Dois pesos e dois mensalões
por Jânio de Freitas
Na
sua indignação com o colega Ricardo Lewandowski, o ministro Joaquim
Barbosa cometeu uma falha, não se sabe se de memória ou de aritmética,
que remete ao conveniente silêncio de nove ministros do Supremo Tribunal
Federal sobre uma estranha contradição sua. São os nove contrários a
desdobrar-se o julgamento do mensalão, ou seja, a deixar no STF o
julgamento dos três parlamentares acusados e remeter o dos outros 35,
réus comuns, às varas criminais. De acordo com a praxe indicada pela
Constituição.
Proposto
pelo advogado Márcio Thomaz Bastos e apoiado por longa argumentação
técnica de Lewandowski, o possível desdobramento exaltou Barbosa: "Essa
questão já foi debatida aqui três vezes! Esta é a quarta!" Não era.
Antes houve mais uma. As três citadas por Barbosa tratavam do mensalão
agora sob julgamento. A outra foi a que determinou o desdobramento do
chamado mensalão mineiro ou mensalão do PSDB. Neste, o STF ficou de
julgar dois réus com "foro privilegiado", por serem parlamentares, e
remeteu à Justiça Estadual mineira o julgamento dos outros 13.
Por que o tratamento diferenciado?
Os
nove ministros que recusaram o desdobramento do mensalão petista
calaram a respeito, ao votarem contra a proposta de Márcio Thomaz
Bastos. Embora a duração dos votos de dois deles, Gilmar Mendes e Celso
de Mello, comportasse longas digressões, indiferentes à pressa do
presidente do tribunal, Ayres Britto, em defesa do seu cronograma de
trabalho.
A
premissa de serem crimes conexos os atribuídos aos réus do mensalão
petista, tornando "inconveniente" dissociar os processos individuais,
tem o mesmo sentido para o conjunto de 38 acusados e para o de 15. Mas
só valeu para um dos mensalões.
Os
dois mensalões também não receberam idênticas preocupações dos
ministros do Supremo quanto ao risco de prescrições, por demora de
julgamento. O mensalão do PSDB é o primeiro, montado já pelas mesmas
peças centrais -Marcos Valério, suas agências de publicidade SMPB e DNA,
o Banco Real. Só os beneficiários eram outros: o hoje deputado e
ex-governador Eduardo Azeredo e o ex-vice-governador e hoje senador
Clésio Andrade.
A
incoerência do Supremo Tribunal Federal, nas decisões opostas sobre o
desdobramento, é apenas um dos seus aspectos comprometedores no trato do
mensalão mineiro. A propósito, a precedência no julgamento do mensalão
do PT, ficando para data incerta o do PSDB e seus dois parlamentares,
carrega um componente político que nada e ninguém pode negar.
A
Polícia Federal também deixa condutas deploráveis na história do
mensalão do PSDB. Aliás, em se tratando de sua conduta relacionada a
fatos de interesse do PSDB, a PF tem grandes rombos na sua
respeitabilidade.
Muito
além de tudo isso, o que se constata a partir do mensalão mineiro, com a
reportagem imperdível de Daniela Pinheiro na revista "piauí" que chegou
às bancas, é nada menos do que estarrecedor. O procurador-geral da
República, Roberto Gurgel, com seu gosto de medir o tamanho histórico
dos escândalos, daria ali muito trabalho à sua tortuosa trena. Já não
será por passar sem que a imprensa e a TV noticiosas lhes ponham os
olhos, que o mensalão do PSDB e as protetoras deformidades policiais e
judiciais ficarão encobertas.
É hora de atualizar o bordão sem mudar-lhe o significado: de dois pesos e duas medidas para dois pesos e dois mensalões.
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