No balneário uruguaio de La Pedrera (228 km de Montevidéu), a delegacia de polícia local convive com uma loja vizinha que já virou ponto turístico por vender acessórios para o consumo da maconha e até camisetas com mensagens sobre o consumo da droga. Com uma folha de cannabis como logotipo, a Yuyo Brothers (algo como Erva Brothers) funciona desde 2002.
Hoje ela é um ícone da postura
liberal de parte da sociedade uruguaia. Cidadãos que o presidente José
Mujica tenta agradar com uma proposta para legalizar a maconha e tornar a
sua produção e comercialização atribuições do Estado.
A Yugo Brothers já foi revistada durante uma
operação policial. Os agentes da lei encontraram apenas papéis para
enrolar cigarros, "pipes" - cachimbos típicos dos usuários do
entorpecente - e uma grande diversidade de roupas com as mais diversas
mensagens de apreço à maconha. Porém, a droga não foi encontrada no
local e por isso nada aconteceu.
"Não existe o delito de apologia (ao crime) aqui
(no Uruguai), nem se criminaliza o consumo. Assim que não podemos ser
enquadrados em nenhuma lei", disse Juan Tubino, de 35 anos, um dos
proprietários do estabelecimento.
Debate
No Uruguai, consumir maconha não é crime, mas
comercializá-la ainda é. Projetos de lei que tramitam no Congresso
tentam descriminalizar também o plantio do tóxico.
Contudo, a proposta de Mujica para tornar a legislação do país ainda mais liberal começa a perder apoio.
Uma pesquisa divulgada pela consultoria Cifra nesta semana indica que 66% dos uruguaios são contra a legalização.
O resultado foi publicado pouco depois de o
presidente relativizar sua proposta inicial dizendo que só a levaria
adiante se "pelo menos 60% da população" a apoiasse.
Entre os consultados, 24% disseram estar a favor
da legalização do comércio da droga e 10% não quiseram opinar. A margem
de erro máxima é de três pontos porcentuais.
O projeto de Mujica ainda não foi apresentado formalmente ao Congresso.
Para a semana que vem, o governo espera a visita
de uma delegação da Junta Internacional de Fiscalização de
Entorpecentes (Jife), a quem informará sobre a proposta.
A ONU havia considerado o projeto presidencial
uma "violação" à Convenção das Nações Unidas sobre Drogas, que adota a
política da "guerra aos entorpecentes".
De acordo com o secretário da Presidência,
Alberto Breccia, estão sendo estudadas "em profundidade" legislações
como a holandesa. O objetivo seria saber "de que modo esses países
chegaram a soluções que não violam tratados internacionais aos que
também aderem".
Filial
Bem-sucedida, a Yuyo Brothers já abriu uma filial na capital, Montevidéu.
"Desenhamos, confeccionamos e vendemos roupas.
Aos poucos fomos importando materiais para consumo de maconha. Há outras
lojas no Uruguai, mas creio que nós somos os que tratam mais
explicitamente o que vendemos”, disse Tubino.
A filial não perde para sua sede praiana: está
situada a um quarteirão de distância da sede da polícia da capital.
"Pura coincidência", diz o proprietário, entre risos.
Ele afimou que o projeto presidencial não o convence – "É necessário tomá-lo com cautela", afirmou.
Tubino disse acreditar mais em um projeto anterior, que visa legalizar o plantio da droga.
"É mais produtivo, possibilita a existência de
lojas e, além disso, vai ocupar o tempo de muita gente, vai gerar
trabalho. Seria um produto agrícola a mais."
Se o projeto for aprovado, ele pretende plantar
cannabis. "Dois holandeses já me visitaram, querendo me vender sementes e
tudo o mais."
Propostas
Enquanto Mujica debate sua proposta, tramitam no
Congresso dois outros projetos, mais antigos, que descriminalizam o
cultivo da maconha para uso próprio.
Um é de Luis Lacalle Pou, deputado do opositor
Partido Blanco, e outro de Sebastián Sabini e Nicolás Núñez, deputados
da coalizão governista Frente Ampla.
Essa normativa – que conta com apoio de
parlamentares de outros partidos da oposição, como o Colorado - teve
origem na preocupação em se estabelecerem parâmetros equânimes no
tratamento da questão, segundo afirmou Sabini à BBC Brasil.
Segundo ele, as penas aplicadas para pessoas
flagradas comprando a droga ou a cultivando em casa dependem da origem
social do suspeito e de suas possibilidades de pagar um advogado.
"Por isso se criam injustiças, se termina punindo jovens que são consumidores, e não traficantes."
Sabini afirmou que seu projeto pode terminar com a "insegurança jurídica" dos consumidores.
Em linhas gerais, a proposta estabelece a
quantidade de cannabis que pode ser plantada para consumo próprio e que
pode ser portada em via pública.
A quantidade estabelecida (de oito plantas) é
considerada a habitual para fins de consumo pessoal. Segundo a proposta,
estarão livres de punição o plantio o cultivo e a colheita dos frutos
da planta. Para o porte na rua a quantidade a ser liberada será de 25
gramas por pessoa.
"O objetivo do projeto é também reduzir o
narcotráfico em escala internacional, já que será muito simples produzir
maconha dentro de casa ou em um clube de consumidores, e essa maconha
não terá em sua origem o mercado negro com todas as suas consequências
negativas", diz Sabini.
BBC Brasil
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