Enviado por: Miguel Gonçalves Trujillo Filho
Há alguns anos, o cientista
político André Singer cunhou o termo "lulismo" para dar conta do modelo
político-econômico implementado no Brasil desde
o início do século 21.
Baseado em uma dinâmica de
aumento do poder aquisitivo das camadas mais baixas da população por meio do
aumento real do salário mínimo,
de programas de transferência de renda e de facilidades de crédito para consumo,
o lulismo conseguiu criar o fenômeno da "nova classe média".
No plano político, esse aumento
do poder aquisitivo da base da pirâmide social foi realizado apoiando-se na
constituição de grandes alianças ideologicamente heteróclitas, sob a promessa de
que todos ganhariam com os dividendos eleitorais da ascensão social de parcelas
expressivas da população.
O resultado foi uma política de
baixa capacidade de reforma estrutural e de perpetuação dos impasses políticos
do presidencialismo de coalizão brasileiro.
No entanto é bem possível que
estejamos no momento de compreensão dos limites do modelo gestado no governo
anterior. O aumento exponencial do endividamento das famílias demonstra como
elas, atualmente, não têm renda suficiente
para dar conta das novas exigências que a ascensão social coloca na
mesa.
É fato que o país precisa de uma
nova repactuação salarial. As remunerações são, em média, radicalmente baixas e
corroídas por gastos que poderiam ser bancados pelo Estado. Por isso, é possível
dizer que a próxima etapa do desenvolvimento nacional passe pela recuperação dos
salários.
A melhor maneira de fazer isso é
por meio de uma certa ação do Estado. Uma família que recebe R$ 3.500 mensais
gasta praticamente um terço de sua renda só com educação privada e planos de
saúde. Normalmente, tais serviços são de baixa qualidade. Caso fossem fornecidos
pelo Estado, tais famílias teriam um ganho de renda que isenção alguma de
imposto seria capaz de proporcionar.
Entretanto a universalização de
uma escola pública
de qualidade e de um serviço de saúde que realmente funcione não pode ser feita
sob a dinâmica do lulismo, pois ela exige investimentos estatais só possíveis
pela taxação pesada sobre fortunas, lucros bancários e renda da classe alta. Ou
seja, isso exige um aumento de impostos sobre aqueles que vivem de maneira
nababesca e que têm lucros milionários no sistema financeiro.
Algo dessa natureza exige, por
sua vez, uma mobilização política que está fora do quadro de consensos do
lulismo. Porém a força política que poderia pressionar essa nova dinâmica ainda
não existe no Brasil. Ela pede uma esquerda que não tenha medo de dizer seu
nome.
Artigo
do professor Vladimir Safatle, da Filosofia da USP. Publicado hoje
na Folha.
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