Físicos
do Centro Europeu de Pesquisas Nucleares (Cern, na sigla em francês)
detectaram, no dia 4 de julho, uma partícula subatômica que se comporta
como o bóson de Higgs. Para entendermos o que tal descoberta – se
confirmada – significa, precisamos, primeiramente, entender um pouco da
concepção científica acerca da natureza que adotamos atualmente.
Espaço, tempo, matéria… tudo teve origem no Big Bang,
uma explosão incomensuravelmente enorme que aconteceu há 13,7 bilhões
de anos. O Universo era, então, extremamente quente e denso, mas apenas
alguns momentos depois, quando começou a esfriar, as condições eram
perfeitas para dar lugar aos blocos de construção da matéria – em
particular, os quarks e os elétrons de que todos somos feitos.
Alguns milionésimos de segundos depois,
os quarks se agregaram a fim de produzir prótons e neutrons, que, por
sua vez, foram agrupados em núcleos após três minutos. Então, como o
Universo continuou a se expandir e esfriar, as coisas começaram a
acontecer mais lentamente. Levou 380.000 anos para que os elétrons
estivessem presos em órbitas ao redor do núcleo, formando os primeiros
átomos. Estes eram principalmente hélio e hidrogênio, que são os
elementos mais abundantes no Universo. Após mais 1,6 milhão de anos, a
gravidade começou a assumir o controle – por exemplo, nuvens de gás
começaram a formar estrelas e galáxias. Desde então, os átomos mais
pesados, como carbono, oxigêio e ferro, de que todos somos feitos, têm
sido continuamente “cozinhados” no coração das estrelas, até que essas
cheguem a um final espetacular, como uma supernova[1].
As teorias e descobertas de milhares de
físicos ao longo do século passado resultaram em uma visão notável
acerca da estrutura fundamental da matéria: tudo o que é encontrado no
Universo origina-se de 12 blocos básicos de construção chamados de
partículas fundamentais, regidos por quatro interações fundamentais.
Nossa melhor compreensão de como essas 12 partículas e três das
interações estão relacionadas umas com as outras é enquadrada no Modelo
Padrão de partículas e interações. Desenvolvido na década de 1970, o
Modelo Padrão se estabeleceu como uma teoria física bem testada, e
conseguiu explicar uma série de resultados através de muitas
experiências de diversos físicos.
O Big Bang
Também na década de 1970, os físicos
perceberam que há laços muito estreitos entre duas das quatro interações
fundamentais – a saber, a interação fraca e a interação
eletromagnética. As duas interações podem ser descritas a partir da
mesma teoria, que constitui a base do Modelo Padrão. Tal “unificação”
implica que eletricidade, magnetismo, luz e alguns tipos de
radioatividade sejam manifestações de uma única interação chamada
interação eletrofraca. Mas, para que essa unificação seja coerente
matematicamente, é necessário que as partículas associadas a essas
interações não tenham massa. Sabemos por experiências que isso não é
verdade, daí os físicos Peter Higgs, Robert e François Englert Brout
chegaram a uma solução para resolver este enigma. Eles sugeriram que
todas as partículas não tinham massa imediatamente após o Big Bang.
Como o Universo esfriou e a temperatura caiu abaixo de um valor
crítico, um campo de força invisível chamado de “campo de Higgs” foi
formado em conjunto com o associado “bóson de Higgs”. O campo prevalece
em todo o Cosmos: qualquer partícula que interage com tal campo ganha
massa através do bóson de Higgs. Quanto mais elas interagem, mais
pesadas tornam-se, enquanto que as partículas que não interagem são
deixadas absolutamente sem massa. Esta ideia forneceu uma solução
satisfatória e ajustou-se bem com as teorias estabelecidas e fenômenos. O
problema é que ninguém jamais observou o bóson de Higgs em um
experimento, para confirmar a teoria.
Marx e Engels, no século 19,
desenvolveram um método filosófico de interpretação do objeto estudado a
partir da dialética de Hegel e do materialismo de Feuerbach. Esse
método dialético converteu-se no método dialético de conhecimento da
natureza, consistente em considerar os fenômenos da natureza como
sujeitos condicionados perpetuamente a mudanças e o desenvolvimento da
própria natureza como processo equivalente ao desenvolvimento das
contradições existentes nela mesma. “Toda a natureza, desde suas
partículas mais minúsculas até seus corpos mais gigantescos, desde o
grão de areia até o Sol, desde o protozoário até o homem, se acha em
estado perene de nascimento e morte, em fluxo constante, sujeita a
incessantes mudanças e movimentos”[2].
A História da Ciência demonstra claramente que a maneira de entender a
natureza não é estática. Logo, através da gênese e morte de fenômenos e
teorias, percebemos que processos de desenvolvimento são progressivos,
transitando do inferior ao superior.
O fato de tal partícula existir torna
verídico o Modelo Padrão, uma vez que essa partícula seria a responsável
pela massa no Universo. Porém, há partículas, como já dissemos, que não
possuem massa, ou seja, há matéria que não possui massa[3].
Ora, como poderia uma partícula, que é responsável apenas por fornecer
massa a outras partículas, ser responsável também por aquelas que não
possuem massa? Tal argumento destrói qualquer tentativa de explicar,
metafisicamente, a origem da matéria a partir do bóson de Higgs.
Trata-se, pois, de uma constatação do materialismo. Da mesma forma, o
fato de o bóson de Higgs não existir garante a mutabilidade do
desenvolvimento do conhecimento da natureza, pois isso deixará o campo
aberto para os físicos desenvolverem uma teoria completamente nova para
explicar a origem da massa das partículas. Logo, caso o bóson de Higgs
não seja encontrado, veremos de perto a dialética materialista, uma vez
que os paradigmas seriam destroçados e a nossa compreensão da natureza
teria que ser repensada.
Portanto, no que tange à descoberta (ou
não) do bóson de Higgs, podemos afirmar, com certeza, que se trata da
constatação de que o materialismo dialético é o método mais adequado
para entendermos os princípios fundamentais da natureza, pois, como
disse Lênin, “o mundo forma uma unidade por si mesmo e não foi criado
por Deus nem por nenhum homem, mas foi, é e será eternamente um fogo que
se acende e se apaga de acordo com as leis [da dialética]”[4].
Diogo Belloni,
estudante de astronomia na UFRJ e militante da UJR
estudante de astronomia na UFRJ e militante da UJR
¹ENGELS, F. Dialética da Natureza.
²Matéria é tudo que existe no Universo.
³LÊNIN, V. I. Cadernos Filosóficos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário