Waldo Mendiluza
Granma
Neste ano, a Caravana da Amizade Estados Unidos-Cuba completa duas décadas de ação solidária e desafio ao bloqueio imposto por Washington à Ilha, há mais de meio século. Conhecida popularmente como a Caravana dos Pastores pela Paz, a partir do papel desempenhado por essa entidade religiosa norte-americana na organização, coleta e transferência da ajuda humanitária para a nação caribenha, está em andamento a 23a edição desta iniciativa de desafio ao poder imperial de Washington.
Após percorrer 80 cidades dos Estados Unidos, ativistas desse país, junto a cidadãos da Alemanha, Canadá, México e Reino Unido trazem à Ilha meios destinados, entre outros setores, à saúde e à educação, dois dos mais abalados pelo bloqueio. Cadeiras de rodas, medicamentos, equipamentos de primeiros auxílios, material escolar e implementos esportivos são alguns dos produtos doados por comunidades do país do norte para Cuba, onde o cerco imposto pela Casa Branca deixou perdas superiores aos US$ 975 bilhões, segundo dados oficiais.
Dezenas de toneladas de artigos de alta demanda na sociedade chegaram graças ao projeto fundado, em 1992, pelo reverendo estadunidense Lucius Walker, que morreu em setembro de 2010.
A nova edição da Caravana da Amizade permitirá, precisamente, render homenagem a Walker e a outros ativistas, que protagonizaram, durante as duas últimas décadas, o empenho de romper o bloqueio norte-americano.
"Trata-se dum projeto de sólida inspiração cristã e evangélica, embora arraste pessoas de boa vontade, independentemente de suas crenças religiosas", destacou em declarações à Prensa Latina Joel Suárez, coordenador-geral do Centro Memorial Martin Luther King, uma das entidades vinculadas em Havana aos caravanistas.
"Quando o reverendo Walker começou as caravanas, seu propósito era superar o entramado de leis e regulações, que formam o bloqueio estadunidense contra Cuba, uma política antievangélica e agressiva com um severo impacto social na Ilha", disse.
"Não queriam pedir licença, porque eles (Pastores pela Paz) cumpriam um dever evangélico e cristão, um mandato divino de Deus, e nada podia impedir o objetivo de trazer ajuda humanitária a um país assediado", apontou.
Devido ao bloqueio, no território estadunidense, não pode ser realizada ação alguma a respeito de Cuba - como viagens, trocas e outras - que não impliquem a emissão duma licença do Gabinete de Controle de Ativos Estrangeiros (OFAC, por suas siglas em inglês).
Cravanas da amizade, a história
A entidade Pastores pela Paz nasceu em 1988, como um projeto da Fundação Inter-religiosa para a Organização Comunitária (IFCO, por suas siglas em inglês) em resposta à agressividade na América Latina, e em particular na América Central, da administração do presidente estadunidense Ronald Reagan.
O então diretor da IFCO, Lucius Walker, foi ferido junto a outras 28 pessoas, e duas perderam a vida, durante um ataque terrorista contra a Revolução Sandinista na Nicarágua, em 2 de agosto de 1988. Um dia depois, Walker criou os Pastores pela Paz, organização que teve na própria Nicarágua suas principais atividades de desafio à política de ingerência de Washington na região.
Desde aquele momento, as caravanas constituíram uma das principais ações da entidade religiosa, a primeira delas na véspera do Natal de 1988, para levar ao povo nicaraguense 18 veículos e 70 toneladas de ajuda humanitária.
Após a derrota dos sandinistas, nas eleições de 1990, Pastores pela Paz dirigiu suas iniciativas pacifistas e de solidariedade a Cuba, país vítima da agressividade da Casa Branca, postura expressa num bloqueio econômico comercial e financeiro, evidente quase a partir do próprio triunfo da Revolução, em 1o de janeiro de 1959.
Em 1992, começaram as Caravanas Estados Unidos-Cuba, projeto contra o bloqueio, materializado em coordenação com o Instituto Cubano de Amizade com os Povos (ICAP).
Uma centena de caravanistas levaram à Ilha, em seu primeiro périplo, 15 toneladas de artigos, como leite em pó, medicamentos, bíblias, bicicletas e material escolar. Lideradas pelo pastor Walker, as caravanas retornaram com uma frequência quase anual e, às vezes, até mais de uma vez em 12 meses, com sua ajuda solidária.
A resposta do governo dos Estados Unidos foi reter carregamentos ou obstaculizar sua chegada a Cuba, além das ameaças de multa aos ativistas.
Greves de fome, manifestações e a solidariedade dentro da própria nação do norte e na comunidade internacional obrigaram Washington, uma e outra vez, a permitir a passagem dos caravanistas estadunidenses, aos quais, com o tempo, aderiram pessoas do Canadá, México e a Europa.
Pastores pela paz, o compromisso
Para Joel Suárez, os Pastores pela Paz representa uma prova de compromisso com as causas justas e de apego aos princípios evangélicos.
Nesse sentido, lembrou momentos vividos pelos caravanistas em sua luta por desafiar o bloqueio dos Estados Unidos contra Cuba e revelar o impacto da política de bloqueio norte-americano na sociedade da Ilha caribenha.
"Vêm à minha mente - expôs - as semanas de greves e protestos, de 1993 e 1996, quando o governo estadunidense ocupou um dos ônibus escolares e computadores incluídos nas doações para Cuba".
Durante a caravana de 1993, oficiais do Departamento do Tesouro confiscaram um ônibus amarelo, no cruzamento fronteiriço de Laredo, Texas, sob o argumento de que "Fidel Castro podia utilizá-lo como um veículo militar".
Os 13 ativistas a bordo desse ônibus decidiram ficar nele até sua libertação, começando uma greve de fome que durou 23 dias.
Uma mobilização internacional em 20 cidades, ligações e mensagens a Washington e um protesto em frente da Repartição de Interesses de Havana conseguiram a devolução do veículo.
Três anos depois, a sexta caravana transportou 400 computadores destinados a potencializar em Cuba uma rede para a troca entre médicos e especialistas da saúde.
O governo dos Estados Unidos confiscou, nas fronteiras de San Diego, todos os equipamentos, medida que gerou novos protestos dos ativistas e a solidariedade com sua causa.
As ações de recusa à confiscação dos computadores se moveram de San Diego a Washington D.C, até que, 94 dias depois, as pressões sobre as autoridades do norte obrigaram à entrega desses meios.
"Walker e outros membros de Pastores pela Paz mostraram uma grande firmeza a qual, inclusive, custou, de maneira direta ou indireta, a vida de alguns ativistas, vítimas das sequelas das greves", assinalou Suárez.
Para o coordenador do Centro Memorial Martin Luther King, o reverendo e seus companheiros merecem uma homenagem permanente, por sua solidariedade e defesa de princípios cristãos, como a misericórdia e a solidariedade, acima de qualquer barreira humana.
"Temos hoje em Cuba testemunhas viventes da presença permanente de Lucius Walker e daqueles que o seguiram e seguem nas caravanas de Pastores pela Paz", expôs.
"Os ônibus escolares amarelos - trazidos pelos Pastores - com seus graffitis, cores e consignas são uma testemunha vivente do desafio a essa política antievangélica representada pelo bloqueio", sentenciou.
Foto: O desaparecido reverendo Lucius Walker cumprimenta o comandante-em-chefe Fidel Castro, após protagonizar uma das ações de desafio das Caravanas da Amizade EUA-Cuba.
Pravda.ru
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