O relatório que a Anistia Internacional acaba de publicar sobre a discriminação da qual são objeto os muçulmanos na Europa é uma radiografia límpida de um processo de exclusão que se amplia com a influência crescente dos partidos de extrema-direita populistas que pululam no Velho Continente. A prova mais delirante dessa política é o famoso referendo organizado na Suíça em 2009 (foi aprovado por 57% dos votantes), mediante o qual se aprovou a proibição de construir novas mesquitas no país.
Eduardo Febbro - De Paris
Paris - Chamar-se Ahmed, Muhhamad,
Amel ou Fátima é como estar condenado. Discriminação para obter um
trabalho ou moradia, desconfiança dos olhares nas lojas, reprovação em
todos os níveis. O relatório que a Anistia Internacional acaba de
publicar sobre a discriminação da qual são objeto os muçulmanos na
Europa é uma radiografia límpida de um processo de exclusão que se
amplia com a influência crescente dos partidos de extrema-direita
populistas que pululam no Velho Continente. O relatório intitulado “Eleição e preconceito, as discriminações contra os muçulmanos na Europa” é o primeiro deste tipo por sua amplitude continental.
O trabalho analisa a situação em países como a Espanha, Bélgica, França, Holanda e Suíça e tira uma conclusão imediata por cima das estatísticas discriminatórias: “os partidos políticos alimentam o medo ao Islã na Europa”, diz John Dalhuisen, diretor do programa Europa-Ásia Central na Anistia Internacional. A segunda conclusão radica em que as práticas discriminatórias motivadas pela pertinência cultural religiosa têm vigência “inclusive nos países onde a discriminação fundada sobre a religião ou as convicções é ilegal”.
Esta exaustiva investigação de terreno demonstra como “os estereótipos ligados às práticas religiosas e culturais muçulmanas acarretaram a aparição de discriminações no mercado de trabalho e nas escolas contra as pessoas que trazem signos ou roupa associados ao Islã”. No concreto, uma mulher muçulmana hiper qualificada, com diplomas prestigiosos e um currículo ideal, não será contratada se usa um véu na cabeça.
A Anistia cita numerosos casos. Um deles, o de Ahmed, um suíço natural da África do Norte que trabalhou durante 15 anos na mesma empresa. Segundo ele mesmo relata, nunca exibiu sua prática religiosa. Sempre foi discreto e jamais pediu folga em dias das festas muçulmanas. Quando deixou crescer a barba, seus colegas começaram a dizer que se parecia com Bin Laden. Seu destino ficou selado no momento que ingressou à empresa uma mulher que detestava os árabes e os muçulmanos. Apesar de uma folha de serviços excepcional, foi despedido sem motivo.
Amel viveu uma situação inversa na França: não a despediram, mas não a contrataram porque levava um lenço na cabeça. Em pleno Século XXI, com sociedades impregnadas de multiculturalismo e mega conectadas mediante a informação e as redes, os árabes e os muçulmanos continuam despertando medo e repulsa, como se fossem de outra espécie. O relatório da Anistia dá conta de numerosos casos nos quais as pessoas perderam um trabalho por causa do lenço que cobre a cabeça ou qualquer outro signo “desgosta aos clientes” ou “estraga a imagem da empresa”.
A incompreensão é imensa, tanto como a rude e suja campanha que a extrema direita europeia vem fazendo contra os muçulmanos, inclusive quando tem a nacionalidade do país no qual residem, porque são a segunda ou terceira geração e nasceram ali. A Anistia também questiona o princípio adotado na França em 2004 – ampliado depois a outros campos - e depois na Espanha, Bélgica, Suíça, Holanda e Turquia, que proíbe o uso de “signos religiosos distintivos” nas escolas públicas e nos lugares públicos.
Essas “proibições” constituem para a ONG “discriminações contra os alunos muçulmanos, que não podem exercer o direito à liberdade de expressão, à liberdade religiosa ou à liberdade das convicções”. A caça ao muçulmano é global. A Anistia cita muitos exemplos. Um, na Espanha: uma adolescente muçulmana de 16 anos foi impedida de comparecer aos cursos do liceu público Pozuelo de Alarcón, nos arredores de Madri, porque levava o véu. Dois, na Holanda: uma escola católica da cidade de Volendam proibiu o uso do véu. Com essa medida se impediu que um aluno muçulmano seguisse os cursos.
Neste contexto, a Anistia questiona o argumento francês que justifica essas medidas como meio de que se respeite a laicidade: “segundo o direito relativo aos direitos humanos, a laicidade não é um motivo legítimo para restringir a liberdade de expressão, a liberdade religiosa ou de convicção”. Cabe lembrar que sob o mandato do presidente Nicolas Sarkozy se proibiu igualmente o uso da “burka”, o véu integral. As milionárias das monarquias do Golfo que vinham fazer suas compras em Paris agora o fazem em Londres. A Bélgica também adotou uma medida similar.
A perseguição se faz extensiva à construção ou implantação de lugares de culto muçulmano. A prova mais delirante dessa política é o famoso referendo organizado na Suíça em 2009 (foi aprovado por 57% dos votantes), mediante o qual se aprovou a proibição de construir novas mesquitas no país. Em toda a Confederação Helvética só existem quatro mesquitas. Nos demais países citados pelo relatório, ainda que não exista uma lei semelhante à suíça inscrita na Constituição, os muçulmanos têm grandes problemas para construir lugares de culto.
Na conclusão do relatório, a Anistia Internacional formula uma série de recomendações aos poderes públicos. A ONG chama os governos da Europa a “atuar mais para combater os estereótipos negativos contra os muçulmanos, estereótipos que alimentam as discriminações”. Aqui fica exposta a responsabilidade dos dirigentes políticos cujas ideologias, em vez de apaziguar, sopram sobre as brasas.
A Anistia lembra que “em vez de combater os preconceitos, os partidos e os responsáveis públicos vão seguidamente em direção dos preconceitos com a meta de esperar benefícios eleitorais”. Não precisa desenvolver nenhum extenso argumento para verificar a validade da recomendação. O partido de extrema direita francês Frente Nacional obteve quase 18% dos votos no primeiro turno das eleições presidenciais do dia 22 de abril. Seu principal recurso é o racismo global e seu inimigo central são os muçulmanos. Os benefícios do ódio, do medo, dos preconceitos e a propaganda política são perfeitamente quantificáveis.
Tradução: Libório Junior
O trabalho analisa a situação em países como a Espanha, Bélgica, França, Holanda e Suíça e tira uma conclusão imediata por cima das estatísticas discriminatórias: “os partidos políticos alimentam o medo ao Islã na Europa”, diz John Dalhuisen, diretor do programa Europa-Ásia Central na Anistia Internacional. A segunda conclusão radica em que as práticas discriminatórias motivadas pela pertinência cultural religiosa têm vigência “inclusive nos países onde a discriminação fundada sobre a religião ou as convicções é ilegal”.
Esta exaustiva investigação de terreno demonstra como “os estereótipos ligados às práticas religiosas e culturais muçulmanas acarretaram a aparição de discriminações no mercado de trabalho e nas escolas contra as pessoas que trazem signos ou roupa associados ao Islã”. No concreto, uma mulher muçulmana hiper qualificada, com diplomas prestigiosos e um currículo ideal, não será contratada se usa um véu na cabeça.
A Anistia cita numerosos casos. Um deles, o de Ahmed, um suíço natural da África do Norte que trabalhou durante 15 anos na mesma empresa. Segundo ele mesmo relata, nunca exibiu sua prática religiosa. Sempre foi discreto e jamais pediu folga em dias das festas muçulmanas. Quando deixou crescer a barba, seus colegas começaram a dizer que se parecia com Bin Laden. Seu destino ficou selado no momento que ingressou à empresa uma mulher que detestava os árabes e os muçulmanos. Apesar de uma folha de serviços excepcional, foi despedido sem motivo.
Amel viveu uma situação inversa na França: não a despediram, mas não a contrataram porque levava um lenço na cabeça. Em pleno Século XXI, com sociedades impregnadas de multiculturalismo e mega conectadas mediante a informação e as redes, os árabes e os muçulmanos continuam despertando medo e repulsa, como se fossem de outra espécie. O relatório da Anistia dá conta de numerosos casos nos quais as pessoas perderam um trabalho por causa do lenço que cobre a cabeça ou qualquer outro signo “desgosta aos clientes” ou “estraga a imagem da empresa”.
A incompreensão é imensa, tanto como a rude e suja campanha que a extrema direita europeia vem fazendo contra os muçulmanos, inclusive quando tem a nacionalidade do país no qual residem, porque são a segunda ou terceira geração e nasceram ali. A Anistia também questiona o princípio adotado na França em 2004 – ampliado depois a outros campos - e depois na Espanha, Bélgica, Suíça, Holanda e Turquia, que proíbe o uso de “signos religiosos distintivos” nas escolas públicas e nos lugares públicos.
Essas “proibições” constituem para a ONG “discriminações contra os alunos muçulmanos, que não podem exercer o direito à liberdade de expressão, à liberdade religiosa ou à liberdade das convicções”. A caça ao muçulmano é global. A Anistia cita muitos exemplos. Um, na Espanha: uma adolescente muçulmana de 16 anos foi impedida de comparecer aos cursos do liceu público Pozuelo de Alarcón, nos arredores de Madri, porque levava o véu. Dois, na Holanda: uma escola católica da cidade de Volendam proibiu o uso do véu. Com essa medida se impediu que um aluno muçulmano seguisse os cursos.
Neste contexto, a Anistia questiona o argumento francês que justifica essas medidas como meio de que se respeite a laicidade: “segundo o direito relativo aos direitos humanos, a laicidade não é um motivo legítimo para restringir a liberdade de expressão, a liberdade religiosa ou de convicção”. Cabe lembrar que sob o mandato do presidente Nicolas Sarkozy se proibiu igualmente o uso da “burka”, o véu integral. As milionárias das monarquias do Golfo que vinham fazer suas compras em Paris agora o fazem em Londres. A Bélgica também adotou uma medida similar.
A perseguição se faz extensiva à construção ou implantação de lugares de culto muçulmano. A prova mais delirante dessa política é o famoso referendo organizado na Suíça em 2009 (foi aprovado por 57% dos votantes), mediante o qual se aprovou a proibição de construir novas mesquitas no país. Em toda a Confederação Helvética só existem quatro mesquitas. Nos demais países citados pelo relatório, ainda que não exista uma lei semelhante à suíça inscrita na Constituição, os muçulmanos têm grandes problemas para construir lugares de culto.
Na conclusão do relatório, a Anistia Internacional formula uma série de recomendações aos poderes públicos. A ONG chama os governos da Europa a “atuar mais para combater os estereótipos negativos contra os muçulmanos, estereótipos que alimentam as discriminações”. Aqui fica exposta a responsabilidade dos dirigentes políticos cujas ideologias, em vez de apaziguar, sopram sobre as brasas.
A Anistia lembra que “em vez de combater os preconceitos, os partidos e os responsáveis públicos vão seguidamente em direção dos preconceitos com a meta de esperar benefícios eleitorais”. Não precisa desenvolver nenhum extenso argumento para verificar a validade da recomendação. O partido de extrema direita francês Frente Nacional obteve quase 18% dos votos no primeiro turno das eleições presidenciais do dia 22 de abril. Seu principal recurso é o racismo global e seu inimigo central são os muçulmanos. Os benefícios do ódio, do medo, dos preconceitos e a propaganda política são perfeitamente quantificáveis.
Tradução: Libório Junior
Fonte: Carta Maior
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