A sorte incrível de Roberto Jefferson é que a grande mídia não fez qualquer esforço para rastrear o destino do dinheiro que, confessadamente, recebeu. Se isso tivesse ocorrido, cairia por terra, por falta de credibilidade do autor, o único testemunho verbal de que José Dirceu teria chefiado uma suposta quadrilha para comprar votos de parlamentares. Cairiam por terra, juntas, as teses do “mensalão” e da utilização de dinheiro público para o esquema.
J. Carlos de Assis (*)
Roberto Jefferson é um sujeito de sorte.
Apanhado em flagrante de corrupção no caso dos Correios, encontrou na
grande mídia e na opinião pública por ela influenciada a tribuna
conveniente para encobrir o próprio delito através de ataques contra as
mais destacadas personalidades do Governo Lula, imediatamente abaixo do
próprio Presidente. Sim, porque Jefferson, notável manipulador, sabia
que não adiantava atirar para baixo. Tinha que visar em cima pois do
contrário não haveria interesse da mídia e da opinião pública.
Ele sabia, assim, que a grande mídia correria para lhe dar cobertura. Afinal, desde que o jornalismo investigativo no Brasil, muito arriscado no tempo da ditadura, se tornou jornalismo da calúnia impune, denunciar escândalos, reais ou imaginários, se tornou o caminho quase único para recuperar a clientela perdida para a Internet. Nesse jogo atira-se na lama a credibilidade de todas as instituições da República, disseminando a ideia de que a corrupção é sistêmica, generalizada e impune – exceto a corrupção da própria imprensa.
Pegar para Cristo um “peixe” grande como José Dirceu, junto com outros notáveis do PT, é como atirar cristãos aos leões do Coliseu: a própria grande mídia se encarrega de preparar o gosto do público para o espetáculo. As forças articuladas com esse propósito são esmagadoras. A mídia parcial não raro inventa a denúncia, divulga-a sem crítica, investiga superficialmente, acusa e julga. Na medida em que seu julgamento não tem peso institucional, joga todo o seu poder ideológico para influir na decisão dos juízes, alegando que devem levar em conta o clamor da opinião pública que ela própria manipulou.
Sorte de Roberto Jefferson, porque, no meio da algaravia suscitada por sua denúncia “bomba”, poucos, e ninguém da grande mídia, pararam para perguntar o que fez com os R$ 4 milhões que confessadamente recebeu do PT. Se os embolsou, como é provável, traiu seus próprios companheiros de partido. E foi provavelmente para compensar de alguma forma os companheiros que fez uma tentativa desesperada de receber mais. A explosão do escândalo dos Correios – este, sim, real -, expondo negociatas sob sua influência explícita na direção da estatal, deu-lhe o pretexto para colocar fogo no circo, depois de criar o circo.
A sorte incrível de Roberto Jefferson é que a grande mídia não fez qualquer esforço para rastrear o destino do dinheiro que
confessadamente recebeu. Se isso tivesse ocorrido, cairia por terra, por falta de credibilidade do autor, o único testemunho verbal de que José Dirceu teria chefiado uma suposta quadrilha para comprar votos de parlamentares. Cairiam por terra, juntas, as teses do “mensalão” – esta posteriormente desacreditada pelo próprio Jefferson, diante da evidência de que não poderia ser provada – e da utilização de dinheiro público para o esquema.
Restaria por fim o único e grande pecado, não exatamente crime, de Dirceu: ter feito negócios políticos com Jefferson, eventualmente pensando em política, quando para Jefferson o importante são os negócios - especialmente captação de dinheiro através de diretorias de estatais, como ele próprio reconheceu, sem nenhum protesto moral da grande mídia.
A sorte de Roberto Jefferson vai além. Diante da exposição pública das peças de acusação e de defesa, ficou muito claro que o Procurador Geral da República, o atual e o antecessor, montou um teatro fictício, baseado muito mais na retórica do que em provas. Para sorte de Jefferson, a grande mídia – falo sobretudo da televisão – foi forçada a acentuar o enredo fantasioso com depoimentos de jornalistas e advogados de descarada parcialidade, talvez como forma de justificar, a cada passo do julgamento, a parcialidade inicial com a cobertura exagerada e teatral da acusação.
Não é uma distorção apenas de texto. Os gestos também falam. O Procurador é sempre apresentado na tevê como um exemplo de distinção, cada pedaço de sua denúncia é repetido com ares de verdade definitiva, a expressão do olhar do apresentador quando a ele se refere é grave.
Quando se trata da defesa, o comentarista fala com um esgar de incredulidade, a expressão maliciosa, às vezes uma piscadela para insinuar mentiras do advogado. Há parcialidade também na divisão de tempo: o da defesa é frequentemente invadido pela fala do Procurador como se fosse uma contestação em tempo real dela própria.
O teste definitivo da sorte de Roberto Jefferson vem agora. Veremos como se comportará o Supremo diante da suposta pressão da opinião pública, o único elemento que resta para uma condenação midiática. Um notável e honrado ex-ministro do Supremo, Sepúlveda Pertence, disse-me uma vez, a propósito de julgamentos de crimes financeiros, que os ministros são vítimas de ignorância específica. Este, contudo, não é o caso. Não estamos diante de acusação de crimes financeiros, exceto na parte claramente descaracterizada como crime do Visanet. Os ministros farão história. Honrarão sua biografia, ou honrarão a biografia de Roberto Jefferson - o qual, nessa hipótese, confirmará para sempre a sua boa sorte.
(*) Economista, professor de Economia Internacional da UEPB, autor, entre outros livros, do recém-lançado “A Razão de Deus”, pela Civilização Brasileira. Esta coluna sai também nos sites Rumos do Brasil e Brasilianas, e, às terças, no jornal carioca Monitor Mercantil.
Ele sabia, assim, que a grande mídia correria para lhe dar cobertura. Afinal, desde que o jornalismo investigativo no Brasil, muito arriscado no tempo da ditadura, se tornou jornalismo da calúnia impune, denunciar escândalos, reais ou imaginários, se tornou o caminho quase único para recuperar a clientela perdida para a Internet. Nesse jogo atira-se na lama a credibilidade de todas as instituições da República, disseminando a ideia de que a corrupção é sistêmica, generalizada e impune – exceto a corrupção da própria imprensa.
Pegar para Cristo um “peixe” grande como José Dirceu, junto com outros notáveis do PT, é como atirar cristãos aos leões do Coliseu: a própria grande mídia se encarrega de preparar o gosto do público para o espetáculo. As forças articuladas com esse propósito são esmagadoras. A mídia parcial não raro inventa a denúncia, divulga-a sem crítica, investiga superficialmente, acusa e julga. Na medida em que seu julgamento não tem peso institucional, joga todo o seu poder ideológico para influir na decisão dos juízes, alegando que devem levar em conta o clamor da opinião pública que ela própria manipulou.
Sorte de Roberto Jefferson, porque, no meio da algaravia suscitada por sua denúncia “bomba”, poucos, e ninguém da grande mídia, pararam para perguntar o que fez com os R$ 4 milhões que confessadamente recebeu do PT. Se os embolsou, como é provável, traiu seus próprios companheiros de partido. E foi provavelmente para compensar de alguma forma os companheiros que fez uma tentativa desesperada de receber mais. A explosão do escândalo dos Correios – este, sim, real -, expondo negociatas sob sua influência explícita na direção da estatal, deu-lhe o pretexto para colocar fogo no circo, depois de criar o circo.
A sorte incrível de Roberto Jefferson é que a grande mídia não fez qualquer esforço para rastrear o destino do dinheiro que
confessadamente recebeu. Se isso tivesse ocorrido, cairia por terra, por falta de credibilidade do autor, o único testemunho verbal de que José Dirceu teria chefiado uma suposta quadrilha para comprar votos de parlamentares. Cairiam por terra, juntas, as teses do “mensalão” – esta posteriormente desacreditada pelo próprio Jefferson, diante da evidência de que não poderia ser provada – e da utilização de dinheiro público para o esquema.
Restaria por fim o único e grande pecado, não exatamente crime, de Dirceu: ter feito negócios políticos com Jefferson, eventualmente pensando em política, quando para Jefferson o importante são os negócios - especialmente captação de dinheiro através de diretorias de estatais, como ele próprio reconheceu, sem nenhum protesto moral da grande mídia.
A sorte de Roberto Jefferson vai além. Diante da exposição pública das peças de acusação e de defesa, ficou muito claro que o Procurador Geral da República, o atual e o antecessor, montou um teatro fictício, baseado muito mais na retórica do que em provas. Para sorte de Jefferson, a grande mídia – falo sobretudo da televisão – foi forçada a acentuar o enredo fantasioso com depoimentos de jornalistas e advogados de descarada parcialidade, talvez como forma de justificar, a cada passo do julgamento, a parcialidade inicial com a cobertura exagerada e teatral da acusação.
Não é uma distorção apenas de texto. Os gestos também falam. O Procurador é sempre apresentado na tevê como um exemplo de distinção, cada pedaço de sua denúncia é repetido com ares de verdade definitiva, a expressão do olhar do apresentador quando a ele se refere é grave.
Quando se trata da defesa, o comentarista fala com um esgar de incredulidade, a expressão maliciosa, às vezes uma piscadela para insinuar mentiras do advogado. Há parcialidade também na divisão de tempo: o da defesa é frequentemente invadido pela fala do Procurador como se fosse uma contestação em tempo real dela própria.
O teste definitivo da sorte de Roberto Jefferson vem agora. Veremos como se comportará o Supremo diante da suposta pressão da opinião pública, o único elemento que resta para uma condenação midiática. Um notável e honrado ex-ministro do Supremo, Sepúlveda Pertence, disse-me uma vez, a propósito de julgamentos de crimes financeiros, que os ministros são vítimas de ignorância específica. Este, contudo, não é o caso. Não estamos diante de acusação de crimes financeiros, exceto na parte claramente descaracterizada como crime do Visanet. Os ministros farão história. Honrarão sua biografia, ou honrarão a biografia de Roberto Jefferson - o qual, nessa hipótese, confirmará para sempre a sua boa sorte.
(*) Economista, professor de Economia Internacional da UEPB, autor, entre outros livros, do recém-lançado “A Razão de Deus”, pela Civilização Brasileira. Esta coluna sai também nos sites Rumos do Brasil e Brasilianas, e, às terças, no jornal carioca Monitor Mercantil.
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