Um documento de 154 páginas em poder da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do Cachoeira detalha por meio de dezenas de diálogos a intricada relação do diretor da sucursal da revista Veja em Brasília, Policarpo Júnior, com o contraventor Carlos Cachoeira e sua rede de “espionagem”. O material também revela um vínculo estreito entre o conteúdo das escutas telefônicas feitas pela Polícia Federal (PF) e o teor das reportagens publicadas pela revista.
Nos diálogos, Cachoeira e pessoas de sua confiança – entre elas, o ex-senador Demóstenes Torres (ex-DEM; ex-PFL) – aparecem em conversas diretas com Policarpo ou em diálogos que fazem referência a ele para acertar matérias, combinar entrevistas e, até mesmo, encomendar “grampos” telefônicos.
Mais que demonstrar uma relação profissional entre jornalista e “fonte”, as escutas evidenciam uma relação comprometedora de Policarpo Júnior com agentes do crime. Tudo contribui para provar que a intimidade entre o jornalista (muitas vezes, tratado como “Poli”) e o contraventor Carlos Cachoeira, embora forjadas em nome da busca de informação, escondiam práticas evidentemente criminosas.
No conjunto de gravações, está materializada a decisão de Policarpo de utilizar meios escusos para conseguir, a qualquer custo, seus “furos” de reportagem.
No dia 26 de julho do ano passado, por exemplo, ele fala com Cachoeira para pedir um levantamento de informações sobre o deputado federal Jovair Arantes (PTB-GO). À época, a sucursal da Veja em Brasília preparava matéria sobre a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), que tinha na sua direção pessoas ligadas ao partido de Jovair.
Dois dias depois dessa primeira ligação, Policarpo combina por telefone um encontro com Jairo Martins de Souza, apontado pela PF como um dos “arapongas” de Cachoeira, responsável por municiar a imprensa com informações que favoreciam a organização criminosa (leia Diálogo 1). No dia 3 de agosto, a revista Veja publica matéria que faz referência à Conab e a Jovair.
Em outro momento, no início daquele mesmo mês, uma conversa reveladora entre Jairo e Cachoeira demonstra a relação próxima do grupo com o jornalista Policarpo Júnior. Cachoeira reclama com Jairo por ele haver passado informações diretamente ao diretor da Veja, sem ter exigido dele contrapartida alguma.
“É o seguinte, por exemplo, agora eu dei todas as informações que ele precisava desse caso aí, por quê? É uma troca com ele, tem que ter uma troca, não pode dar as coisas pra ele igual você sai correndo pra fazer favor”, orienta Cachoeira. Mais adiante completa: “Jairo, põe isso na tua cabeça, esse cara não vai fazer pra você nunca isoladamente, a gente tem que trabalhar com ele em grupo. Os grandes furos do Policarpo fomos nós que demos”.
Outra sequência de escutas flagradas pela PF no fim de junho do ano passado revela o passo-a-passo da construção de nova reportagem. Em uma das conversas, no dia 29 de junho, Carlos Cachoeira diz a Policarpo que tem “informação quentíssima” e orienta que ele se encontre com um “amigo”, que seria Cláudio Abreu, diretor da Construtora Delta no Centro-Oeste.
Numa segunda conversa no mesmo dia, desta vez, entre Cláudio e Cachoeira, o empresário conta que esteve com Policarpo e que passou a ele informações sobre uma reunião em Curitiba para discutir a licitação da BR-280.
Cláudio revela que, além de já haver decidido não participar do encontro em Curitiba, deu a Policarpo orientações para ele se infiltrar na reunião. No dia seguinte, Cachoeira fala com Demóstenes por telefone e informa ao então senador qual seria o próximo “furo” da Veja (leia Diálogo 2). Menos de uma semana depois, as páginas da revista estampam reportagem com as informações repassadas pelo grupo, em uma denúncia que tem como foco o Ministério dos Transportes.
As investigações da PF deixam claro que Policarpo dispunha de uma rede bem estruturada de informantes, com hierarquia igualmente bem definida, para municiá-lo com dados para suas reportagens. Obviamente, somente eram repassadas as informações que interessavam ao grupo, com a intenção, na maioria das vezes, de minar adversários, demonstrando uma relação essencialmente promíscua entre “fonte” e jornalista.
Diálogo 1 (Policarpo e Jairo)
- Policarpo: Tá saindo agora? É que aquele lugar deve tá fechado já.
- Jairo: É?
- Policarpo: Eu acho que sim.
- Jairo: Então fala outro local melhor pra você aí.
- Policarpo: Hã?
- Jairo: Fala outro lugar melhor pra você rápido.
- Policarpo: Então vamos ali, ali é rápido, agora ainda não tem trânsito, se bem que para voltar de lá, eu vou demorar umas quatro horas para chegar aqui em casa.
- Jairo: No park?
- Policarpo: É.
Diálogo 2 (Cachoeira e Demóstenes)
- Cachoeira: Outra coisa, é o seguinte: passei um trem pro Policarpo aí hoje que ele vai bamburrar, viu?
- Demóstenes: Bom demais, que que é?
- Cachoeira: Só guarde pra nós aí, que ele vai infiltrar lá, vai ter uma reunião da ANEOR, do sindicato dos empreiteiros amanhã, vai tá mais de 70 empresas lá, e eles distribuindo obra e ele vai infiltrar lá dentro.
- Demóstenes: Show de bola, show de bola. Aí vai ser um show mesmo, aí é supercraque, hem, aí vai ser de arrebentar.
Vermelho
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