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por François-Alexandre Roy, Asia Times Online,
http://www.atimes.com/atimes/Middle_East/NG06Ak01.html
Quem assista às televisões e leia os
jornais da mídia ocidental, só conhecerá a narrativa, repetida
diariamente, segundo a qual a Síria estaria envolvida num levante
democrático que seria extensão da Primavera Árabe. A verdadeira história
é absolutamente outra.
Os sírios que exigem reformas ditas
democráticas não são maioria significativa no país, como eram na Tunísia
ou no Egito. Além disso, nem todos os ‘combatentes da liberdade’, entre
os quais o Exército Sírio Livre, são sírios.
EUA e al-Qaeda: dessa vez, são aliados
Houve muitas notícias segundo as quais
as forças da ‘oposição síria’ seriam um cadinho de diferentes
ideologias, de curdos separatistas a membros da al-Qaeda. Sabe-se que há
soldados da Al-Qaeda entre as forças de oposição na Síria, como há
também mercenários vindos diretamente da “Revolução Líbia” – outro bom
exemplo de golpe de estado tratado como se fosse parte de alguma
Primavera Árabe, pela imprensa-empresa ocidental.
No início no levante na Síria, Ayman
Al-Zawahiri, líder máximo da al-Qaeda, convocou diretamente combatentes
da al-Qaeda e mercenários sunitas, para juntar-se às forças de oposição
na Síria. Assim sendo, é bem evidentemente claro que EUA, al-Qaeda,
países do Conselho de Cooperação do Golfo (CCG) e a Organização do
Tratado do Atlântico Norte (OTAN) estão hoje todos do mesmo lado,
aliados, no conflito sírio – tentando um golpe de estado na Síria, sem
qualquer preocupação com o futuro da Síria, depois de derrubado o
governo de Bashar al-Assad.
O jogo da Turquia
O Conselho Nacional Sírio e o Exército
Sírio Livre tampouco estão integrados, e nem sempre lutam do mesmo lado.
Contudo, além de derrubar o estado policial de Assad, lhes caberia
traçar algum plano coerente para o futuro da Síria pós-revolucionária.
Mas o Conselho Nacional Sírio e o Exército Sírio Livre têm um importante
traço comum: ambos são pesadamente apoiados pela Turquia, que conta com
vir a ocupar lugar de mais destaque na região.
Abdulbaset Sieda, o presidente
sírio-curdo do Conselho Nacional Sírio, foi acusado por outros grupos
curdos de só representar a agenda do governo turco – inimigos de muito
tempo das populações curdas na região. O quartel-general e os campos de
treinamento do Exército Sírio Livre são localizados na província de
Hatay, sul da Turquia; foram ali instalados por forças especiais do
Qatar. Através da Turquia, o Exército Sírio Livre também recebe armas
(que foram usadas na Líbia); e, da OTAN, recebe equipamento de
tecnologia avançada, para comunicações.
Já há algum tempo, a Turquia trabalha
para ampliar seu espaço de ação e influência no Oriente Médio. Com uma
‘revolução democrática’ acontecendo junto à sua fronteira leste, os
turcos logo procuraram estimular a revolta, na esperança de vir a
construir laços fortes com quem vier a governar a Síria, seja governo
democrático ou ditador novo. Bom meio pelo qual a Turquia pode começar a
construir laços com o futuro governo na Síria é apoiar a causa da
‘mudança de regime’ desde o início, inscrevendo-se entre as forças que
tenham ajudado a derrubar Assad.
Dia 22/6, a força aérea síria abateu um
jato de combate F-4 turco, que, como diz a Síria, invadiu águas
territoriais sírias. Além de reforço na presença militar turca na
fronteira leste com a Síria, nada mais resultará desse incidente, porque
a Turquia errou ao invadir águas territoriais sírias.
Mas, ao derrubar o Phantom turco, o
exército sírio mostrou que suas capacidades de defesa antiaérea estão
instaladas e operantes. É o que basta para tornar impraticável qualquer
coisa semelhante à tal “zona aérea de exclusão” que abriu caminho para o
golpe contra a Líbia. É possível que muitos ainda insistam em outras
explicações para o “incidente” com o F-4 turco; nenhum jornal ou
noticiário de televisão ocidental noticiará o fato: os turcos foram
apanhados em operação de espionagem, tentando recolher informação sobre
as defesas antiaéreas sírias; é sinal claro de que há planos para outros
tipos de agressão à Síria.
A empresa-imprensa ocidental
O modo como a empresa-imprensa ocidental
apresenta os eventos que se desenrolam na Síria é o melhor indicador de
que há um golpe em curso contra a Síria, chamado sempre “mudança de
regime”. O ‘analista’, o ‘comentarista’ ou o ‘jornalista’ sempre só vê
metade do fato, e sempre a metade que mais ajude a justificar e promover
a agenda de ‘mudança de regime’ da grotesca coalizão de forças que,
hoje, estão atacando a Síria: EUA e Turquia (dentro da OTAN),aliados da
al-Qaeda e do Conselho de Cooperação do Golfo.
Basta analisar o modo como a
empresa-imprensa ocidental está cobrindo os desenvolvimentos do conflito
na Síria, para ter certeza de que o que está em andamento na Síria nada
tem a ver com Primavera Árabe e já é guerra civil provocada e
‘arrastada’ para dentro do território sírio. Absolutamente nenhum
jornal, jornalista, especialista ou autoridade entrevistada nos veículos
de mídia faz qualquer referência ao povo sírio ou a demandas dos
próprios sírios. Todas as ‘matérias’ e ‘noticiários’ são carregados de
imagens de bombardeios e matanças, sempre imediatamente declaradas ações
criminosas do regime Assad. Mas sem qualquer tipo de prova.
O mais recente massacre, acontecido em
Houla, é bom exemplo do tipo de ação de guerra operado por jornais e
jornalistas, contra a Síria: sem qualquer tipo de confirmação ou prova,
as imagens que chegaram ao ocidente foram imediatamente identificadas
como efeito da ação das forças de Assad. A BBC chegou a exibir imagem de
centenas de cadáveres envolvidos em mortalhas brancas, identificados
como vítimas do massacre em Houla. Não. Era foto feita no Iraque, em
2003, pelo fotógrafo Marco di Lauro...
À guisa de legenda, em letras
convenientemente microscópicas, a BBC notificava que “Essa imagem – que
não pôde ser verificada – parece mostrar cadáveres de crianças mortas no
massacre de Houla, à espera de serem enterrados.” A história
espalhou-se pelo mundo, como argumento que comprovaria a crueldade do
regime sírio, induzindo a opinião pública a aprovar alguma espécie de
intervenção militar, para finalidades ‘humanitárias’, contra a Síria.
Pouco depois, o autor da fotografia
manifestou-se, o ‘jornalismo’ foi denunciado como fraude, e afinal
noticiou-se que os reais autores do massacre haviam sido membros do
Exército Sírio Livre fantasiados de shabiha (grupos de
mercenários); e os mortos eram manifestantes sírios pró-Assad, cujas
manifestações não recebem qualquer atenção dos ‘jornalistas’, jornais,
comentaristas de televisão e colunistas e receberam tratamento
diferente: a correção não foi tão amplamente divulgada quanto a notícia
errada (ou propositalmente falsificada).
E onde se veem, no ‘jornalismo’ das
empresas de imprensa ocidental, imagens dos protestos pacíficos? Não há
notícias, porque não há qualquer tipo de levante democrático ou
Primavera Árabe na Síria, como dizem as empresas de imprensa no
ocidente. O que há na Síria é guerra civil, na qual os ‘rebeldes’ são
‘importados’, não representam qualquer tipo de maioria da população e
não estão absolutamente unidos sob qualquer tipo de plataforma política;
absolutamente não se sabe por que, afinal, tanto lutam para derrubar o
regime de Assad.
Mais provas disso se veem nos confrontos
sectários que irromperam no norte do Líbano. Toda e qualquer prova da
guerra civil na Síria é censurada pelas empresas de imprensa ocidentais,
porque não ajudariam a promover a causa do golpe contra Assad (‘mudança
de regime’). A opinião pública tem de ser convencida de que o golpe não
é golpe; que há “boas razões” para uma ‘mudança de regime’.
Se o regime de Assad for afinal
derrubado, será má notícia para o Irã e para o Hezbollah. O Irã estará
cercado por “postos avançados” dos EUA em estados hospedeiros, a partir
dos quais os EUA poderão, afinal, começar a atacar o regime iraniano: é o
sonho, há vários anos, do complexo militar-midiático-industrial
representado no Congresso dos EUA pelos neoconservadores dos dois
principais partidos.
Mas, se houver ataque militar pelos
exércitos dos EUA/OTAN para ‘libertar’ o povo sírio, como ‘libertaram’ o
povo líbio ao preço de destruir a Líbia, acontecerá na Síria o que não
aconteceu nem na Líbia, pelo menos até agora: guerra civil sem prazo
para acabar, mais sangrenta do que se viu até agora. E que permanecerá
absolutamente ocultada pelos jornais, ‘jornalistas’ e empresas de mídia
do ocidente.
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