Não é tempo para sanções ou tambores de guerra. É tempo para fazer negócios. Um negócio de cada vez. Sem parar nunca
Pepe Escobar,
Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu
(originalmente publicado em Al-Jazeera, Qatar)
O
Irã é, sabidamente, o terceiro maior fornecedor de petróleo para a
China, atrás só da Arábia Saudita e de Angola. O comércio bilateral
ultrapassará 50 bilhões de dólares em 2015. Em junho, a China importou
524 mil barris/dia de petróleo do Irã – quase 40% a mais que em abril.
Vejamos pois como a China respeita as “sanções” contra o Irã.
O
ministro do Petróleo do Irã Rostam Qasemi anunciou que a China
investirá 20 bilhões de dólares – para começar – no desenvolvimento de
dois dos maiores campos de petróleo do Irã: Azadegan (dos maiores do
mundo, com reservas estimadas de 42 bilhões de barris) e Yadavaran (no
Khuzestão, perto da fronteira com o Iraque). São maná, para Pequim, no
longo prazo, esses 700 mil barris/dia de petróleo a mais.
Ao
mesmo tempo, o Paquistão garantiu contratos – sem concorrência – à
Gazprom russa para o gasoduto IP (Irã-Paquistão), projeto que foi
conhecido como IPI (Irã-Paquistão-Índia), antes de a Índia pular fora.
Significa que Moscou ajudará Islamabad a construir o trecho paquistanês
do gasoduto (o trecho iraniano já está pronto).
Adivinhem
quem mais pode associar-se ao projeto? A China, claro. Nesse caso, o
gasoduto IPC estender-se-á do porto de Gwadar, no Mar da Arábia, pela
rodovia Karakoram até Xinjiang, no extremo oeste da China.
Queremos nosso mar, e já!
No
Oleogasodutostão, onde as placas tectônicas vivem em perpétuo
movimento, esses são apenas dois dos recentes desenvolvimentos
estrelados pela China. E são projetos em terra. A coisa fica realmente
espinhosa quando se observa o front marítimo.
A
China tem nada menos que 14 fronteiras terrestres. A maioria das
questões de fronteiras foram satisfatoriamente resolvidas, exceto duas
escaramuças menores que envolvem o Butão e a Índia.
E
a China tem nada menos que 14.500 quilômetros de litoral. No total,
Pequim reclama soberania total ou parcial sobre nada menos que 4 milhões
de quilômetros quadrados de mar. Não surpreende que a regra sejam as
crises – potenciais ou reais. E ainda nem falamos sobre Taiwan.
A
China disputa, com o Japão, as ilhas Diaoyu (Senkaku, em japonês),
próximas de Okinawa, onde há uma base asiática dos EUA, ilhas por isso
mesmo consideradas chaves. Como se pode adivinhar, há aí também um
ângulo que conecta a área ao Oleogasodutostão: um campo de gás onde
podem estar reservas de 200 bilhões de metros cúbicos.
A
China também tem disputas com Taiwan, Vietnã, as Filipinas, Malásia,
Brunei e Indonésia, em torno das ilhas Spratly (Nansha, em mandarim) e o
arquipélago Pratas (Dongsha, em mandarim). E há disputa também com o
Vietnã e Taiwan pelo arquipélago Paracel (Xisha, em mandarim).
Enviados
de 26 nações pacífico-asiáticas e da União Europeia (EU) reuniram-se em
Phnom Penh, Cambodia, para discutir a segurança regional. Mas já antes
de começar a reunião, a China pediu que não se discutisse a confusão
marítima; a posição oficial da China é negociar um desenvolvimento
conjunto das fontes de energia em todas essas áreas em disputa, segundo o
porta-voz Zhang Jianmin.
As Filipinas e o Vietnã
– ambos membros da Association of Southeast Asian Nations
(ASEAN)/Associação das Nações do Sudeste da Ásia (ANSA) –
definitivamente não concordam com o mapa traçado pelos chineses. Querem
construir uma posição para os países ANSA e depois negociar com a China,
como bloco. Faz sentido, se se considerar que virtualmente a metade dos
países membros da ANSA reivindicam partes do mar do dul da China.
Para
se ter ideia do que está em jogo, é possível que, em toda essa área,
haja algo em torno de 30 bilhões de toneladas métricas de petróleo e 16
trilhões de metros cúbicos de gás. Correspondem a, pelo menos, um terço
dos recursos de petróleo e gás da China, segundo a Agência Xinhua.
Já
se observam superposições complexas. Por exemplo, a PetroVietnam quer
que a China National Offshore Oil Corporation (CNOOC) cancele um convite
para que empresas estrangeiras explorem blocos que se sobrepõem com
áreas já entregues à ExxonMobil, à Open Joint Stock Company Gazprom (OAO
Gazprom) russa e à indiana Oil & Natural Gas Co.
E,
seja como for, a ANSA já chegara a um importante acordo antes da
reunião em Phnom Penh, para o que pode ser um código regional de
conduta, cogente e aplicável no mar do sul da China, segundo Albert del
Rosario, secretário de Assuntos Externos das Filipinas.
Na
verdade, ANSA e China já tinham um acordo não cogente há mais de dez
anos. Só têm de sentar e por tudo no papel. Qualquer exploração de
recursos energéticos terá de ser conduzida “passo a passo e baseada em
consenso”. Isso explica por que Pequim não está sendo exatamente
intimidade pelas ameaças da secretária de Estado dos EUA Hillary
Clinton, sobre iminente apocalipse no Mar do Sul da China.
Um passo além da linha
Muito
mais do que com quem explora petróleo e gás no Mar do Sul da China,
Pequim preocupa-se muito seriamente com o acesso de seus navios a águas
internacionais. Normal: 90% do massivo comércio internacional chinês
depende de rotas marítmas.
Pequim quer ser
potência hegemônica incontestada a oeste de uma “linha verde” que vai do
Japão à Malásia passando por Taiwan e Filipinas. O problema aqui é que
os chineses estão em competição direta com a marinha japonesa.
O
próximo passo para Pequim será saltar das águas traiçoeiras do mar do
sul da China para as águas azuis de uma segunda vasta área, que vai do
Japão à Indonésia e passa por Guam – onde deve ser instalada a principal
base aeronaval dos EUA no Pacífico Ocidental.
E é
aí que a coisa aperta realmente – porque é onde entra Taiwan. Taiwan é a
barreira com que os EUA contam para bloquear uma projeção do poder
chinês entre a “linha verde” e a “linha azul”.
O
jogo paralelo é igualmente importante para Pequim, para preservar seus
corredores navais para abastecimento de energia no sudeste da Ásia.
O
primeiro corredor é o Estreito de Malacca – pelo qual transitam os
navios petroleiros de menos de 100 mil toneladas que vêm da África e do
Oriente Médio para o Mar do Sul da China. O segundo corredor, para
superpetroleiros, passa pelos estreitos de Sunda e Gaspar.
O
terceiro, para o petróleo que vem da América do Sul, especialmente da
Venezuela, atravessa águas filipinas. E o quarto é uma rota reserva,
entre os estreitos de Lombok e Makassar, e daí ao largo das Filipinas.
Já
mostrei em outro artigo como a estratégia de energia dos chineses,
extremamente sofisticada, move-se em torno de ultrapassar o que Pequim
considera gargalos-monstros – os estreitos de Ormuz e Malacca. Nada
menos de 80% das importações chinesas de petróleo passam pelo estreito
de Malacca.
Não surpreende que Pequim esteja
multiplicando seus investimentos para abrir vias alternativas. A China
está construindo uma estrada de ferro, como uma Nova Rota da Seda, que
interliga a maioria das nações da ANSA e um oleoduto China-Myanmar que
conecta Sittwe a Kunming, na província de Yunnan; está estimulando a
produção de gás natural no oceano na Tailândia, mas sobretudo em
Myanmar, através de 60 empresas chinesas de petróleo; e está construindo
um canal pelo istmo de Kra, no sul da Tailândia.
Por
tudo isso, há poucas coisas mais importantes para o governo coletivo em
Pequim, nesse universo, que esses quatro corredores. Devem ser mantidos
em perfeita segurança (se necessário, à moda chinesa). Os estrategistas
chineses têm simulado todas as espécies de pesadelos navais que EUA,
Japão, Índia ou todos esses juntos possam tentar inventar.
Uma
das consequências desse estado de coisas é a implantação do que os
estrategistas norte-americanos chamam de “o colar de pérolas” – série de
bases permanentes chinesas por todo o Oceano Índico: Marao, nas
Maldivas; Gwadar no Paquistão; as ilhas Coco em Myanmar; Chittagong em
Bangladesh. E acrescentem à lista Port Sudan, na África Oriental.
Esse
frenesi naval levou a um inevitável boom na indústria de construção de
navios na China, do Mar Amarelo ao Mar do Sul da China. Mediante duas
empresas gigantescas – a China State Shipbuilding Corporation (CSSC) e a
China Shipbuilding Industry Corporation (CSIC), o Império do Meio, em
2020, será o maior estaleiro do planeta.
Nem
seria preciso dizer que, como consequência disso tudo, os relatórios
anuais do Pentágono sobre o poder militar chinês ganham tons cada vez
mais alarmistas.
Que baita, baita, baita gás!
Pequim,
é claro, está extremamente preocupada com a crise na eurozona. O Banco
Central acaba de baixar os juros. Haverá mais um pacote de estímulos –
no mínimo, $320 bilhões –, para aumentar o consumo interno. O país
talvez cresça “só” 7,5% em 2012.
Mas a expansão
não para nunca. O premiê Wen Jiabao acaba de propor um acordo comercial
entre a China e o Mercosul – o Mercado Comum Latino-americano. Cataratas
de energia, vinda de todos os cantos – Sibéria, Ásia Central, Irã,
Oriente Médio, África, América do Sul – têm de continuar a jorrar, para
manter ativo o dragão mercantilista.
Por tudo
isso, investir bilhões no Irã e promover a exploração conjunta da
energia no mar do sul da China são, para Pequim, medidas óbvias de
desenvolvimento. Não é tempo para sanções ou tambores de guerra. É tempo
para fazer negócios. Um negócio de cada vez. Sem parar nunca.
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