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terça-feira, 10 de julho de 2012

O novo rosto da esquerda paraguaia

 


Depois do golpe parlamentar que destituiu Fernando Lugo da presidência paraguaia, Mario Ferreiro (foto), apresentador de televisão muito conhecido no país, mantém a sua candidatura pela coalizão de esquerda e pede pragmatismo e rapidez frente a um novo cenário político. Se for eleito candidato pela Frente Guazú, Ferreiro deverá competir com o mais provável vencedor das eleições primárias liberais, Blas Llano (presidente do partido), e o homem que mais ressoa entre os colorados, o pecuarista Horacio Cartes. A reportagem é de Mercedes López San Miguel, do Página/12



(*) Artigo publicado originalmente em português no IHU Online.

Olhando para a câmera e com a música Let it Be de fundo, o apresentador do seu programa de TV da manhã de um canal privado do Paraguai se dirigiu sem rodeios à sua audiência: "Depois de 32 anos do ingresso nestes estúdios para ser alguém na mídia, me despeço para aceitar a generosa oferta de apresentar uma pré-candidatura à presidência".

Quem falava nesse dia, 9 de abril passado, era Mario Ferreiro, um rosto tão conhecido no Paraguai como o de Fernando Bravo na Argentina. "As pessoas sabem quem eu sou: um cidadão comum com um pensamento de esquerda", dizia ele, enquanto passavam imagens suas com um semblante mais jovem do que os seus atuais 52 anos.

Há apenas três meses, Ferreiro se postulava como um dos seis candidatos da Frente Guazú (Guazú significa "grande"), um conglomerado de esquerda ao qual pertence Fernando Lugo, o presidente destituído. Hoje, esse homem das mídias mantém a sua candidatura e pede pragmatismo e rapidez frente a um novo cenário político. "A Frente Guazú deve reorganizar todas as suas forças progressistas. Antes, tínhamos um projeto de aliança com o Partido Liberal Radical Autêntico, mas ele nos traiu e por isso estamos em busca de ampliação com bases sociais e sindicais", assinala, de Assunção.

A estratégia dos movimentos e dos agrupamentos de esquerda é a de chegar a um consenso de uma lista única no Senado encabeçada por Lugo. O ex-apresentador de TV recomendou aos seus correligionários que, por falta de tempo, seja Lugo e uma equipe de quatro pessoas que decidam o candidato presidencial. Isso no caso de que Lugo, finalmente, não seja restituído ao cargo, possibilidade que o ex-mandatário rejeitou.

A esse respeito, Ferreiro vê pela frente um caminho com armadilhas: "Os mesmos parlamentares que o mandaram embora teriam que votar a sua restituição. Os recursos que apresentamos frente à Justiça ordinária foram amplamente rejeitados. Vamos continuar lutando em outros níveis, por exemplo junto à Corte Interamericana de Direitos Humanos".

Há 15 dias, uma maioria de legisladores liberais, colorados e oviedistas condenou Lugo em um julgamento expresso a deixar a cadeira presidencial, acusando-o de mau desempenho de funções e responsabilizando-o por um enfrentamento entre agricultores e policiais que deixou 17 mortos, cuja investigação ainda não indicou responsáveis.

Ferreiro, assim como o ex-bispo no momento de tornar oficial a sua candidatura, não conta com uma trajetória política. Suas ideias políticas remontam ao Partido Revolucionário Febrerista (socialista). O nome dessa formação se refere à Revolução de Fevereiro de 1936, que abriu caminho para o governo de Rafael Franco, em que foram aprovadas leis sociais como a jornada de trabalho de oito horas e se anularam aquelas que restringiam a atividade política e sindical.

Hoje, o que se agarra à presidência é outro Franco: Federico. Ele nunca dissimulou, sentado no banco de vice-presidente, o seu desejo de ocupar o cargo de Lugo. Ele o enfrentou desde o começo. E assumiu em seu lugar para evitar uma guerra civil, segundo disse com hipocrisia. É a estratégia de gerar medo. Ferreiro afirma que os paraguaios temem que se repitam as histórias de violência. Isso explicaria por que Lugo acatou a decisão do Congresso sem mais e por que se veem poucos focos de resistência das bases sociais.

"O Paraguai tem tido uma tradição de guerras civis e de golpes de Estado que está instalada no inconsciente coletivo. Viemos de avós e de pais que falam de matanças entre irmãos. É muito difícil pedir às pessoas que se manifestem sem sentir aquele antigo medo das grandes repressões", afirma Ferreiro, e acrescenta:" Por outro lado, há uma apatia generalizada a toda atuação política. Nas pesquisas, constata-se que as pessoas acreditam que, venha quem vier, tudo vai ser igual".

Como símbolo desses tempos, um dos lugares onde sim houve manifestações em apoio ao presidente destituído foi na sede da Televisão Pública. "As pessoas entenderam que era um espaço para defender frente à concentração dos meios", destaca Ferreiro. "Mas ela já está nas mãos dos golpistas, e, pouco a pouco, eles irão modificando a programação para uma menos comprometida".

Ferreiro, apresentador de televisão que conhece a cozinha dos meios privados, assinala o potencial do canal do Estado: uma emissora que estava há apenas um ano no ar e que rompia com o relato massivo de desqualificação contra Lugo que os setores de direita propunham. Ferreiro diz que estabeleceu uma posição de apoio ao processo liderado por Lugo a partir de dentro dos meios de comunicação corporativos privados. Ele também foi colunista do jornal conservador ABC Color. A partir desses espaços, ele disse que respeita o processo político da Venezuela, sendo que Chávez há muito tempo se tornou uma obsessão da direita paraguaia.

Ferreiro propõe uma lei dos meios de comunicação como a da Argentina. "É o debate que teria que acontecer no Paraguai: a única forma de contestar a esse relato massiço de um único setor é democratizando os meios. Se estamos cada vez mais longe dessa discussão? Não acredito. Há um setor da população que vai votar nas propostas progressistas e vai permitir que esse debate chegue ao Parlamento".

O ex-comunicador é o melhor posicionado na eleição interna da Frente Guazú, que compartilha com Miguel López Perito, ex-chefe de gabinete; Esperanza Martínez, ex-ministra da Saúde; Fernando Camacho, presidente do partido Encuentro Nacional; Luis Bareiro Spaini, ex-ministro da Defesa; e Sixto Pereira, senador do movimento Tekojoja. Uma pesquisa da consultoria Ati Snead, publicada pelo jornal Ultima Hora no da 29 de maio, mostrou que Ferreiro liderava as preferências com 42,7% de apoio, enquanto López Perito se localizava em segundo lugar, com 7,1% de respaldo.

As autoridades do Tribunal Superior de Justiça Eleitoral afirmaram nesses dias que as eleições previstas para abril de 2013 não serão postergadas. Se for eleito candidato pela Frente Guazú, Ferreiro deverá competir com o mais provável vencedor das eleições primárias liberais, Blas Llano (presidente do partido), e o homem que mais ressoa entre os colorados, o pecuarista Horacio Cartes.

Tradução: Moisés Sbardelotto

Fonte: Carta Maior

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