A decisão foi anunciada nesta terça (17), após a comoção causada pela exibição do documentário “Perdão, Mister Fiel – o operário que derrubou a ditadura no Brasil”, de Jorge Oliveira. No documentário, o ex-agente do Serviço Nacional de Informação (SNI), Marival Chaves, cita os nomes e sobrenomes dos principais torturadores do regime. E dá pistas importantes sobre o paradeiro de desaparecidos políticos.
Najla Passos
Brasília - A Comissão Parlamentar da
Verdade vai convocar ex-agentes da ditadura militar para prestarem
esclarecimentos sobres os crimes contra os direitos humanos durante o
regime. A decisão foi tomada nesta terça (17), pela coordenadora da
Comissão, deputada Luíza Erundina (PSB-SP), após a exibição do
documentário “Perdão, Mister Fiel – o operário que derrubou a ditadura
no Brasil”, de Jorge Oliveira. “Pode até ser uma loucura minha. Mas eu
quero ser louca e convocar essas pessoas para depor”, afirmou ela.
O longa-metragem conta a história do operário Manoel Fiel Filho, assassinado durante uma seção de tortura, nos porões do DOI/CODI, em São Paulo. Sindicalista e militante do Partido Comunista do Brasil, Fiel foi detido na fábrica em que trabalhava, ao meio-dia de 16 de janeiro de 1976, por militares disfarçados de fiscais da Prefeitura. Nunca mais foi visto com vida.
Posteriormente, os militares divulgaram um boletim afirmando que ele se enforcara com as próprias meias, em circunstâncias idênticas a das mortes de José Ferreira de Almeida, Pedro Jerônimo de Souza e Wladimir Herzog, ocorridas no ano anterior. A indignação com a série de assassinatos provocou uma grande pressão popular que levou o então presidente Geisel a afastar o diretor do DOI/CODI e declarar que os militares não tinham ordem para matar.
A viúva do operário, Thereza de Lourdes Martins Fiel, que também acompanhou a exibição do filme, disse que, só anos depois, com a exumação do cadáver, ficou oficialmente comprovado que o marido morreu estrangulado. “Eu tinha certeza de que o Fiel jamais se suicidaria”, desabafou. O “crime” que levou o militante a ser barbaramente assassinado? Distribuir o jornal Voz Operária, do Partidão, para os companheiros de fábrica.
Torturadores identificados
No documentário de 2010, que já recebeu oito prêmios no Brasil e no exterior, Jorge Oliveira colheu depoimentos de ex-presos políticos, familiares de desaparecidos, militantes dos direitos humanos, ex-presidentes da república e ex-militares do DOI-CODI. Conseguiu, assim, traçar um panorama criterioso do período. E arrancou dos entrevistados informações preciosas, que ajudam a lançar luz sobre aquele um dos períodos mais escuros da história brasileira.
Entre os depoimentos mais impactantes está o do ex-agente do DOI/CODI, Marival Chaves, que se desligou do Serviço Nacional de Informação (SNI) tão logo a ditadura chegou ao fim, no governo do ex-presidente José Sarney. Ele narra, com riqueza de detalhes, estupros, torturas e assassinatos cometidos pelo regime. Dá valiosas pistas sobre o destino de desaparecidos, como o deputado Rubens Paiva. Relata episódios absurdos ocorridos durante a Operação Condor, como o esquartejamento de um ex-militante argentino, que foi entregue aos ditadores daquele país em uma caixa de papelão, despachada em vôo de carreira. E revela nomes e sobrenomes dos principais responsáveis pelas práticas.
Conforme Marival, a tortura fazia parte do treinamento dos agentes, que eram adestrados a encará-la como única alternativa para garantir que o país não fosse dominado pelos comunistas. Entretanto, ele garante que, mesmo entre os torturadores, estavam psicopatas extremamente cruéis, que obtinham prazer em empregar esses meios, de forma exagerada, contra os chamados inimigos do sistema. Entre eles, estariam, por exemplo, o coronel reformado Sebastião Curió, responsável pela chacina dos guerrilheiros do Araguaia, e o general Milton Tavares de Souza, que comandou o serviço de informações do Exército.
“Não é possível que com todos os nomes revelados, a Lei não consiga encontrar uma forma de chegar até essas pessoas. Meu pai está morto, mas seus assassinos têm nomes, sobrenomes e endereços conhecidos. Não vivem na clandestinidade. É preciso que se faça Justiça”, cobrou a filha de Fiel, Maria Aparecida.
A procuradora-regional da República, Eliana Peres Torelly de Carvalho, reiterou a disposição do Ministério Público de continuar buscando formas de cobrar Justiça, embora, até o momento, todas as iniciativas tenham esbarrado na Lei da Anistia, de 1979, que, conforme interpretação do Supremo Tribunal Federal (STF), perdoa até mesmo os crimes contra dos direitos humanos praticados pelos militares.
A procuradora elogiou a audiência e ressaltou a importância de iniciativas como aquela. “Quando vêm a tona, estes fatos mexem profundamente com todos os brasileiros. Não podemos permitir que sejam esquecidos. O direito à memória e à verdade é alienável. Não é possível haver conciliação nacional se não for feita a Justiça”, afirmou.
O jornalista Jarbas da Silva Marques, ex-preso político da Ditadura, defendeu a revisão imediata da Lei, para que o perdão seja concedido apenas aos autores de crimes políticos. “Estupro, tortura, estrangulamento e assassinato não são crimes políticos”, afirmou ele.
Já o autor do documentário chamou o Congresso à responsabilidade. “Eu não tenho expectativa nenhuma em relação à Comissão Nacional da Verdade, porque cabe ao legislativo rever a Lei da Anistia e criar condições para que os responsáveis pelos crimes da ditadura sejam punidos”, afirmou.
Luíza Erundina reafirmou que o projeto de sua autoria, que reinterpreta a Lei da Anistia, de forma a penalizar os militares que praticaram crimes contra os direitos humanos durante a ditadura militar brasileira, está “engavetado” na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara desde o ano passado. “O Congresso de hoje é pior do que o de 1979. Mas, se aquele Congresso, mesmo debaixo das botas dos militares, conseguiu aprovar uma lei, nós também podemos conseguir. Não podemos esperar muita coisa desta Casa, mas se o povo se unir e cobrar, as coisas acontecem”, afirmou.
A Comissão Parlamentar da Verdade é a denominação mais conhecida da subcomissão permanente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, criada para fiscalizar e contribuir com os trabalhos da Comissão Nacional da Verdade, sancionada pela presidenta Dilma Rousseff em novembro do ano passado, mas ainda não instalada.
O longa-metragem conta a história do operário Manoel Fiel Filho, assassinado durante uma seção de tortura, nos porões do DOI/CODI, em São Paulo. Sindicalista e militante do Partido Comunista do Brasil, Fiel foi detido na fábrica em que trabalhava, ao meio-dia de 16 de janeiro de 1976, por militares disfarçados de fiscais da Prefeitura. Nunca mais foi visto com vida.
Posteriormente, os militares divulgaram um boletim afirmando que ele se enforcara com as próprias meias, em circunstâncias idênticas a das mortes de José Ferreira de Almeida, Pedro Jerônimo de Souza e Wladimir Herzog, ocorridas no ano anterior. A indignação com a série de assassinatos provocou uma grande pressão popular que levou o então presidente Geisel a afastar o diretor do DOI/CODI e declarar que os militares não tinham ordem para matar.
A viúva do operário, Thereza de Lourdes Martins Fiel, que também acompanhou a exibição do filme, disse que, só anos depois, com a exumação do cadáver, ficou oficialmente comprovado que o marido morreu estrangulado. “Eu tinha certeza de que o Fiel jamais se suicidaria”, desabafou. O “crime” que levou o militante a ser barbaramente assassinado? Distribuir o jornal Voz Operária, do Partidão, para os companheiros de fábrica.
Torturadores identificados
No documentário de 2010, que já recebeu oito prêmios no Brasil e no exterior, Jorge Oliveira colheu depoimentos de ex-presos políticos, familiares de desaparecidos, militantes dos direitos humanos, ex-presidentes da república e ex-militares do DOI-CODI. Conseguiu, assim, traçar um panorama criterioso do período. E arrancou dos entrevistados informações preciosas, que ajudam a lançar luz sobre aquele um dos períodos mais escuros da história brasileira.
Entre os depoimentos mais impactantes está o do ex-agente do DOI/CODI, Marival Chaves, que se desligou do Serviço Nacional de Informação (SNI) tão logo a ditadura chegou ao fim, no governo do ex-presidente José Sarney. Ele narra, com riqueza de detalhes, estupros, torturas e assassinatos cometidos pelo regime. Dá valiosas pistas sobre o destino de desaparecidos, como o deputado Rubens Paiva. Relata episódios absurdos ocorridos durante a Operação Condor, como o esquartejamento de um ex-militante argentino, que foi entregue aos ditadores daquele país em uma caixa de papelão, despachada em vôo de carreira. E revela nomes e sobrenomes dos principais responsáveis pelas práticas.
Conforme Marival, a tortura fazia parte do treinamento dos agentes, que eram adestrados a encará-la como única alternativa para garantir que o país não fosse dominado pelos comunistas. Entretanto, ele garante que, mesmo entre os torturadores, estavam psicopatas extremamente cruéis, que obtinham prazer em empregar esses meios, de forma exagerada, contra os chamados inimigos do sistema. Entre eles, estariam, por exemplo, o coronel reformado Sebastião Curió, responsável pela chacina dos guerrilheiros do Araguaia, e o general Milton Tavares de Souza, que comandou o serviço de informações do Exército.
“Não é possível que com todos os nomes revelados, a Lei não consiga encontrar uma forma de chegar até essas pessoas. Meu pai está morto, mas seus assassinos têm nomes, sobrenomes e endereços conhecidos. Não vivem na clandestinidade. É preciso que se faça Justiça”, cobrou a filha de Fiel, Maria Aparecida.
A procuradora-regional da República, Eliana Peres Torelly de Carvalho, reiterou a disposição do Ministério Público de continuar buscando formas de cobrar Justiça, embora, até o momento, todas as iniciativas tenham esbarrado na Lei da Anistia, de 1979, que, conforme interpretação do Supremo Tribunal Federal (STF), perdoa até mesmo os crimes contra dos direitos humanos praticados pelos militares.
A procuradora elogiou a audiência e ressaltou a importância de iniciativas como aquela. “Quando vêm a tona, estes fatos mexem profundamente com todos os brasileiros. Não podemos permitir que sejam esquecidos. O direito à memória e à verdade é alienável. Não é possível haver conciliação nacional se não for feita a Justiça”, afirmou.
O jornalista Jarbas da Silva Marques, ex-preso político da Ditadura, defendeu a revisão imediata da Lei, para que o perdão seja concedido apenas aos autores de crimes políticos. “Estupro, tortura, estrangulamento e assassinato não são crimes políticos”, afirmou ele.
Já o autor do documentário chamou o Congresso à responsabilidade. “Eu não tenho expectativa nenhuma em relação à Comissão Nacional da Verdade, porque cabe ao legislativo rever a Lei da Anistia e criar condições para que os responsáveis pelos crimes da ditadura sejam punidos”, afirmou.
Luíza Erundina reafirmou que o projeto de sua autoria, que reinterpreta a Lei da Anistia, de forma a penalizar os militares que praticaram crimes contra os direitos humanos durante a ditadura militar brasileira, está “engavetado” na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara desde o ano passado. “O Congresso de hoje é pior do que o de 1979. Mas, se aquele Congresso, mesmo debaixo das botas dos militares, conseguiu aprovar uma lei, nós também podemos conseguir. Não podemos esperar muita coisa desta Casa, mas se o povo se unir e cobrar, as coisas acontecem”, afirmou.
A Comissão Parlamentar da Verdade é a denominação mais conhecida da subcomissão permanente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, criada para fiscalizar e contribuir com os trabalhos da Comissão Nacional da Verdade, sancionada pela presidenta Dilma Rousseff em novembro do ano passado, mas ainda não instalada.
Fonte: Carta Maior
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