Terceiro Manuscrito
(6) Este talvez seja
um ponto apropriado a explicar e substanciar o que foi dito, e a tecer certos
comentários gerais a respeito da dialética de Hegel, especialmente como se acha exposta na
Fenomenologia e na Lógica, e a respeito de sua relação com o
moderno movimento crítico.
A crítica alemã
moderna tem estado tão preocupada com o passado, e tão tolhida por seu
enredamento com o tema, que tinha uma atitude totalmente pouco crítica face aos
métodos de crítica e ignorava completamente a pergunta, em parte formal, mas de
fato essencial qual nossa posição relativamente à dialética hegeliana?
Essa ignorância da relação da crítica moderna com a filosofia geral de Hegel, e em particular com a dialética, era
tão grande que críticos como Strauss e Bruno Bauer (o primeiro em todos
os seus trabalhos; o último em seu Synoptiker, onde em oposição a
Strauss, ele substitui a "autoconsciência" do homem abstrato pela
substância da - "natureza abstrata", e mesmo em Das entdeckte
Christentum) viram-se, pelo menos implicitamente, presos na armadilha da
lógica hegeliana. Assim, por exemplo, em Das entdeckte Christentum,
argumenta-se: "Como se a autoconsciência ao postular o mundo, o que é
diferente, não se produzisse a si mesma ao produzir seu objeto; pois então ela
anula a diferença entre si mesma e o que produziu, já que só tem existência
nessa criação e movimento, só tem sua finalidade nesse movimento, etc." Ou
então: "Eles (os materialistas franceses) não podiam ver que o movimento
do universo só se tornou real e unificado em si mesmo na medida em que é o
movimento da autoconsciência." Essas expressões não só não diferem do
conceito hegeliano, como o reproduzem textualmente.
(XII) Quão pouco
esses autores, ao empreenderem sua crítica (Bauer em seu Synoptiker) se davam
conta de sua relação com a dialética de Hegel, e quão pouco essa percepção brotou de
sua crítica, é demonstrado por Bauer em seu Gute Sache der Freiheit quando,
em vez de responder à pergunta indiscreta feita por Gruppe, "E agora, o
que fazer com a lógica?", ele a transfere a futuros críticos.
Agora que Feuerbach, em sua "Thesen" em Anecdotis,
e com maior minúcia em sua Philosophie der Zukunft, demoliu o princípio
interior da dialética e da filosofia antigas, a "Escola Crítica", que
foi incapaz de fazer isso por si mesma, mas viu-o realizado, proclamou-se a
crítica pura, decisiva, absoluta e finalmente esclarecida, e em sua soberba
espiritual reduziu todo o movimento histórico à relação existente entre ela
mesma e o resto do mundo, enquadrado na categoria de a massa". Ela reduziu
todas as antíteses dogmáticas a única antítese dogmática entre sua
própria sagacidade e a estupidez do mundo, entre o Cristo crítico e a
humanidade - a ralé. Em todos os instantes do dia, demonstrou sua
própria excelência vis-à-vis a estultícia da massa, e anunciou,
finalmente, o juízo final crítico, proclamando estar iminente o dia em
que toda a humanidade decaída se reunirá diante dela e será dividida em grupos,
a cada um dos quais será entregue o respectivo testimoniu paupertatis (certificado
de pobreza). A Escola Critica tornou pública sua superioridade sobre todos os
sentimentos humanos e o mundo, acima do qual ela está sentada num trono em
sublime solidão, contente de ocasional mente deixar escapar dos lábios o riso
dos deuses do Olimpo. Após todas essas momices divertidas do idealismo (do
Jovem Hegelianismo) que está expirando sob a forma de crítica, a Escola Crítica
ainda nem insinuou até agora ser necessário examinar criticamente sua própria
fonte, a dialética de Hegel, nem deu qualquer indicação de sua
relação com a dialética de Feuerbach. Esse é um procedimento completamente
desprovido de senso crítico.
Feuerbaché a única pessoa que tem uma relação séria
e critica com a dialética de Hegel, efetuou descobrimentos verdadeiros
nesse campo e, acima de tudo, levou de vencida a velha filosofia. A grandeza do
feito de Feuerbach e a modesta simplicidade com que
apresenta sua obra ao mundo, contrastam incrivelmente com a conduta de outros:
(1) ter mostrado a
filosofia nada mais ser do que a religião trazida para o pensamento e
desenvolvida por este, de vendo ser igualmente condenada como outra forma e
modo de existência da alienação humana;
(2) ter lançado os
fundamentos do materialismo genuíno e da ciência positiva, ao
fazer da relação social de "homem com homem" o principio básico de
sua teoria;
(3) ter-se oposto à
negação da negação que alega ser o positivo absoluto um princípio
auto-suficiente, positivamente baseado em si mesmo.
Feuerbach explica a dialética de Hegel e, ao mesmo tempo, justifica a adoção
do fenômeno positivo, aquele que é perceptível e indubitável, como ponto de
partida, da seguinte maneira: Hegel principia pela alienação da substância
(logicamente, pelo infinito, pelo universal abstrato), pela abstração absoluta
e fixa; i. é, em linguagem comum, pela religião e pela teologia. Em segundo
lugar, cancela o infinito e postula o real, o perceptível, o finito e o
particular. (Filosofia, cancelamento da religião e da teologia.) Em terceiro
lugar, a seguir revoga o positivo e restabelece a abstração, o infinito.
(Restabelecimento da religião e da teologia.)
Destarte, Feuerbach concebe a negação da negação como
sendo apenas uma contradição dentro da própria filosofia, que afirma a
teologia (transcendência, etc.) após tê-la anulado, e assim a afirma em
oposição à filosofia.
Pois o postulado ou
auto-afirmação e auto-confirmação implícito na negação da negação é encarado
como um postulado ainda incerto, oprimido pelo seu contrário, duvidando de si
mesmo e por isso incompleto, não demonstrado por sua própria existência, e
implícito. (XIII) O postulado perceptualmente indubitável e alicerçado em si
mesmo, opõe-se-lhe diretamente.
Ao conceber a negação
da negação, sob o aspecto da relação positiva a ela inerente, como a única
verdadeiramente positiva, e sob o aspecto da relação negativa a ela inerente,
como o único ato verdadeiro, e que se confirma a si próprio, de todo o ser, Hegel descobriu simplesmente uma expressão abstrata,
lógica e especulativa do processo histórico, que ainda não é a verdadeira
história do homem como um dado sujeito, mas apenas a história do ato de
criação, da gênese do homem.
Explicaremos tanto a
forma abstrata desse processo quanto a diferença entre o processo como foi
ideado por Hegel e pela crítica moderna, e por Feuerbach em Das Wesen des Christentums;
ou melhor, a forma crítica desse processo, ainda tão pouco crítico em Hegel.
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