Translate

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Líbia: Os perseguidos da revolução


Cerca de 80 mil pessoas abandonaram as suas casas. Entre eles há muitos líbios perseguidos por pertencerem a etnias que foram leais ao regime de Kadhafi e outros que fugiram devido aos combates entre as diferentes milícias. Encontram-se todos em cerca de 30 centros de detenção e acampamentos para refugiados. Os recursos dos centros são limitados e o Acnur está preocupado com os abusos cometidos contra os refugiados. Por Mel Frykberg, da IPS

Pessoas deslocadas internamente num acampamento em Kufrah, no sul da Líbia – 

 – Grávidas que sofrem aborto espontâneo devido a maus tratos, subsaarianos detidos sem água nem comida, celas superlotadas por vítimas de uma justiça arbitrária, somalis repatriados à força. Esta é a realidade de aproximadamente 80 mil pessoas que abandonaram as suas casas na Líbia depois da revolução. Entre estes há muitos líbios perseguidos por pertencerem a etnias que foram leais ao antigo regime de Muammar Kadhafi (1969-2011) e outros que fugiram das suas localidades devido aos combates entre as diferentes milícias que existem no país.
Também há imigrantes e pessoas procedentes de países vizinhos que pediram asilo. Encontram-se todos em cerca de 30 centros de detenção e acampamentos para refugiados administrados pelo governo, milícias, exército e pela polícia. Muitos desses centros recebem ajuda de organizações não governamentais líbias e internacionais, mas os seus recursos continuam a ser limitados.
“Desde maio, cem pessoas morreram ao tentarem ir para a Europa em botes sobrecarregados e inseguros. Em cada mês há milhares de refugiados que fazem essa perigosa viagem porque estão desesperados”, disse à IPS o encarregado de programas de proteção na Líbia do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur), Samuel Cheung. “Os mais vulneráveis nesta situação são as mulheres grávidas e os homens com ferimentos à bala e que não podem receber cuidados médicos adequados”, afirmou.
Cerca de 20 mil dos aproximadamente 35 mil refugiados tawerghas, líbios de raça negra e descendentes de escravos que habitavam a localidade do mesmo nome, muitos dos quais apoiavam Khadafi, estão nos acampamentos de refugiados de Tripoli e Bengasi (nordeste). Tawergha foi utilizada por Khadafi como base para atacar o reduto rebelde de Misurata (noroeste), a apenas 38 quilómetros de distância.
Nafisa Muhammad, de 31 anos, agora vive num quarto sufocante nm um prédio pré-fabricado na estrada que leva ao aeroporto de Tripoli. Ela é secretária na Universidade de Misurata e tem o “luxo” de contar com uma casa própria, ao contrário da maioria das 400 famílias tawerghas no acampamento para refugiados de Fillah. “O meu filho de um ano morreu durante os combates em Misurata entre os rebeldes e os tawerghas partidários de Khadafi”, contou Muhammad à IPS. “Dois dos meus irmãos morreram durante a guerra, um em combate e o outro, civil, foi sequestrado no aeroporto de Bengasi por milicianos de Misurata e apanhou até morrer num centro de detenção”, acrescentou.
O primo de Muhammad morreu quando ele e outros combatentes leais a Khadafi foram colocados num camião ao qual atearam fogo. Os rebeldes também enviaram vídeos dos corpos mutilados para as suas famílias. Isto foi uma represália pelas supostas atrocidades cometidas por leais a Khadafi contra os civis de Misurata durante o cerco à cidade.
Hannah Jaballah, de 25 anos, vizinha de Muhammad, fugiu, com o seu marido e as duas filhas pequenas, de Misurata durante os combates. As crianças agora passam o tempo a brincar no lixo que cerca os dormitórios pré-fabricados no acampamento de Fillah. Há um mês o seu marido foi sequestrado por milicianos de Misurata no centro de Tripoli. “Visitei o meu marido no mês passado num centro de detenção de Misurata. Tinha um ombro partido e tinha apanhado. Não tenho ideia de quando o soltarão”, disse Jaballah à IPS.
Muftah (não deu o sobrenome por segurança) é o coordenador do acampamento de Fillah. Ele também fugiu de Tawergha durante a guerra e agora teme deixar o acampamento. Os milicianos fazem ataques regulares ao lugar e sequestram homens jovens, muitos dos quais desaparecem. “Embora tenhamos liberdade para deixar os acampamentos, a maioria dos homens jovens não o faz. Dependemos das mulheres para conseguir comida e outros produtos essenciais”, explicou Muftah à IPS.
Por sua vez, Cheung disse que “entre os refugiados da Líbia também há pessoas que fugiram das suas povoações e cidades de origem devido aos contínuos combates entre milícias rivais. As raízes dos confrontos às vezes remontam a tensões durante a era de Khadafi, com histórias de violência sobre as disputas de terras entre tribos e que agora revivem tensões após a guerra”.
Enquanto isso, o Acnur está preocupado pelos abusos cometidos contra refugiados e pela falta do devido processo. “Os refugiados chegaram à Líbia a fugir da perseguição nos seus próprios países, mas muitos estão a ser repatriados à força, como os somalis, que poderiam morrer ao regressarem” ao seu país, alertou Cheung. “Outros vieram para a Líbia por motivos económicos, já que este país foi tradicionalmente fonte de emprego para muitos estrangeiros”, acrescentou.
As condições em que estes refugiados e deslocados internos se encontram nos centros e acampamentos também preocupa o Acnur. “Muitas dessas condições estão abaixo dos padrões internacionais, e esta situação se exacerbou pela falta de financiamento, que priva esses centros dos recursos necessários”, detalhou Cheung.
Artigo publicado e traduzido por Envolverde/IPS

ESQUERDA.Net

Um comentário: