Importante
e pleno de atualidade este artigo de Engels, numa altura em que tanto
se fala, por exemplo, nos proventos dos acionistas das empresas cotadas
na bolsa, e nos salários e prémios dos gestores públicos ou privados...
Engels
demonstra aqui de forma clara e sintética como evolui o sistema
capitalista de produção e como este cava de forma inexorável a sua
própria sepultura - não restando outro caminho à sociedade que não seja
desapossar do poder a classe capitalista, exploradora, cada vez mais
parasitária e supérflua.
CLASSES SOCIAIS NECESSÁRIAS E SUPÉRFLUAS
Frequentemente põe-se a questão de
saber em que medida as diferentes classes da sociedade são úteis, ou
mesmo indispensáveis. A resposta é diferente, evidentemente, para cada
período histórico. Houve indubitavelmente um tempo em que a aristocracia
fundiária foi um elemento inelutável e necessário da sociedade. Mas,
isso foi há muito tempo, mesmo muito tempo. Depois veio a época em que a
classe capitalista - a burguesia, como lhe chamam os franceses - surgiu
com uma necessidade igualmente inelutável: ela lutou contra a
aristocracia fundiária, cujo poder político destruiu para conquistar por
seu lado a hegemonia económica e política. Contudo, desde que existem
classes, nunca existiu nenhuma época em que a sociedade pudesse passar
sem a classe operária. O nome e o estatuto social desta classe mudaram: o
servo substituiu o escravo, até que o trabalhador livre o substituiu a
ele (por trabalhador livre, deve entender-se o trabalhador libertado da
servidão e desprovido de qualquer propriedade neste mundo, à excepção da
sua força de trabalho).
Portanto uma coisa é inteiramente
clara: quaisquer que sejam as mudanças que se possam produzir entre as
camadas superiores, não produtivas, da sociedade, nenhuma sociedade
puderam até agora viver sem uma classe de produtores. Uma tal classe é,
portanto, necessária em todas as circunstâncias - mesmo que venha a
haver um tempo em que já não exista sob a forma de classe, mas se
estenda a totalidade da sociedade.
Contudo, que necessidade há hoje em dia para a existência de cada uma destas três classes?
No mínimo é um eufemismo dizer que
na Inglaterra a aristocracia fundiária é uma classe inútil no plano
económico, quando se tornou num cancro que corrói a Irlanda e a Escócia,
cujas terras e campos despovoa. O único mérito que podem reivindicar os
proprietários fundiários da Irlanda e da Escócia é o de provocar fomes
que escorraçam os expropriados para o outro lado do Atlântico ou para
outras paragens, substituindo-os por carneiros ou caça (...)
Mas o que dizer da classe
capitalista, essa classe esclarecida e liberal que fundou o Império
colonial britânico e criou a liberdade britânica; essa classe que
reformou o Parlamento em 1831 (1), aboliu as leis anti-cerealíferas e
reduziu as taxas aduaneiras umas atrás das outras; essa classe que deu
vida às gigantescas empresas industriais, a uma imensa frota comercial e
à rede ferroviária cada vez mais extensa da Inglaterra, e continua a
dirigir tudo isso? Essa classe não é pelo menos tão necessária como a
classe operária, que ela dirige e que conduz de progresso em progresso?
A função económica da classe
capitalista residia efectivamente no facto de ter criado o moderno
sistema das indústrias movidas a vapor e dos meios de comunicação, e de
ter varrido do seu caminho todos os obstáculos económicos e políticos
que travavam ou impediam o desenvolvimento desse sistema. Enquanto a
classe capitalista desempenhou essa função, era indubitavelmente uma
classe necessária, dadas as circunstâncias mencionadas. Mas a questão
consiste em saber se actualmente ela ainda é necessária. Continuará a
desempenhar a sua função específica, que consiste em dirigir e alargar a
produção social em proveito de toda a sociedade? Vejamos isso mais de
perto.
Consideremos, em primeiro lugar, os
meios de comunicação, que representam a infra-estrutura do modo de
produção capitalista. Constatamos que o telégrafo se encontra nas mãos
do governo. Os caminhos-de-ferro assim como uma grande parte dos vapores
de alto-mar não são propriedade de capitalistas individuais, que
dirigem a sua própria empresa, mas sim de sociedades por acções, cuja
gestão está confiada a empregados assalariados os quais são funcionários
que ocupam, sob todos os pontos de vista, a posição de trabalhadores
mais cultos e mais bem pagos que a média.
No que diz respeito aos diretores e
acionistas, ambos sabem perfeitamente que o trust funciona tanto
melhor se os primeiros não se intrometerem na direção da empresa e se
os segundos não se imiscuírem no controle dos negócios. De facto, um
controle muito frouxo e a maior parte das vezes superficial é a única
função que resta aos proprietários da empresa. Deste modo, constatamos
que os proprietários capitalistas destas gigantescas empresas não têm
nenhuma função a preencher além da que consiste em embolsar duas vezes
por ano os seus dividendos. A função social do capitalista passou neste
caso para as mãos de agentes remunerados, enquanto o capitalista
continua a embolsar, sob a forma de dividendos, a remuneração pelas
funções que há muito tempo deixou de exercer.
Mas o capitalista, que o
desenvolvimento das grandes empresas em questão forçou a «retirar-se» da
sua direção conserva todavia uma outra função. Esta consiste em
especular na bolsa com as suas ações. Não sabendo fazer mais nada, os
nossos capitalistas «reformados» - ou mais exatamente: tornados
supérfluos - especulam com ardor nos templos de Mammon. E vão lá com a
deliberada intenção de fazer dinheiro, justificando assim as somas que
saqueiam. Apesar disto, eles afirmam que o trabalho e a poupança são a
origem de toda a propriedade - origem talvez, mas de maneira nenhuma
ponto de chegada! Que hipocrisia fechar algumas pequenas casas de jogo
por decreto da polícia, quando a sociedade capitalista não pode
privar-se de uma gigantesca casa de jogo, onde se ganham e perdem
milhões e milhões, e que representa o seu nervo vital mais importante.
Mas, aqui, a existência do capitalista reformado, proprietário de ações não é somente supérflua, mas também abertamente prejudicial.
O que é verdadeiro para os
caminhos-de-ferro e para a navegação a vapor é-o cada vez mais para
todas as grandes empresas comerciais e industriais. O lançamento de
grandes negócios pela transformação de grandes empresas privadas em
sociedades por ações esteve na ordem do dia durante estes últimos dez
anos e continua a estar. Desde as grandes casas da City de Manchester às
grandes empresas siderúrgicas e minas de carvão do País de Gales e do
Norte de Inglaterra, assim como às fábricas do Lancashire, tudo era ou é
motivo de lançamento de grandes negócios. Quase não resta uma única
fábrica de algodão em mãos privadas em todo o Oldham. Ainda por cima, o
comerciante privado é substituído cada vez mais pelos
armazéns-cooperativas, cuja grande maioria de cooperativas só têm o nome
- mas voltaremos ao assunto noutra ocasião. Tudo isto nos mostra que é
precisamente o desenvolvimento do sistema de produção capitalista que
torna o capitalista tão supérfluo como o tecelão, com esta única
diferença: o tecelão foi condenado a morrer lentamente de fome e o
capitalista, tornado supérfluo, está condenado a morrer lentamente de
superalimentação. Têm só uma coisa em comum: tanto um como o outro não
sabem o que lhes vai acontecer.
Seja como for, o resultado é o
seguinte: o desenvolvimento económico da sociedade moderna tende para
uma concentração cada vez mais forte, para uma socialização da produção
sob a forma de empresas gigantescas que já não podem continuar a ser
dirigidas por capitalistas privados.
Toda a conversa em volta do «golpe
de vista» e dos milagres que este realiza tornam-se puro contra-senso,
quando uma empresa atinge certa dimensão. Imagine-se o «golpe de vista»
no caminho-de-ferro de Londres e do Noroeste! Mas aquilo que o patrão
não pode continuar a fazer, são os operários, os empregados assalariados
da companhia que o podem fazer, e com êxito.
Deste modo, no futuro, o capitalista
não poderá continuar a justificar o seu lucro como «salário de direção
e controle», pois já não dirige nem controla coisa nenhuma. Recordemos
tudo isto, quando os defensores do capital nos martirizam os ouvidos com
essa frase vazia!
No número da semana passada (2), já
nos esforçamos por mostrar que a classe capitalista se tornou incapaz,
além do mais, de dirigir o imenso sistema produtivo do nosso país: por
um lado, a produção adquiriu uma extensão tal que todos os mercados são
periodicamente obstruídos por mercadorias; por outro lado, tornou-se
cada vez mais inapta a enfrentar a concorrência estrangeira. Em suma,
consideramos que não só estamos perfeitamente à altura de dirigir a
grande indústria do país sem a intromissão da burguesia, mas também que a
sua ingerência provoca prejuízos crescentes.
Então nós dizemos-lhe: «Demiti-vos! Dai à classe operária oportunidade de mostrar aquilo de que é capaz!»
* * *
(1) – Trata-se da reforma do direito
eleitoral, aprovada pela Câmara dos Comuns em 1831 e sancionada
definitivamente pela Câmara dos Lordes em Junho de 1832. A reforma
dirigia-se contra o monopólio político da aristocracia latifundiária e
financeira, dando acesso ao Parlamento aos representantes da burguesia
industrial. O proletariado e a pequena burguesia, que constituíram a
força principal na luta pela reforma, foram enganados pela burguesia
liberal e não conquistaram quaisquer direitos eleitorais.
(2) – Engels faz alusão ao artigo intitulado «Algodão e ferro», publicado a 30 de Julho de 1881 no mesmo jornal londrino.
* * *
(Escrito em 1 e 2 de Agosto de 1881 e
publicado como editorial do nº. 14 do diário londrino The Labour
Standard, 6 de Agosto de 1881)
Fonte - PCPT
Publicado na Comunidade Josef Stalin
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