O ponto capital é o objeto da consciência nada
mais ser do que autoconsciência, o objeto ser apenas autoconsciência
objetificada, autoconsciência como um objeto. (Homem que postula =
autoconsciência.)
É necessário, pois, vencer o objeto da
consciência. A objetividade como tal é considerada apenas uma
relação humana alienada não correspondente à essência do homem, a
autoconsciência. A reapropriação da essência objetiva do homem, produzida como
algo alheio ao homem e determinado pela alienação, significa a revogação não só
da alienação mas também da objetividade; isto é, o homem é visto como um
ser não-objetivo, espiritual.
A processo de superação do objeto da consciência
é descrito por Hegel da seguinte maneira: o objeto não se
revela apenas como retornando ao Eu (segundo Hegel, essa é uma concepção unilateral do
movimento, considerando somente um aspecto). O homem e igualado ao eu. O Eu, no
entanto, é apenas o homem concebido abstratamente e produzido por
abstração. O homem é auto-referível. Seu olho, seu ouvido, etc., são auto-referíveis;
todas as suas faculdades possuem essa qualidade de auto-referência. É
inteiramente falso, todavia, dizer, por isso, "A autoconsciência
tem olhos, ouvidos, faculdades." A autoconsciência é antes uma qualidade
da natureza humana, do olho humano, etc.; a natureza humana não e uma qualidade
da (XXIV) autoconsciência.
O Eu, abstraído e determinado por si mesmo, é o
homem como um egoísta abstrato, egoísmo puramente abstrato
elevado ao plano do pensamento. (Voltaremos a esse ponto mais adiante.)
Para Hegel, a vida humana, o homem,
é equivalente a autoconsciência. Toda a alienação da vida humana é,
assim, nada mais que alienação da autoconsciência. A alienação da
autoconsciência não é vista como a expressão, refletida no conhecimento
e no pensamento, da verdadeira alienação da vida humana. Ao invés, a
alienação efetiva, que parece real, em sua mais íntima natureza
oculta (que é pela primeira vez desvendada pela filosofia) é apenas a existência
fenomenal da alienação da vida humana real, da autoconsciência. A ciência
que abrange isso é, por conseguinte, denominada Fenomenologia. Toda
reapropriação da vida objetiva alienada aparece, assim, como uma incorporação à
autoconsciência. A pessoa que se apodera do ser humano é apenas a
autoconsciência que se apodera do ser objetivo; a volta do objeto para dentro
do Eu, portanto, é a reapropriação do objeto.
Expressa de maneira mais lata, a revogação do
objeto da consciência significa: (1) que o objeto como tal se apresenta à
consciência como algo que desaparece; (2) que é a alienação da autoconsciência
que estabelece o característico de "coisa"; (3) que essa alienação
tem significado positivo assim como negativo; (4) que ela tem
esse significado não apenas para nós ou em si, mas também para a
própria autoconsciência; (5) que para a autoconsciência a negação do
objeto, sua revogação, tem significado positivo, ou a autoconsciência conhece
a nulidade do objeto porquanto ela se aliena a si mesma, pois nessa
alienação ela se estabelece como objeto ou, em prol da união indivisível de existir
por si mesma, estabelece o objeto como ela própria; (6) que, por outro
lado, esse outro "momento" está igualmente presente, a auto
consciência revogou e reabsorveu essa alienação objetivamente, e está, assim,
em casa em seu outro ser como tal; (7) que esse e o movimento da
consciência, e esta é, então, a totalidade de seus "momentos"; (8)
que, analogamente, a consciência deve ter-se relacionado com o objeto em todas
as suas determinações, e tê-lo concebido em função de cada uma delas. Essa
totalidade de determinações faz o objeto intrinsecamente, um ser espiritual,
e ele se torna assim, deveras, para a consciência, pela apreensão de cada uma
dessas determinações como o Eu, ou pelo que foi anteriormente chamado de
atitude espiritual para com elas.
ad (1) Que o objeto como tal se apresenta à
consciência como algo que desaparece, é a acima mencionada volta do objeto
para o Eu.
ad (2) A alienação da autoconsciência estabelece
o característico de "coisa". Porque o homem se iguala à
autoconsciência, seu ser objetivo alienado ou "coisa" e
equivalente à autoconsciência alienada, e essa alienação estabelece a situação
de "coisa". ("Coisa" é o que é um objeto para ele, e
um objeto para ele só é realmente aquilo que é um objeto essencial,
consequentemente essência objetiva dele mesmo. E como ela não é o homem
verdadeiro, nem sua natureza - o homem sendo natureza humana -
que se torna como tal um sujeito, mas apenas uma abstração do homem, a
autoconsciência, a "coisa" só pode ser autoconsciência alienada.)
É bem compreensível um ser natural, vivo, dotado de faculdades objetivas (i. é,
materiais) ter objetos naturais reais de seu ser, e igualmente sua
auto-alienação ser o estabelecimento de um mundo objetivo, real, mas sob a
forma de exterioridade, como um mundo que não pertence a, e domina, o
seu ser. Nada há de ininteligível ou de misterioso acerca disso. O inverso,
sim, seria misterioso. Mas, é igualmente claro que uma autoconsciência, i. é,
sua alienação, só pode estabelecer a situação de "coisa", i. é,
somente uma coisa abstrata, uma coisa criada pela abstração e não uma coisa
real. É claro (XXVI), ademais, que a situação de "coisa" carece
totalmente de independência, em ser, vis-à-vis, a autoconsciência; e um
mero construto estabelecido pela autoconsciência. E o que é estabelecido
não é confirmável por si mesmo; é a confirmação do ato de estabelecimento que,
por um instante, e só por um instante, fixa sua energia como produto e, aparentemente,
confere-lhe o papel de ser independente e real.
Quando o homem real, corpóreo, com os pés
firmemente plantados no chão, aspirando e expirando todas as forças da
natureza, postula suas faculdades objetivas reais, como resultado de sua
alienação, como objetos alienados, o postulador não é o sujeito desse
ato mas a subjetividade da faculdade objetiva cuja ação, pois, também
deve ser objetiva. Um ser objetivo age objetivamente, e não agiria
objetivamente se a objetividade não fizesse parte de seu ser essencial. Ele
cria e estabelece apenas objetos porque é estabelecido por objetos e
porque é fundamentalmente natural. No ato de estabelecer, não desce de
sua "atividade pura" para a criação de objetos; seu produto
objetivo simplesmente confirma sua atividade objetiva, sua
atividade como ser natural, objetivo.
Vemos aqui como o naturalismo ou humanismo coerente
se distingue tanto do idealismo como do materialismo e, ao mesmo tempo,
constitui a sua verdade unificadora. Vemos, também, como só o naturalismo está
em condições de compreender o processo da história mundial.
O homem é diretamente um ser natural.
Como tal, e como ser natural vivo, ele é, de um lado, dotado de poderes e
forças naturais, nele existentes como tendências e habilidades, como impulsos.
Por outro lado, como ser natural, dota dotado de corpo, sensível e objetivo,
ele é um ser sofredor, condicionado e limitado, como os animais e vegetais.
Os objetos de seus impulsos existem fora dele como objetos dele
independentes; sem embargo, são objetos das necessidades dele, objetos essenciais
indispensáveis ao exercício e a confirmação de suas faculdades. O fato de o
homem ser dotado de corpo, vivo, real, sensível e objetivo, com poderes
naturais, significa ter objetos reais e sensíveis como objetos de seu
ser, ou só poder expressar seu ser em objetos reais e sensíveis. Ser objetivo,
natural, sensível e, ao mesmo tempo, ter objeto, natureza e sentidos fora de si
mesmo, ou ser ele mesmo objeto, natureza e sentidos para um terceiro, é a mesma
coisa. A fome é uma necessidade natural; ela exige, portanto, uma
natureza a ela extrínseca, um objeto a ela extrínseco, a fim de ser
satisfeita e aplacada. A fome e a necessidade objetiva que um corpo tem de um objeto
existente fora dele e essencial para sua integração e a expressão de sua
natureza. O sol é um objeto, um objeto necessário e assegurador de vida
para a planta, tal como a planta é um objeto para o sol, uma expressão do
poder vivificador e dos poderes essenciais objetivos do sol.
Um ser que não tenha sua natureza fora de si mesmo
não é um ser natural e não compartilha da existência da natureza. Um ser
sem objeto fora de si mesmo não é um ser objetivo. Um ser que não seja, ele
próprio, o objeto para um terceiro ser, não possui ser para seu objeto,
i. é, não é relacionado objetivamente e seu ser não é objetivo.
(XXVII) Um ser não-objetivo é um não-ser.
Suponhamos um ser que não seja objeto por si mesmo nem tenha objeto. Em
primeiro lugar, um ser assim seria o único ser; nenhum outro existiria
fora dêle, e êle estaria sôzinho e solitário. Pois, desde que existam objetos
fora de mim, logo que eu não esteja só, sou um outro, uma outra
realidade com relação ao objeto exterior a mim. Para êsse terceiro objeto,
portanto, sou uma outra realidade, que não é, i. é, o objeto dele. Supor
um ser que não é objeto de outro, seria supor não existir ser objetivo nenhum.
Logo que tenho um objeto, êsse objeto tem a mim para objeto dêle. Um ser não-objetivo,
porém, é um ser irreal, insensível, meramente concebido; i. e, um ser
simplesmente imaginado, uma abstração. Ser sensorial, i. é, real, é ser
um objeto dos sentidos ou objeto sensorial e, pois, ter objetos sensoriais
fora de si mesmo, obje tos de suas próprias sensações. Ser sensível é sofrer
(expe rienciar).
O homem, como ser sensível objetivo, é um ser sofredor,
e como sente seu sofrimento, um ser apaixonado. A paixão é o esfôrço das
faculdades do homem para atingirem seu objetivo.
Contudo, o homem não é apenas um ser natural; êle é
um ser natural humano. Ele é um ser por si mesmo e, portanto, um ente-espécie;
como tal, tem de expressar-se e autenticar-se ao ser assim como ao pensar.
Consequentemente, os objetos humanos não são objetos naturais como se
apresentam diretamente, nem é o sentido humano, como é dado imediata
e objetivamente, sensibilidade e objetividade humanas. Nem a natureza
objetiva nem a subjetiva são apresentadas diretamente de forma adequada ao ser
humano. E como tudo o que é natural tem de ter uma origem, o homem
tem então seu processo de gênese, a História, que é para êle, entretanto, um
processo consciente e, portanto, conscientemente autotranscendente. (Voltaremos
a isso mais tarde.)
Em terceiro lugar, como êsse estabelecimento da
situação de "coisa" e em si mesmo so' mente uma aparência, um ato que
contradiz a natureza da atividade pura, tem de ser novamente anulado e a
situação de "coisa" tem de ser negada.
ad 3, 4, 5, 6. (3) Essa alienação da consciência não
tem só significado negativo, mas também positivo, e (4) tem êsse significado
positivo não apenas para nós ou em si mesma, mas para a própria
consciência. (5) Para a consciência a negação do objeto, ou sua anulação
de si mesmo por êsse meio, tem significado positivo; ela sabe da
nulidade do objeto pelo fato de alienar-se a si mesma, porque nesta alienação
ela se conhece como o objeto ou, em benefício da união indivisível do
ser-para-si-mesmo, conhece o objeto como êle próprio. (6) Por outro lado, êsse
outro "momento" está igualmente presente, em que a consciência
revogou e reabsorveu essa alienação e objetividade e está, assim, em casa em
seu outro ser como tal.
Continua...
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