de um
sujeito humano e natural, com olhos, ouvidos, etc., vivendo na sociedade, no
mundo e na natureza.
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