I. — Reformas ou
revolução:
1. A argumentação
política.
2. A argumentação
histórica.
3. A argumentação
científica.
II — O materialismo
histórico:
1. Como explicar a
história?
2. A história é obra
dos homens.
Resta-nos, agora,
antes de abordar o problema da aplicação da dialética à história, estudar uma
sua última lei.
Isso vai-nos ser
facilitado pelos estudos que acabamos de fazer, e em que vimos o que é a
negação da negação e o que se entende por unidade das contrárias.
Como sempre,
procedemos por exemplos.
I.—
Reformas ou revolução?
Diz-se, falando da
sociedade: é preciso recorrer a reformas ou fazer a revolução? Discute-se para
saber se, para transformar a sociedade capitalista numa socialista, se
alcançará esse fim por reformas sucessivas ou por uma transformação brusca: a
revolução.
Perante este
problema, recordemos o que já estudamos. Toda a transformação é o resultado de
uma luta de forças opostas. Se uma coisa evolui, é porque contém em si a sua
contrária, sendo cada coisa uma unidade de contrárias. Constata-se a luta das
contrárias e a transformação da coisa na sua contrária. Como
se faz essa
transformação?
É o novo problema que se põe.
Pode pensar-se que
tal transformação se efetua pouco a pouco, por uma série de pequenas
transformações, que a maçã verde se transforma em madura por uma série de
pequenas mudanças progressivas.
Muitas pessoas
pensam, assim, que a sociedade se transforma pouco a pouco e que o resultado de
uma série dessas pequenas transformações será a transformação da sociedade
capitalista em socialista. Pequenas transformações que são as reformas, sendo o
seu total, a soma das pequenas mudanças graduais, que nos dará uma sociedade
nova.
É esta a teoria a que
se chama reformismo. Os
partidários de tais teorias chamam-se reformistas, não porque reclamem
reformas, mas porque pensam que elas bastam, que,
acumulando-se, devem, insensivelmente, transformar
a sociedade.
Examinemos se isso é
verdade:
1. A
argumentação política . Se olharmos os fatos, isto é, o que se
passou nos outros países, veremos que, onde se ensaiou tal sistema, os
resultados foram negativos. A transformação da sociedade capitalista — a sua destruição—
teve êxito num único país: a U. R. S. S., e constatamos que não foi por uma
série de reformas, mas pela revolução.
2. A
argumentado histórica . É verdade que, de uma maneira geral, as
coisas se transformam por pequenas mudanças, por reformas?
Vejamos sempre os fatos.
Se examinarmos as mudanças históricas, veremos que não se produzem indefinidamente,
que não são contínuas. Chega um momento em que, em vez de pequenas
mudanças a mudança se faz por um salto brusco.
Na história das
sociedades, os acontecimentos marcantes que verificamos são mudanças bruscas,
revoluções; Mesmo os que não conhecem a dialética sabem, nos nossos dias, que
se produziram mudanças violentas na história; no entanto, até ao século XVII,
julgava-se que «a natureza não dá saltos»; não queriam ver as
transformações
bruscas na continuidade das mudanças. Mas, a ciência interveio, e, pelos fatos,
demonstrou que se faziam mudanças bruscamente. A Revolução de 1789 abriu ainda
melhor os olhos; era ela própria um exemplo evidente de nítida ruptura com o
passado. E acabou-se percebendo que todas as etapas decisivas da história foram
e eram perturbações importantes, bruscas, súbitas. Por exemplo: de amigáveis
que eram, as relações entre tal e tal Estado tornaram-se mais frias, depois
tensas, agravaram-se, tomaram um caráter de hostilidade — e, de repente, era a
guerra, brusca ruptura na continuidade dos acontecimentos. Ou, ainda: na Alemanha,
depois da guerra de 1914-18, houve uma subida gradual do fascismo, depois, um
dia, Hitler
tomou o poder — a
Alemanha entrou numa nova etapa histórica.
Hoje, os que negam
essas bruscas mudanças pretendem que são acidentes,
sendo um acidente uma coisa que acontece e poderia
não acontecer.
Assim se explicam as
revoluções na história das sociedades: «São acidentes».
Explica-se, por
exemplo, no que respeita à história da França, que a queda de Luís XVI e a
Revolução francesa aconteceram porque Luís XVI era um homem fraco e indolente:
«Se tivesse sido um homem enérgico, não teríamos tido a Revolução». Lê-se mesmo
que, se, em Varennes. não tivesse prolongado a sua refeição, não o prenderiam e
o curso da história teria sido outro. Portanto, a Revolução francesa é,
digamos, um acidente.
A dialética, pelo
contrário, reconhece que as revoluções são necessidades.
Há, na verdade, mudanças contínuas, mas, acumulando-se,
acabam por produzir mudanças bruscas.
3. A
argumentação científica. Tomemos o exemplo da água. Partamos de
0º, e façamos subir a sua temperatura de 1°, 2°, 3° até 98°: a mudança é
contínua. Mas, isso pode continuar assim indefinidamente?
Vamos, ainda, até
99°, mas, a 100° temos uma mudança brusca: a água transforma-se
em vapor.
Se, inversamente, de
99° descermos até 1º teremos. de novo, uma mudança contínua, mas, não poderemos
descer assim indefinidamente, porque, a 0º, a água se
transforma em gelo.
De 1º a 99°,
permanece sempre água; apenas a sua temperatura muda. É o que se chama uma mudança
quantitativa, que responde à pergunta: «Quanto», isto é, «que quantidade
de calor tem a água?». Quando se transforma em gelo ou em vapor, temos uma mudança
qualitativa, uma mudança de qualidade. Já não é água; tornou-se gelo ou
vapor.
Quando a coisa não
muda de natureza, temos uma mudança quantitativa (no exemplo da água, uma
mudança de grau de calor, mas, não de natureza). Se muda de natureza, quando se
torna outra coisa, a mudança é qualitativa.
Vemos, pois, que a
evolução das coisas não pode ser indefinidamente quantitativa:
transformando-se, sofrem, por fim, uma mudança qualitativa. A
quantidade transforma-se em qualidade. É uma lei geral. Mas,
como sempre, não devemos agarrar-nos unicamente a esta fórmula abstrata.
No livro de Engels,
«Anti-Duhring», no capítulo Dialética, quantidade e
qualidade, encontraremos um grande número de exemplos que farão
compreender que, em tudo, como nas ciências da natureza, se verifica a exatidão
da lei segundo a qual em certos graus de mudança quantitativa; produz-se,
subitamente, uma conversão qualitativa60.
Eis um novo exemplo,
citado por H. Wallon, no VII volume da «Enciclopédia francesa» (em que nos
remete a Engels): a energia nervosa, acumulando-se numa criança, provoca o
riso; mas, se continua a aumentar, o riso transforma-se em lágrimas; assim, as
crianças que se excitam e riem muito, acabam por chorar.
Daremos um último
exemplo bem conhecido: o do homem que apresenta a sua candidatura a um mandato qualquer.
Se forem precisos 4500 votos para obter a maioria absoluta, o candidato não é
eleito com 4499, continua a ser, apenas, um candidato. Com um voto mais, a
mudança quantitativa determina uma qualitativa,
uma vez que o
candidato, que era, se torna um eleito.
Esta lei traz-nos a
solução do problema: reforma ou revolução.
Os reformistas
dizem-nos: «Quereis coisas impossíveis, que apenas acontecem por acidente; sois
utopistas».
Mas, com esta lei,
vemos bem quais são os que sonham com coisas impossíveis! O estudo dos fenômenos
da natureza e da ciência mostra-nos que as mudanças não são indefinidamente
contínuas, mas que, num dado momento, se tornam bruscas. Não somos nós que,
arbitrariamente, o afirmamos, é a ciência, a natureza, a realidade!
Pode, então,
perguntar-se: que papel representamos nós nessas transformações bruscas?
Vamos responder a
esta pergunta, e desenvolver tal problema com a aplicação da dialética à
história. Eis nos chegando a uma parte muito célebre do materialismo dialético:
o materialismo histórico.
I.
— O
materialismo histórico.
O que é o
materialismo histórico? É simplesmente, agora que se conhece o que é a dialética,
a aplicação desse método à história das sociedades humanas.
Para compreender isto
melhor, é necessário precisar o que é a história. Quem diz história diz
mudança, e mudança na sociedade. A sociedade tem uma história, no decurso da
qual muda continuamente; vemos produzirem-se nela grandes acontecimentos.
Então, põe-se o seguinte problema: uma vez que, na história, as
sociedades mudam, o
que é que explica essas mudanças?
1. Como
explicar a história?
É assim que nos
perguntamos: «Que faz com que haja guerras? Os homens deveriam poder viver em
paz!».
A estas perguntas,
vamos dar respostas materialistas.
A guerra, explicada
por um cardeal, é uma punição de Deus; é uma resposta idealista, porque explica
os acontecimentos por Deus; é explicar a história pelo espírito. Aqui, é o
espírito que cria e faz a história.
Falar da Providência,
é, também, uma resposta idealista. É Hitler que, em «Mein Kampf», nos diz que a
história é obra da Providência, agradecendo-lhe ter posto o lugar do seu
nascimento na fronteira austríaca.
Tornar Deus ou a
Providência responsáveis pela história, eis uma teoria cômoda: os homens nada
podem, e, por conseguinte, nada há a fazer contra a guerra, é preciso
consenti-la.
Podemos nós, do ponto
de vista científico, sustentar uma tal teoria, encontrar nos fatos a sua
justificação?
Não.
A primeira afirmação
materialista, nesta discussão, é que a história não é obra de Deus, mas dos
homens.
Então, os homens
podem agir sobre a história e impedir a guerra.
2. A
história é obra dos homens.
Os
homens fazem a sua história, seja qual for o caminho que tome, prosseguindo
cada um os seus próprios fins, conscientemente desejados, e são, precisamente,
os resultados dessas numerosas vontades, atuando em sentidos diferentes, e as
suas variadas repercussões sobre o mundo exterior que constituem a história.
Trata-se,
também, por conseguinte, do que querem os numerosos indivíduos, tomados
isoladamente. A vontade é determinada pela paixão ou pela reflexão... Mas, as
alavancas que, por sua vez, determinam diretamente a paixão ou a reflexão são
de natureza muito diversa... Ainda pode perguntar-se... quais as causas
históricas que, nos cérebros dos homens que agem, se transformam nesses
motivos.61
Este texto de Engels
diz-nos, portanto, que são os homens que agem segundo as suas vontades, mas
estas não se orientam sempre no mesmo sentido! O que é que determina,
faz, então, as ações dos homens? Por que não caminham as suas
vontades no mesmo sentido?
Certos idealistas
consentirão em dizer que são as ações dos homens que fazem a história, e que
tal ação resulta da sua vontade: é esta que determina a ação, e são os nossos
pensamentos ou sentimentos que determinam a nossa vontade. Teríamos, portanto,
o seguinte processo: ideia — vontade — ação, e, para explicar
a ação, seguiremos o sentido inverso, à procura da ideia,
causa determinante.
Ora, precisamos
imediatamente que a ação dos homens importantes e das doutrinas não é negável,
mas tem necessidade de ser explicada. Não é o processo ideia — vontade — ação
que a explica. É assim que alguns pretendem que, no século XVIII, Diderot e os
Enciclopedistas, difundindo entre o público a teoria dos Direitos do Homem,
seduziram e ganharam, com essas ideias, a vontade dos homens que, em
consequência, fizeram a Revolução; o mesmo aconteceu na U.R.S.S., onde as
ideias de Lenine foram difundidas e as pessoas agiram de acordo com elas. E
conclui-se que, se não houvesse ideias revolucionárias, não haveria revolução. É
este o ponto de vista que faz dizer que as forças motrizes da história são as
ideias dos grandes
chefes; são eles que
fazem a história. Conheceis a fórmula da Ação
francesa: «40 reis fizeram a França»; poderia acrescentar-se: reis
que, no entanto, não tinham muitas «ideias»!
Qual o ponto de vista
materialista sobre o assunto?
Vimos que, entre o
materialismo do século XVIII e o moderno, havia muitos pontos comuns, mas o
antigo materialismo tinha, da história, uma teoria idealista.
Portanto, francamente
idealista ou dissimulada sob o materialismo inconsequente, a teoria idealista
que acabamos de ver, parecendo explicar a história, nada explica. Com efeito, quem
provoca a ação?
O
antigo materialismo, disse Engels, aprecia
tudo segundo os motivos da ação, divide os homens, exercendo uma ação
histórica, em nobres e plebeus, e constata, em seguida, ordinariamente, que são
os nobres os patetas e os plebeus os vencedores, do que resulta, para o antigo
materialismo, que o estudo da história não nos ensina grande coisa de
edificante, e, para nós, que, no domínio histórico, o antigo materialismo é
infiel a si próprio, porque toma as forças motrizes ideais que aí estão ativas
pelas causas últimas, em vez de examinar o que há por detrás delas62.
A vontade, as ideias
reclamam-se como um direito. Mas, por que é que os
filósofos do século XVIII tiveram precisamente essas
ideias?
Se tivessem tentado
explicar o marxismo, não teriam sido escutados, porque, nessa época, as pessoas
não o compreenderiam. Não conta só o fato de se produzirem ideias, é preciso,
também, que sejam compreendidas; por conseguinte, há determinadas épocas para
aceitar as ideias e também para as forjar.
Sempre dissemos que
as ideias têm uma grande importância, mas devemos ver de onde vêm.
Devemos, portanto,
procurar quais as causas que nos dão essas ideias, quais são, em última
análise, as forças motrizes da história.
Próxima: O MATERIALISMO HISTÓRICO
As Forças Motrizes da História
Nenhum comentário:
Postar um comentário