Para Valter Pomar, crise econômica e avanço da direita em alguns países exigem salto de qualidade de partidos e governos
O Foro de São Paulo, articulação entre partidos progressistas e de esquerda da América Latina, volta à cidade onde foi criado. Entre 31 de julho e 4 de agosto, a capital paulista receberá pela terceira vez representantes de agremiações não apenas do continente, mas de todo o mundo.
Criado em 1990, por iniciativa do PT (Partido dos Trabalhadores), do Brasil, e do Partido Comunista de Cuba, entre outros, o Foro congrega mais de uma centena de agremiações. Os temas do evento vão da integração regional à crise econômica mundial, passando pelos avanços e recuos da esquerda em cada país. Estarão presentes representantes da Europa, África e Ásia, vários deles integrando governos.
Reprodução/Facebook
Pomar: mobilizações de junho no Brasil mostram que esquerdas enfrentam dilemas muito semelhantes em todos os países da região
Opera Mundi conversou com Valter Pomar, de 46 anos, membro do Diretório Nacional do PT e Secretário-executivo do Foro. Doutor em História Econômica, Pomar fala dos diversos desafios que devem ser tratados no evento, cuja programação completa pode ser vista no site oficial.
Opera Mundi : Qual a importância deste Encontro do Foro de São Paulo? Quais os principais temas a serem debatidos?
Valter Pomar: Trata-se do primeiro encontro do Foro, depois da morte de Hugo Chávez e da eleição de Nicolas Maduro. Cito esses dois fatos, porque ajudaram o conjunto da esquerda regional a perceber que estamos em uma nova etapa na região, marcada principalmente pela contra-ofensiva da direita local e de seus aliados nos Estados Unidos e Europa. Nessa nova etapa, há dois desafios principais: aprofundar o processo de mudanças em cada país e acelerar o processo de integração regional. São os grandes temas em debate no XIX Encontro do Foro.
Leia mais:
Às vésperas de encontro, Foro de SP é alvo de ameaças de grupos direitistas
OM: O Encontro acontece quase simultaneamente à visita que Papa Francisco fez ao Brasil. Que significado pode ter um pontífice latino-americano nessa conjuntura?
VP: Há controvérsias sobre isso. A maior parte da esquerda regional prefere não opinar a respeito. Há setores com expectativas positivas, o que é compreensível se lembrarmos do comportamento do Papa anterior. Mas há, também, setores muito preocupados, por três motivos: primeiro devido a versões acerca do que ocorreu na época da ditadura militar argentina; segundo, por lembrar do papel jogado por outro Papa no combate ao socialismo, tal como existia no Leste Europeu; terceiro, devido a crescente influência dos conservadores no interior da igreja católica. Para os que são crentes, acho que o mais adequado é orar e vigiar muito.
OM: Uma nova conjuntura política parece estar se abrindo no Brasil, com a ascensão das mobilizações populares. Isso será objeto de debate no Encontro?
VP: Os partidos brasileiros que integram o Foro - o PT, o PC do B (Partido Comunista do Brasil), o PSB (Partido Socialista Brasileiro), o PDT (Partido Democrático Trabalhista), o PPL (Partido Pátria Livre) e o PCB (Partido Comunista Brasileiro) - terão diversas oportunidades, nas atividades oficiais do Foro e nas bilaterais, para apresentar seu ponto de vista sobre o que ocorreu e sobre os impactos presentes e futuros. Há uma grande curiosidade a respeito, especialmente daqueles que acreditavam na existência de "duas esquerdas" na região. Pois um dos ensinamentos das mobilizações de junho é que a direita brasileira, como a venezuelana, disputa a mídia, as urnas e as ruas conosco. E que as esquerdas enfrentam dilemas muito semelhantes, em todos os países da região.
OM: Um tema de relevo na pauta do Encontro é a integração regional. Como isso se dá, pela via dos partidos políticos?
VP: A integração regional é um processo em disputa. Primeiro, disputa contra o imperialismo, que deseja uma integração subalterna a eles, como no projeto da Alca. Segundo, disputa contra a grande burguesia, que deseja uma integração focada nos mercados e no lucro de curto prazo, o que conduz a uma integração que aprofunda as disparidades regionais e sociais, o que por sua vez acabaria nos levando a uma integração subalterna aos gringos. Terceiro, uma disputa entre diferentes ritmos e vias de desenvolvimento e integração. Trata-se, portanto, de um processo quente, que do ponto de vista da esquerda precisa ser simultaneamente político, econômico e cultural. Tarefas nas quais os governos são fundamentais, mas insuficientes. Os partidos políticos, assim como os movimentos sociais e o mundo da cultura são essenciais nesse processo.
Pt.org.br
OM: A grande variável da internacional hoje é o comportamento da economia chinesa. O aumento de sua demanda por commodities possibilitou que o ciclo de governos progressistas da América Latina – exportadores de produtos primários – conhecesse surtos expressivos de crescimento. Se a China desacelerar, quais os cenários para o continente?
[Primeira edição do Foro de São Paulo, realizada em julho de 1990]
VP: A China já está desacelerando e está fazendo uma inflexão em direção ao seu mercado interno. Isto pode ter duas consequências: ou voltarmos ao "estado normal" de economias dependentes, vítimas da desigualdade nos termos de troca entre produtos de baixo e de alto valor agregado; ou fazermos uma inflexão em direção a um ciclo de desenvolvimento econômico regional, impulsionado pelo Estado e baseado na ampliação de infraestruturas, políticas universais e capacidade de consumo.
Este é o pano de fundo do acirramento da luta de classes na região, assim como do acirramento no conflito entre alguns países da região, para não falar do acirramento de nossa relação com as potências imperialistas.
OM: A alta das commodities tende a recolocar as economias latino-americanas num quadro conhecido na primeira metade do século passado: o de exportador de produtos primários e importador de manufaturados. Não há uma contradição no fato de governos que têm recuperado a soberania nacional estejam se mantendo graças a uma inserção econômica subordinada no mercado global?
VP: Contradição há, mas a realidade está corrigindo essa contradição. Para ser mais claro: os governos progressistas e de esquerda que insistirem neste caminho estarão pavimentando o caminho para sua derrota eleitoral, mais cedo ou mais tarde. Ou, o que também pode acontecer, para uma mudança de lado: os progressistas e a esquerda continuariam lá, nos governos, mas a serviço de outros interesses. Claro que na etapa anterior a esta, foi correto aproveitar o boom das commodities para com isso enfrentar alguns problemas imediatos.
OM: Em 2014, completam-se 15 anos do início da gestão de Hugo Chávez, na Venezuela. A partir daí, uma série de governos de centro-esquerda foram eleitos na América Latina. Nos últimos meses, alguns deles enfrentam turbulências internas. É o caso da Venezuela, da Argentina e do Brasil. É possível ver uma tendência nesses processos? O ciclo progressista estaria se esgotando?
VP: O que certamente se esgotou foi a primeira etapa do ciclo progressista e de esquerda, esta etapa que começa entre 1998 e 2002, com as eleições de Chávez e de Lula. E que se conclui em algum ponto entre a eclosão da crise internacional e a posse de Obama. Deste momento em diante, entramos em outra etapa, marcada pela crise, pela contraofensiva da direita e pelo esgotamento do padrão adotado em todos os governos progressistas e de esquerda. Esse padrão foi, na Venezuela, no Brasil, na Bolívia e na Argentina, por todos os lados, redirecionar para outros setores sociais a renda e a riqueza geradas pelo modelo herdado. Este modelo se esgotou. Agora está posto construir outro modelo. Se não tivermos sucesso nisso, aí sim poderemos falar de esgotamento do ciclo. Se tivermos sucesso, por outro lado, viveremos um salto de qualidade.
Efe
Venezuelanos lembram aniversário de Hugo Chávez, em Caracas. Falecimento do presidente é tema do Encontro do Foro de SP
OM: A direita continental promoveu golpes em Honduras e no Paraguai e teve expressiva votação nas eleições presidenciais na Venezuela. Há um fortalecimento regional dessas correntes?
VP: Claro que sim. Elas se apoiam em suas próprias forças, que são enormes; nos seus aliados internacionais; e nas debilidades de nossos governos. A direita está jogando seu papel. O desafio é reagir a isto, corrigindo erros, superando debilidades, ampliando a cooperação entre nós.
OM: Países como Chile, Colômbia, México e Peru estão articulando a Aliança do Pacífico. Quais as consequências disso?
VP: A Aliança do Pacífico constitui um espaço de articulação próprio daqueles governos e países mais amarrados, através de tratados de comércio ou de acordos político-militares, com os Estados Unidos e outras potências. Comercialmente, economicamente, não constituem uma grande ameaça. Do ponto de vista político, é distinto: trata-se de uma cunha contra o Mercosul, a Unasul e a Celac. O caminho para resolver o problema está, também, principalmente na política: trata-se de recuperar as relações com o governo Ollanta Humala, de recuperar em novas bases o governo chileno, trata-se de fazer a paz na Colômbia e retomar a influência da esquerda no México.
OM: O sr. é candidato à presidência do PT, cuja eleição se realizará em novembro. Qual a ligação dessa postulação com sua atividade internacional?
VP : Sou candidato e as eleições serão em novembro de 2013. Mas até 4 de agosto, quando conclui o XIX Encontro do Foro de São Paulo, minha prioridade total é o próprio Foro, do qual sou secretário executivo por indicação do PT.
operamundi
Nenhum comentário:
Postar um comentário