Depois do jurista Ives Gandra Martins, que
afirmou que José Dirceu foi condenado sem provas, mais um conservador
de peso condenou a forma como foi conduzida a Ação Penal 470. Desta vez,
foi Claudio Lembo, ex-governador de São Paulo, que considerou o
julgamento medieval. Leia abaixo sua análise:
O mensalão e a democracia
Os valores culturais formam as nacionalidades. Indicam seus modos de
encarar o mundo e reconhecer seus iguais. Em cada sociedade eles se
apresentam de maneira singular.
Algumas nacionalidades tendem ao espírito guerreiro. Outras às artes.
Muitas atuam em duelos tribais. Umas poucas se dedicam à contemplação
do universo.
Os brasileiros recolhem muitos destes atributos e acrescentam um
traço característico. Todo brasileiro é técnico de futebol. É o que se
dizia até passado recente.
Agora, o Brasil profundo, aquele que foi forjado pelo bacharelismo,
veio à tona. Com o julgamento do mensalão, todos se voltaram a ser
rábulas, práticos da advocacia.
A audiência da televisão pública, destinada aos assuntos da Justiça,
superou a de todos os demais canais. As sessões do Supremo Tribunal
Federal foram assistidas, em silêncio, por multidões.
São os adeptos do novo espetáculo. O conflito de posições entre
personalidades relevantes do cenário público: os ministros da mais alta
Corte do Judiciário.
Há, neste fenônemo, aspectos a serem considerados e merecem reflexão.
Certamente, o acontecimento demonstra que a cidadania deseja saber como
atua seu Judiciário. Moroso e repleto de jogos de palavras.
Outro aspecto se concentra no próprio objeto da causa e em seus
personagens, os réus da ação. Quantos temas novos surgiram e como os
réus foram expostos sem qualquer reserva.
Alteraram-se visões jurisprudênciais remansosas e de longa maturação.
Não houve preservação da imagem de nenhum denunciado. Como nos antigos
juízos medievais, foram expostos à execração pública.
O silêncio a respeito foi unânime. O princípio da publicidade foi
levado ao extremo. Esta transparência permitiu, inclusive, a captação de
conflitos verbais entre magistrados.
A democracia se aperfeiçoa mediante o seu exercício continuo. O
julgamento do mensalão foi o mais exposto da História política nacional.
Foi bom e ao mesmo tempo preocupante.
Aprendeu-se a importância do bem viver e os danos pessoais – além das
penas privativas da liberdade – à imagem dos integrantes do rol de
réus. A lição foi amarga.
Toda a cidadania se manifestou a respeito do julgamento. Os meios de
comunicação nem sempre foram imparciais no acompanhamento do importante
episódio.
Alguns veículos aproveitaram a oportunidade para expor as suas
idiossincrasias com agressividade. Aqui, mais uma lição deste
julgamento. Seria oportuno um maior equilíbrio na informação.
Isto faria bem à democracia e aos autores do noticiário. Equilíbrio e
imparcialidade são essenciais para o desenvolvimento de uma boa prática
política.
Um ponto ainda a ser considerado. O comportamento dos próprios
ministros. Alguns se mostraram agressivamente contrários a determinadas
figuras em julgamento. A televisão capta o pensamento íntimo das
pessoas.
Houve também ministros que bravamente aplicaram a lei de forma
impessoal. Foram chamados de legalistas. Bom que assim seja. As
concepções contemporâneas do Direito, por vezes, fragilizam a segurança
jurídica.
Portou-se com destemor o Ministro Enrique Ricardo Lewandowski. Soube
suportar posições de confronto com altivez e respeito ao Direito.
Terminada sua missão de revisor, surgem as primeiras manifestações
favoráveis à sua atuação.
São muitas, pois, a lições recolhidas do julgamento do mensalão, em
sua primeira etapa. Os brasileiros, rábulas por ativismo, aguardam
ansiosos os novos capítulos.
Não haverá a mesma emoção no futuro. A democracia é exercício.
Aprendeu-se muito com as sessões do Supremo Tribunal Federal nestes
últimos seis meses, inclusive controlar as animosidades.
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