Por Leandro Fortes
Por uma dessas coincidências do destino, coube ao advogado Dino Miraglia Filho (entrevista à pág. 36 da CartaCapital desta semana) se apresentar ao Supremo Tribunal Federal, em Brasília, na manhã da quinta-feira 2, justamente quando os 11 ministros da mais alta corte estavam reunidos para iniciar o julgamento do chamado “mensalão”. Miraglia estava lá por causa de outro escândalo praticamente idêntico nos métodos e absolutamente igual na fonte de abastecimento de recursos: o publicitário Marcos Valério de Souza.
Miraglia havia embarcado de Belo Horizonte no dia anterior para
entregar ao ministro Joaquim Barbosa o original da lista do valerioduto
mineiro, ou melhor, tucano, um documento de 27 páginas com o registro
contábil, registrado em cartório, de 104,3 milhões de reais movimentados
por meio de caixa 2. Essa é a quantia, segundo o documento, gasta na
fracassada campanha à reeleição do ex-governador e atual deputado
Eduardo Azeredo, do PSDB, em 1998.
Publicada na penúltima edição de CartaCapital, a lista
inclui nomes de empresários, políticos, juízes, jornalistas e
autoridades, quase todos tucanos, registrados no documento assinado por
Marcos Valério, um dos principais réus do mensalão do PT. Também é do
publicitário a assinatura de um documento de apresentação da lista, no
qual ele garante ter repassado, apenas a Azeredo, 4,5 milhões de reais
para a campanha.
Entre os beneficiários aparece o ministro do STF
Gilmar Mendes. Por um erro de edição, o trecho no qual o nome de Mendes é
citado na lista acabou suprimido da edição impressa da revista. Embora
esse trecho em destaque, bem como a íntegra dos documentos, esteja disponível em nosso site desde a sexta-feira 27.
Novos documentos, todos com firmas reconhecidas em cartório, revelados agora por CartaCapital,
reafirmam a existência da transação. Um deles é uma “Declaração de
Desembolso” assinada por Souza em 28 de março de 1999. Nela, o
publicitário declara que as empresas SMP&B Comunicação e DNA
Propaganda, principais escoadouros de dinheiro do chamado “valerioduto”,
destinaram a Azeredo 4,5 milhões de reais em 13 de outubro de 1998. A
intermediação do pagamento, segundo o documento, foi feita por Carlos
Mourão, tesoureiro da campanha do ex-governador de Minas Gerais.
A declaração do publicitário discrimina minuciosamente a origem dos
4,5 milhões de reais: Banco Bemge (350 mil reais), Cemig (estatal de
energia, 500 mil reais), Comig (estatal de infraestrutura, 250 mil
reais), construtora Andrade Gutierrez (500 mil reais), Construtora ARG
(900 mil reais), Copasa (estatal de saneamento, 550 mil reais), Banco
Credireal (350 mil reais), Loteria Mineira (estatal de loterias, 300 mil
reais) e Banco Rural (800 mil reais).
O outro documento é um recibo assinado por Azeredo, também em 13 de
outubro de 1998, referente aos 4,5 milhões de reais, “para saldar
compromissos diversos”. O tesoureiro Mourão é apresentado como
intermediador do pagamento. Todas as assinaturas foram confirmadas por
cartórios de Belo Horizonte.
Logo após a divulgação da lista, Marcos Valério, por meio de seu
advogado, apressou-se em afirmar a falsidade do documento. No mesmo
caminho seguiram Azeredo e Mendes, que teria recebido 185 mil reais. A
negativa do publicitário era mais do que esperada. Réu do processo do
mensalão, ele não pode assumir a responsabilidade pela administração de
outro esquema criminoso. O caso de Minas Gerais também está no STF, mas
somente para os envolvidos com direito a foro privilegiado, Azeredo e o
senador Clésio Andrade (PMDB-MG). Os demais serão julgados pela Justiça
comum mineira.
A reação de Mendes foi a de anunciar a intenção de processar (mais
uma vez) CartaCapital. Por meio de acólitos na mídia a serviço da
desinformação e da trapaça, tentou desqualificar a lista ao alegar que a
sigla “AGU” (Advocacia-Geral da União) colocada ao lado do nome dele no
documento não faz sentido, porque, em 1998, trabalhava na Subchefia
para Assuntos Jurídicos da Casa Civil no governo Fernando Henrique
Cardoso. Ele só se tornaria advogado-geral da União em 2000, nomeado por
FHC. Ocorre que a referida subchefia é uma unidade atrelada à AGU,
conforme demonstra o site oficial do órgão, na internet.
A argumentação de Azeredo é ainda mais frágil. Em nota enviada à
revista, o deputado afirma que a lista se assemelha “a outras
comprovadamente falsas”. Acusa, com o cuidado de não citar o nome, o
lobista Nilton Monteiro de ser o mentor da denúncia. E para
desqualificar o denunciante, informa que Monteiro esteve preso por
falsificação “até bem pouco tempo atrás”.
Para azar de Azeredo, justo na semana em que a lista
veio à luz, a procuradora da República no Rio de Janeiro, Andrea Bayão
Ferreira, denunciou o ex-diretor de Planejamento de Furnas Centrais
Elétricas Dimas Fabiano Toledo por participação, em parceria com um
grupo de empresários e políticos, no esquema de arrecadação ilegal
exposto na chamada Lista de Furnas. Divulgada em 2006, a lista assinada
por Toledo e por Monteiro foi o primeiro documento a revelar os esquemas
de caixa 2 do PSDB montados durante o governo FHC, particularmente no
ano eleitoral de 2002.
A denúncia do MPF, revelada pelo jornalista Amaury Ribeiro Jr. no diário mineiro Hoje em Dia,
reúne documentos da Polícia Federal e da Receita Federal. Entre eles, o
resultado da perícia feita pela PF em 2006 que atestou a veracidade da
lista. O caso será julgado pela Vara da Fazenda do Rio de Janeiro.
A novidade sobre a Lista de Furnas derrubou boa parte da argumentação
de Azeredo e do PSDB sobre a similaridade da denúncia de Miraglia e as
tais “listas comprovadamente falsas”. Além disso, neutralizou a
tentativa de desqualificar a informação a partir da participação de
Monteiro na história. O lobista foi figura fundamental nos esquemas
tucanos de arrecadação em Minas, mas caiu em desgraça quando começou a
cobrar as faturas, muitas das quais mantém guardadas, da campanha
eleitoral de 1998.
Monteiro foi de fato preso em 2006, durante a investigação sobre a
veracidade da Lista de Furnas, mas acabou solto quando saiu o laudo da
PF. Também chegou a ser detido sob a acusação de intimidar uma
testemunha, Gilmar Adriano Corrêa, em 2005, mas acabou liberado em
seguida. O próprio Corrêa foi à Polícia Civil informar que jamais havia
sido procurado pelo lobista. Essas ações contra Monteiro podem,
inclusive, ter sido armadas pelo grupo de Azeredo, segundo afirma um
novo documento entregue por Monteiro a Miraglia (o advogado assumiu a
defesa do lobista faz 15 dias).
Trata-se de um longo depoimento, registrado em 18 páginas, do
advogado Joaquim Egler Filho ao delegado João Octacílio Silva Neto, da
Divisão de Operações Especiais da Polícia Civil de Minas, em 1º de março
de 2010. Egler Filho foi advogado de Monteiro em 2001, mas os dois se
desentenderam por causa de dinheiro. O advogado entrou com uma ação de
cobrança contra Monteiro na 1ª Vara Cível de BH em 7 de março de
2002. Ambos iniciaram uma guerra de acusações, sobretudo em relação a
contratos de pagamento de honorários e notas promissórias.
Egler Filho havia procurado a polícia mineira, em 24
de janeiro de 2008, para fazer uma série de acusações a políticos
mineiros envolvidos em esquemas de financiamento de caixa 2, entre eles
Azeredo. Naquele mesmo ano, segundo contou ao delegado Silva Neto, foi
obrigado por Mourão a negar tudo que havia dito. Ao depor novamente em
2010, não só reiterou as acusações como fez outras. Informou, por
exemplo, ter sido Mourão o responsável pela armação contra Monteiro no
caso da falsa denúncia de intimidação à testemunha em 2005.
No depoimento, disse ter participado de uma reunião agendada por
Azeredo com a juíza Rosimere das Graças do Couto, da Vara de Inquéritos
Policiais de Belo Horizonte, para tratar de uma estratégia para acelerar
os inquéritos policiais em que Monteiro é réu e, assim, colocá-lo na
cadeia. Todo esse ódio pelo lobista, disse ao delegado, vem da percepção
de que a Lista de Furnas, divulgada em 2006 em meio à crise do
mensalão, teria impedido os tucanos de levar adiante a estratégia de
pedir o impeachment do ex-presidente Lula.
Carta Capital
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