Antonio Lassance
Até agora, a sigla PIG, cunhada pelo deputado Fernando Ferro (PT-PE), era conhecida como a abreviatura de Partido da Imprensa Golpista. Ultimamente, o PIG ganhou um reforço: o dos Políticos Insatisfeitos com o Governo.
Os PIGs são hoje a maior coalizão da Câmara, pois reúnem, além da oposição, a maior parte do PMDB, sob a liderança de Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e também a parte insatisfeita do PT. O deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP) tem se afirmado como um expoente dos insatisfeitos e do fenômeno conhecido como peemedebismo.
Em março de 2012, Vaccarezza foi destituído por Dilma da condição de líder do governo na Câmara, varrido na mesma onda que levou embora o senador Romero Jucá (PMDB-RR) da liderança do governo no Senado. Desde então, o fracasso lhe subiu à cabeça. Faltou alguém ler Lord Byron aos seus ouvidos para dizer que a mágoa é instrutora dos sábios e que a tristeza pode ser fonte de conhecimento.
Ao contrário, o que ocorreu? O parlamentar petista foi picado pelo peemedebismo. A expressão peemedebismo ganhou um interessante referencial explicativo dado pelo filósofo Marcos Nobre. Criada em 2009, a expressão está atualizada ao cenário pós-protestos de rua no e-book “Choque de democracia: razões da revolta” (São Paulo: Companhia das Letras, 2013). O peemedebismo, explica Nobre, é uma cultura política adepta de negociações e barganhas fechadas em si mesmas e avessas ao debate público.
Ao invés de “cultura”, me parece mais apropriado dizer que o peemedebismo é uma receita política. Surgiu e foi cozinhada em fogo brando nos caldeirões do PMDB, há mais de 30 anos. Ela se tornou uma receita de sucesso, a ponto de ser copiada por muitos outros partidos. É difícil encontrar quem resista a dar uma provada e copiar a mesma fórmula.
A receita é a seguinte: é preciso um vasilhame bem grande, para que se forme maioria no Congresso e possa ter o máximo de ingredientes, por mais díspares que sejam, como alhos e bugalhos. O importante de se ter maioria é a força que os líderes de bancadas ou de facções ganham na negociação com o Executivo e na ampliação de seu poder de barganha.
A discussão de fundo das políticas é posta de cabeça para baixo e caminha ao ritmo da tramitação e das manobras do processo legislativo. Os operadores do peemedebismo têm pleno domínio das táticas regimentais e usam habilmente os prazos de decisão a seu favor. A grande ameaça aos governos é a de ser surpreendido por decisões desagradáveis, que dão carona a votos também da oposição.
Uma das consequências das manifestações de rua que tomaram conta do país, por incrível que pareça, foi o alastramento do peemedebismo no Congresso. Contra tudo e contra todos, o peemedebismo se aproveita da queda na popularidade de Dilma para saborear o prato que se come frio.
É a hora da vingança contra aquela que trata parlamentares a contragosto. Aquela que recebeu um bambolê de presente do então líder do PMDB (hoje, presidente da Câmara) como um recado de que ela precisava aprender a ter jogo de cintura. Aquela que não presta as devidas cerimônias e, ao contrário, quando em vez, os xinga e bate o telefone em suas caras. Aquela que não costuma lhes dar carona em jatinhos. A mesma que defenestrou justo aqueles que melhor representavam o peemedebismo. É agora ou nunca o momento para cobrar todas as faturas atrasadas e vender caro a vaga no palanque para 2014.
Quando as faturas não são pagas regiamente, vem o troco. Medidas provisórias podem caducar, vetos correm o risco de serem derrubados, emendas que limitarão o poder de qualquer presidente podem ser aprovadas e a agenda do Executivo corre o risco de ser tratada como um Judas em sábado de Aleluia. Exemplo disso foi o desprezo absoluto à proposta de plebiscito sobre reforma do sistema eleitoral.
Ao invés de plebiscito, o presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves, montou uma comissão de partidos. Sua coordenação está a cabo do petista mais peemedebista do planeta, Cândido Vaccarezza. Na prática, Alves criou uma nova instância na Casa: a Liderança do PMDB no PT. Graças ao PMDB, Vaccarezza foi agraciado com seu primeiro cargo desde que perdeu a liderança do governo na Câmara.
Para o PT, ficar à testa dos trabalhos da comissão que enterrou o plebiscito é um estrago sem tamanho. Pior ainda é que ela tenha a cara de Vaccarezza, que é o avesso do avesso do avesso de tudo o que seu partido defende sobre reforma do sistema eleitoral. O PT defende com unhas e dentes a lista pré-ordenada (ou lista fechada, com queiram) e o fim do financiamento de empresas às campanhas eleitorais.
Vaccarezza é um defensor do “status quo” das atuais regras que elegem os políticos. Sua visão está exposta no projeto de lei 1.210, de 2007 (confira em http://goo.gl/LWKPI ). Em 2007, estava em curso mais uma das inúmeras tentativas de reforma. Contraditando os argumentos em prol das mudanças, Vaccarezza dizia que “o processo de lista fechada pode ser um instrumento portentoso de barganha no universo de algumas legendas”. Concluímos então que, hoje, graças ao fato de não termos lista fechada, estamos livres da barganha. Assim sendo, por que mudar o que está dando tão certo?
Sobre financiamento de campanha, o argumento é que “deve-se simplesmente fazer cumprir as normas existentes e demandar uma fiscalização mais acirrada no processo eleitoral”. Ironia das ironias, Vaccarezza é também o relator da proposta de minirreforma eleitoral que tem dado a ele (e ao PT, por osmose) a pecha de querer “afrouxar” as regras da prestação de contas de campanhas e diminuir o rigor da Lei da Ficha Limpa.
A leitura da justificativa do PL 1.210/2007 vale a pena ser feita até o fim para que se veja o coveiro-mor da proposta de plebiscito declarar, em 2007, que “devíamos nesta reforma política, conforme diversos países desenvolvidos, fortalecer a democracia representativa através de plebiscitos, referendos e de leis de iniciativas populares”.
Talvez tenha mudado de ideia e chegado à conclusão de que mais vale ser cabeça de PMDB do que rabo de PT.
Antonio Lassance é cientista político e pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). As opiniões expressas neste artigo não refletem necessariamente opiniões do Instituto.
Fonte: Carta Maior
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