Após
Amado, o Brasil e a América Latina não eram mais somente um triângulo
de forma estranha no globo, mas sim algo que eu às vezes parecia
conhecer”, revela
Janina Litvinova
Meus pais assinavam uma revista chamada Literatura Estrangeira. Tenha
em mente que isso não era fácil, pois naquela época havia escassez de
quase tudo. Grossos e com capas brilhantes, os volumes da publicação
estavam por toda a casa e ninguém os escondia de mim.
Eu era uma leitora ávida: tudo, dos livros da nossa extensa coleção de casa, a livros da biblioteca e jornais, tudo eu caçava.
Eu dava uma “espiada” em todo tipo de publicação só para ver se
achava coisas interessantes. E em uma dessas revistas descobri Jorge
Amado.
Brasil? Isso era algo tão distante que chegava a ser quase surreal.
Claro, eu tive aulas de geografia na escola, mas eu não tinha certeza
nem sobre a língua que os brasileiros falavam. Era espanhol? “Não –
minha mãe me disse – é português”.
Mas era quase a mesma coisa, certo? “Na verdade não, há menos em comum do que russo e ucraniano”, completou minha mãe.
Mas o que existe lá? Florestas? O rio Amazonas? A estranha capital de
nome parecido ao do país e construída do zero? Definitivamente o
assunto merecia ser explorado.
Não posso dizer que as primeiras páginas me atraíram muito.
De alguma forma o estilo parecia estranho para mim. Mas a partir da metade do livro ele tinha me fisgado. Era Gabriela, Cravo e Canela.
A complexa relação entre vida real e mitos, talvez originários das
tradições indígenas, fortemente entrelaçados com sexo (algo para o qual
eu não estava preparada na época) faziam com que a história como um todo
fosse estranhamente viva. Vibrante, com uma cultura totalmente
diferente e única.
Agora me dou conta dos motivos pelos quais os censores soviéticos aprovavam Jorge Amado com tanta veemência.
Nenhum outro homem poderia ter satisfeito de melhor forma as
restrições ideológicas da época: um comunista, que tinha sofrido nas
mãos de opressores, e que chegou a viajar à União Soviética para receber
o Prêmio Stalin da Paz!
Então, por que sua prosa acabou se tornando tão popular entre dezenas
de milhares de intelectuais que eram incondicionalmente contrários a
qualquer coisa aprovada pelo Partido Comunista?
Na minha opinião, a resposta é simples: porque isso não importava.
Independentemente da visão política de Amado, ele foi um grande
escritor que conseguiu manter-se fiel aos seus ideais não importando os
sistemas políticos, ditadores e tendências populares na literatura.
Quando olho para seus livros, agora, desde O País do Carnaval até o último, me parece que Os Subterrâneos da Liberdade, tão apreciado na Rússia soviética, estava fora de sintonia, e não Gabriela.
Mas a paixão era a mesma. As maravilhosas personagens femininas
tridimensionais eram as mesmas. Eu provavelmente não conseguia me
identificar com elas, mas podia criar empatia, o que é provavelmente é
muito mais importante.
Mas o livro que me deixou verdadeiramente de cabeça para baixo foi Capitães da Areia.
Meu Deus, nós choramos, entre amigos, sobre os amantes trágicos.
Esse é, definitivamente, um livro ideal para qualquer menina
adolescente, cuja crença secreta é, sem dúvida, que a maior glória que
qualquer um pode atingir é morrer por amor!
Os livros de Jorge Amado são tudo menos sentimentais, mas todo mundo extrai da literatura o que é mais próximo do seu coração.
Após Amado, o Brasil e a América Latina não eram mais somente um
triângulo de forma estranha no globo, mas sim algo que eu às vezes
parecia conhecer.
Ele não foi o único que mudou completamente minha percepção deste lugar longínquo.
Houve depois Cem Anos de Solidão, mas eu não acho que teria
sido capaz de apreciar as obras de Gabriel García Márquez se minha mente
já não tivesse sido preparada.
Jorge Amado abriu esta porta, e Garcia Márquez a escancarou com um maravilhoso confete de paixões, mitos e realismo.
“Choveu por quatro anos, 11 meses e dois dias”… Olá, verão britânico!
Pragmatismo Político
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