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sábado, 14 de abril de 2012

Síria vive silencio após cessar-fogo

  


Síria
Foto divulgada pelo jornal de oposição ao governo sírio Shaam News Network mostra edifício destruído no distrito Juret al-Shayah, em Homs

Tropas sírias baixaram as armas horas após o cessar-fogo apoiado pela ONU entrar em efeito, no amanhecer de quinta-feira, e um silêncio tomou as ruas das cidades rebeldes que haviam sido fortemente bombardeadas nos últimos dias.

Mas a tranquilidade não convenceu ativistas da oposição e potências ocidentais da boa fé do presidente Bashar al Assad em observar o plano de paz acordado com o enviado internacional Kofi Annan. Em desafio ao acordo, tropas sírias e tanques ainda estavam posicionadas em muitas cidades, afirmaram ativistas à agência inglesa de noticias Reuters.

- Foi uma noite sangrenta. Houve bombardeio pesado na cidade de Homs. Mas agora está calmo e não há tiroteios –  disse Abu Rami, ativista na terceira maior cidade da Síria, após o prazo das 6h (0h horário de Brasília). Ataques a bairros insurgentes tornaram-se mais intensos após Assad aceitar o cronograma de Annan.

O porta-voz do governo Jihad Makdissi disse que a Síria estava “completamente comprometida” com o sucesso do plano de paz de Annan e, como não houve ataques às tropas, “não há razão para quebrar o cessar-fogo”.

Potências ocidentais, apesar de hesitantes em intervir militarmente na Síria, estão fazendo lobby com a Rússia, um aliado essencial de Assad, para abandonar o veto a outras medidas da ONU a fim de pressionar a Síria a abandonar as quatro décadas do regime autocrático da família Assad.

Promessa cumprida
O respeito ao cessar-fogo só foi possível por que os rebeldes pararam os ataques. A promessa foi feita na TV estatal por uma fonte do Ministério sírio da Defesa na quarta-feira. A reportagem não fazia menção à desmilitarização das áreas urbanas, algo que, pelo plano de paz do mediador internacional Kofi Annan, deveria ter começado na terça-feira. E, enquanto a promessa de trégua era transmitida, ativistas relatavam que mais tanques estavam entrando em uma grande cidade.

Sinalizando que mantém seu apoio ao aliado Assad, a Rússia salientou que a trégua na Síria depende também da adesão dos rebeldes armados. Os insurgentes não têm uma estrutura de comando claramente coordenada, mas dizem que vão parar de atirar se as forças governamentais recuarem e a trégua for respeitada.

- O anúncio do Ministério da Defesa é um desvio em relação ao plano de Annan, que claramente diz que ele (Assad) deve retirar os tanques e parar a violência. Vamos esperar até amanhã e ver. Não vamos agir antes de amanhã – disse à Reuters o ativista Qassem Saad al Deen, porta-voz da facção Exército Sírio Livre dentro do país.

Poucos oposicionistas sírios acreditam que Assad tenha a intenção de cumprir o plano de Annan para encerrar o conflito que já dura 13 meses. ”Annan, esse é o seu cessar-fogo”, dizia a irônica narração de um vídeo dos ativistas mostrando um shopping center em chamas na cidade de Homs, após um bombardeio. Disparos de franco-atiradores eram ouvidos ao fundo.

Ativistas dizem que pelo menos 12 pessoas foram mortas na quarta-feira – inclusive uma mulher e uma criança atingidas por bombardeios perto da fronteira com o Líbano. Um ativista na cidade de Hama disse que pelo menos 20 blindados entraram em dois bairros centrais, e um partidário da oposição em Rastan, entre Hama e Homs, afirmou que a cidade passou a sofrer intensos bombardeios depois de o governo sírio anunciar que respeitará a trégua.

Cetismo
As potências ocidentais também duvidam do compromisso de Assad com a trégua, mas não têm uma alternativa viável à disposição, já que China e Rússia obstruem qualquer iniciativa do Conselho de Segurança da ONU que possa abrir caminho para uma intervenção direta. ”Compromissos já foram assumidos repetidamente e violados repetidamente”, disse a jornalistas a embaixadora dos EUA junto à ONU, Susan Rice.

O Conselho Nacional Sírio, principal grupo de oposição, disse que, se Assad não respeitar o cessar-fogo, a comunidade internacional deveria se unir para impor sanções, inclusive um embargo armamentista. ”As chances de que até amanhã o regime implemente ou cumpra o cessar-fogo são fracas, todos nós sabemos”, disse Basma Kodmani, porta-voz do grupo. “Gostaríamos de ver uma decisão unânime dos membros do Conselho de Segurança que mande um ultimato ao regime com um prazo que não seja muito distante e diga que em tal e tal data medidas de cumprimento irão intervir.”

A secretária norte-americana de Estado, Hillary Clinton, informou que iria se reunir na quarta-feira com seu homólogo russo, Sergei Lavrov, para tentar convencer a Rússia – um dos poucos aliados internacionais de Assad – a mudar de postura. ”Vamos tentar novamente convencer os russos de que a situação está se deteriorando e que a probabilidade de um conflito regional e de uma guerra civil está crescendo”, disse ela.

A China manifestou “profundas preocupações” com a violência na Síria, e pediu que todos os lados respeitem o cessar-fogo proposto por Annan, que a chancelaria descreveu como “uma oportunidade rara e importante”.

Em visita ao Irã – principal aliado da Síria no Oriente Médio -, Annan disse que seu plano tem chances de funcionar. “Se todos respeitarem-no, acho que até 6h de quinta-feira devemos ver melhores condições no terreno.”

Guia do conflito
Desde o início dos protestos antigoverno, em março de 2011, o regime sírio vem lançando uma ofensiva contra opositores que, segundo a ONU, já deixou mais de 9 mil mortos no país. Já o governo sírio divulgou em fevereiro sua própria estimativa de vítimas: 3.838, das quais 2.493 eram civis e 1.345 membros das forças de segurança.

A rebelião começou na cidade de Daraa (sul do país), quando 14 crianças foram presas e supostamente torturadas após escrever em um muro um slogan relacionado às revoltas que ocorriam na Tunísia e no Egito. Manifestações que pediam mais democracia – porém não a queda de Assad – foram reprimidas pelas tropas sírias, mas os protestos não só continuaram como se espalharam para todo o país.

Os protestos começaram pedindo mais democracia e liberdades individuais. Porém, quando as forças de segurança abriram fogo contra manifestantes desarmados, a oposição passou a exigir a queda de Assad. O presidente se recusou a renunciar, mas fez concessões para tentar aplacar os manifestantes. Entre elas estão o fim do estado de emergência, que durou 48 anos, e uma nova constituição, que prevê a realização de eleições multipartidárias.

Depois que as manifestações se espalharam por todo o país, opositores e partidos políticos clandestinos formaram a frente antigoverno Conselho Nacional Sírio (CNS), de maioria sunita e apoiada pela Irmandade Muçulmana e que opera fora da Síria. Um segundo grupo, o Comitê de Coordenação Nacional, que age de dentro do país, foi formado por opositores que temem a orientação islâmica do CNS.

Já a oposição armada ao regime é composta por militares desertores que se organizaram no Exército Livre da Síria, que coordena ataques contra as forças de segurança do regime a partir da Turquia.

O regime de Assad concentrou poder econômico, político e militar nas mãos da comunidade alauíta (10% da população). A maioria sunita (74%) se viu excluída e passou a acusar o governo de corrupção e nepotismo. Os protestos antiregime mais intensos vêm ocorrendo sistematicamente em cidades e áreas totalmente sunitas, onde praticamente não há alauítas ou cristãos.

Comunidade
A Liga Árabe inicialmente se manteve em silêncio sobre a crise, mas em novembro de 2011 impôs sanções econômicas à Síria após o país não permitir a entrada de observadores no país. Os observadores foram autorizados um mês depois, mas não conseguiram frear a violência.

Duas tentativas da comunidade internacional de aprovar resoluções contra a Síria no Conselho de Segurança da ONU foram vetadas pela Rússia, que tem fortes laços econômicos e militares com o regime de Assad.

No último mês de março, a Liga Árabe e a ONU nomearam o ex-secretário geral das Nações Unidas Kofi Annan como enviado para negociar um cessar-fogo entre o governo e os rebeldes.

Perdas econômicas
Mesmo antes da revolta, os sírios vinham enfrentando décadas de desemprego e aumento dos preços de alimentos. Sanções da Liga Árabe, da União Europeia e dos EUA prejudicaram os setores de agricultura e de negócios.

O Fundo Monetário Internacional afirmou que a economia da Síria retraiu 2% em 2011 e o valor da moeda local caiu 60% em relação ao dólar. A inflação também aumenta rápido (11% em março), e o desemprego é estimado em 20%.


Fonte: Correio do Brasil

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