“Enfim, pelo esforço invencível dos oprimidos de ontem, pela colaboração decidida e unânime do povo, legitimamente representado por soldados, marinheiros, operários e camponeses, inaugura-se no Brasil a era da liberdade sonhada por tantos mártires”.
Pão, Terra e Liberdade
Quatro anos depois, a “Revolução de 30″ não mudara muito a situação do Brasil. O modelo econômico, dependente e associado ao grande capital internacional, sofria as conseqüências da crise de 1929: exportações em queda, crescimento da dívida externa e aumento dos preços no mercado interno. Os setores médios, especialmente, estavam muito insatisfeitos com o governo de Getúlio Vargas.
Até então, o Partido Comunista do Brasil atuava exclusivamente no meio do proletariado urbano, mas despertou para a necessidade de unir todos os setores descontentes com o regime, criando, para isso, a Aliança Nacional Libertadora (ANL). Esse despertar, na verdade, foi motivado pela nova política de frentes populares conduzida pela Internacional Comunista (IC), ante o crescimento do nazismo e do fascismo na Europa, com repercussão o mundo inteiro. No Brasil, os fascistas criaram a Ação Integralista Brasileira.
ANL: Um Movimento Popular
Fundada em março de 1935, a ANL cresceu com maior intensidade e rapidez do que previam seus organizadores. Seu programa se expressa nos cinco pontes seguintes:
* Suspensão definitiva dos pagamentos das dívidas imperialistas.
* Nacionalização imediata de todas as empresas imperialistas.
* Entrega das terras dos grandes proprietários aos camponeses e trabalhadores rurais que as cultivam.
* Gozo das mais amplas liberdades pelo povo brasileiro.
* Constituição de um Governo Popular, orientado pelos interesses do povo brasileiro.
O Programa da ANL correspondia ao anseio popular, tanto que em menos de quatro meses de existência legal, mobilizou dezenas de milhares de pessoas. Escritórios e comitês se instalaram em todos os Estados brasileiros. Grandes comícios marcaram todo o país. Temendo uma revolução popular, em julho de 1935 o governo Vargas rompeu com a Constituição e decretou o fechamento da ANL, acusando-a de ser um movimento comunista e subversivo. Invasão de sedes, prisão dos ativistas e simpatizantes mais destacados e proibição de manifestações públicas caracterizaram o esquema repressor do regime.
Preparando uma ação militar
Tomada do Poder em Natal: começa a rebelião
A insurreição de 1935 começou em Natal, no dia 23 de novembro. O Comitê Central não havia marcado essa data; havia previsão de sua ocorrência no final de dezembro, simultaneamente, em todos os Estados onde o PCB tinha organização de base nos quartéis e entre as massas urbanas. Há várias versões para a precipitação da data, como a prisão, por indisciplina, de um grupo de cabos natalenses ligados ao movimento. Luís Carlos Prestes, comandante nacional da ANL, declarou: “Não creio que tenha havido provocação. Foi um erro de agitação… O que aconteceu em Natal, fugiu ao nosso controle. A verdade é que foi um movimento espontâneo, sem ordem da direção do Partido”.
Rápida e incruenta
A tomada do 21º Batalhão de Caçadores em Natal, foi rápida e fácil. Não houve resistência. Em pouco tempo, os militantes do Partido, entre os quais havia muitos trabalhadores do porto, receberam armas e munições e tomaram o quartel da PM, a Casa de Detenção e o Esquadrão de Cavalaria. Um grupo foi ao Teatro Carlos Gomes prender as autoridades que participavam de ato solene, mas, avisados em tempo, Governador, Prefeito e secretários fugiram e refugiaram-se nos consulados da Itália e do Chile.
GPR decreta medidas populares
Insurreição vitoriosa, Natal estava nas mãos dos rebeldes na manhã de 24 de novembro. Imediatamente, o Comando da Revolução promulgou decreto destituindo o Governador Rafael Fernandes Gurjão e a Assembléia Legislativa, e instalando o Governo Popular Revolucionário, composto por operários, intelectuais e profissionais liberais.
O Governo Popular decretou a Reforma Agrária, mandando distribuir as terras improdutivas aos camponeses e baixou os preços dos alimentos e das passagens. Outras medidas foram a expropriação dos cofres do Banco do Brasil e do Banco do Estado, com a finalidade de pagar o soldo das tropas e comprar materiais, e a requisição de alimentos para distribuir com o povo faminto.
Consolidado o poder em Natal, o GPR procurou ampliar o movimento, enviando tropas para o interior. O Plano deu certo em vários municípios, mas encontrou resistência na Serra do Doutor, onde jagunços organizados por Dinarte Mariz derrotaram as tropas insurgentes.
Com a derrota no interior, sem saber da deflagração do movimento no Recife, com as notícias de que forças militares da Paraíba e do Ceará dirigiam-se para Natal, os rebeldes foram enfraquecendo o ânimo. Com o aumento das deserções, o GPR decidiu, no dia 27 de novembro, abando-nar os postos e preparar-se para o futuro. Foram quatro dias de Governo Popular Revolucionário.
Insurreição em Pernambuco
Na noite de 23 para 24 de novembro, Gregório Bezerra recebeu ordem para controlar os quartéis do Recife, tomar armas e distribuí-las com a massa popular, que o Partido se encarregaria de mobilizar e levar a pontos determinados. Praticamente sozinho, pois a maioria dos soldados estava de licença, Gregório conseguiu dominar o QG, o CPOR e o Tiro de Guerra. Nos locais combinados para a entrega das armas, ninguém apareceu. Ferido, Gregório foi levado para uma enfermaria e preso enquanto se submetia a tratamento médico.
Enquanto isso, os revoltosos obtinham êxito no 29º Batalhão de Caçadores, na Vila Militar de Socorro, Município de Jaboatão. Houve mobilização operária e popular em Jaboatão, Moreno e Tejipió, tendo sido distribuídos 10 mil fuzis e mais de 50 metralhadoras. O povo, armado, mas sem experiência e sem orientação segura e firme, pouco pôde fazer. Após quatro dias de luta, o 29º BC rendeu-se ao cerco do 20º BC de Alagoas e do 22º BC da Paraíba. Olinda ficou algum tempo em poder dos revoltosos e houve lutas esporádicas em Limoeiro, Garanhuns e Paudalho.
Massacre no Rio de Janeiro
Quando o movimento estava já derrotado em Natal e no Recife, no dia 27 de novembro se levantou o 3º Regimento de Infantaria, no Rio de Janeiro, sob o comando do capitão Agildo Barata, e também a Escola de Aviação Militar, mas ambos foram sufocados rapidamente por forças militares várias vezes superiores. O 3º RI ficou reduzido a escombros.
A repressão abateu-se violenta em todo o país, com prisões, torturas e assassinatos e dois anos depois, em 1937, as classes dominantes implantavam o Estado Novo, uma ditadura centralizada na pessoa de Getúlio Vargas, que durou nove anos.
“Que não cesse o clamor dessa voz”
Harry Berger (codinome do militante comunista alemão Arthur Ewert), enviado pela IC para acompanhar o trabalho revolucionário no Brasil, chamou a atenção para um limite sério da ANL. Dizia: ” Enquanto os comunistas não se ligarem às massas camponesas e conquistarem seu apoio, é impossível obter a vitória”. (2) No mesmo sentido é o informe de Dimitrov ao VII Congresso da IC: ” No Brasil, o PC, que construiu uma base correta para o desenvolvimento da frente única, com a fundação da Aliança Nacional Libertadora, deve fazer o máximo de esforços para estender ainda mais essa frente e atrair, antes e acima de tudo, as massas de milhões de camponeses”. (3)
Sobre 1935, avalia José Praxedes de Andrade, operário sapateiro, dirigente do PC no Rio Grande do Norte e Secretário do Abastecimento do GPR em Natal: “O povo mesmo não participou diretamente da insurreição. Só os militantes do Partido. Se tivéssemos tido mais tempo, talvez essa situação se invertesse. Mas a insurreição de 1935 mostrou que, quando o povo se revolta e pega em armas contra um regime de arbítrio, pode ser vitorioso”.(4) Gregório Bezerra, por sua vez, afirmou: “O Comando (da insurreição) não se ligou às organizações partidárias para que estas mobilizassem as massas trabalhadoras. Houvesse uma concentração operária, como estava planejado, como fizemos em agosto do mesmo ano, o movimento revolucionário teria sido diferente .(5)
Os limites e erros da insurreição de 1935, como os apontados acima, não ofuscam os raios de esperança que brilharam durante quatro dias na cidade-sol (Natal), quando o povo sofrido comemorou as primeiras medidas do Governo Popular Revolucionário, que começavam a concretizar os seus anseios de pão, terra e liberdade. Sessenta e seis anos depois, essa bandeira continua atual e ainda mais necessária para os trabalhadores brasileiros, cujos problemas se agravaram. Como conclui o Hino da ANL: Este canto é preciso que brade/ que não cesse o clamor desta voz: no Brasil há de haver liberdade/ conquistada na rua por nós”
NOTAS
1) Prestes, Lutas e Autocríticas, Editora Vozes, Petrópolis (RJ), 1982
2) Citados por Leôncio Basbaum, in A História Sincera da República, volume 3, Alfa-Ômega,1983
3) Citado pelo Jornal A Classe Operária, edição de novembro 1975, no comunicado A Gloriosa Bandeira de 1935
4) Praxedes, um operário no poder, Moacyr de Oliveira Filho, Editora Alfa-Ômega, SP, 1985
5) Memórias, Gregório Bezerra, volume 1, Civilização Brasileira, RJ, 1980
Fonte: AVERDADE
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