POR MARINA DIAS
DE ASSUNÇÃO
 
Quando abriu o pesado portão de ferro de sua residência na manhã daquele sábado, 30 de junho, Miguel López Perito estava muito bem-humorado. De sapato social, calça jeans e uma camisa listrada em verde e amarelo, o ex-secretário-geral da Presidência do Paraguai sentou-se e acendeu vagarosamente um cigarro.
 
No meio de seu belo jardim, com mesas e livros espalhados ao ar livre, Perito recebeu a reportagem de Terra Magazine para uma entrevista de pouco mais de uma hora. Antes mesmo de qualquer pergunta ter sido feita, disparou: "Eles tentaram esse golpe mais de vinte e quatro vezes. Vinte e quatro! Agora, mudei de chefe e quem manda em mim é a minha mulher". E soltou uma gargalhada.
 
López Perito era o homem forte do ex-presidente paraguaio Fernando Lugo, destituído do cargo no último dia 22 de junho, quando o vice-presidente, Federico Franco, assumiu o Palácio dos López, após aprovação do impeachment pelo Congresso. Segundo Perito, o governo do qual fez parte não foi pego de surpresa pela acusação dos parlamentares, ao contrário, cometeu "vários erros políticos estratégicos" que contribuíram – e muito – para a destituição do ex-presidente.
 
"Não fomos surpreendidos [...] Mas o governo Lugo não realizou ações de precaução para evitar o golpe. Faltou experiência política ao presidente. Lugo falhou como político e como estadista”, avalia o ex-secretário geral.
 
Acompanhado da mulher, Rocio Ortega, funcionária do Ministério da Cultura e com quem dividiu três cigarros em menos de uma hora, o número dois de Fernando Lugo conta os bastidores do processo que terminou com a deposição do ex-presidente. Além disso, Perito faz críticas à postura do aliado e arrisca uma previsão: "Vai demorar muito tempo para que Lugo ou qualquer nome progressista paraguaio volte ao poder nesse país".
 
Confira a seguir os principais trechos da entrevista
 
Terra Magazine – O presidente Fernando Lugo sofreu impeachment a nove meses de concluir o mandato. Por que o processo aconteceu nesse momento?
López Perito – Desde o início, a perspectiva do Partido Liberal (aliado do governo na figura do vice-presidente Federico Franco) era tirar Fernando Lugo do poder. Inicialmente, os liberais ficaram com a maior parte do governo, com ministérios importantes, como o da Agricultura, Justiça, e com cargos na Usina de Itaipu, mas reclamavam ainda por mais espaço. Lugo começou a substituí-los por pessoas do Partido Colorado (força política que governou o país por 60 anos, até 2008, com a vitória de Lugo) e, então, a situação se complicou. O Partido Liberal reivindicou a cabeça de chapa nas eleições em 2013 e Lugo não aceitou. Mais uma vez, procuraram o momento certo para dar o bote e, com o clima de tensão quanto a 2013, a imprensa contra Lugo, e o episódio de Curuguaty, onde camponeses e policiais morreram num sangrento conflito por terra, criaram a atmosfera ideal, já que a culpa caiu sobre Lugo.
 
Então o governo Lugo não foi pego de surpresa? Os senhores já estavam recebendo sinais de que, a qualquer momento, poderiam ser tirados do Palácio de López?
Não fomos surpreendidos. Colorados e liberais estavam cada vez mais motivados para começar um processo para tirar Lugo do poder. Havia um boicote geral no Congresso, que não aprovava os projetos do governo. Todos entraram nesse golpe: colorados, liberais e partidos minoritários. Havia um processo se desenvolvendo há tempos, mas Lugo não realizou as ações de precaução para evitar o golpe. Faltou experiência política ao presidente. Lugo falhou como político e como estadista.
 
Falhou em qual sentido?
Ele não cedeu quando tinha que ceder a aliados, não teve iniciativa para o diálogo com setores insatisfeitos, enfim. Lugo espera muito para tomar uma decisão, para trocar um ministro problemático, por exemplo. Esse era seu jeito de governar. Em junho, trocou o ministro do Interior, Carlos Filizzola, por um colorado. Foi um erro político grave, porque os liberais queriam o cargo.
 
O senhor acredita que o Congresso aguardou o ex-presidente estar curado do câncer para iniciar o processo de impeachment?
Não. Quando ele estava doente, fazendo um tratamento no Hospital Sírio-Libanês, no Brasil, eles tentaram dizer que Lugo não tinha mais condições de governar, tentaram tirar a credibilidade e capacidade de governo dele, mas não deu certo.
 
Muitas pessoas consideraram o discurso de Lugo pós-impeachment pouco combativo e até sereno demais. Por que esse tom?
Lugo nunca enfrentou os problemas de forma ofensiva, isso não estava em seu espírito, não estava nele. Seu perfil religioso marca isso muito bem (Fernando Lugo é ex-bispo). Ele pensou na série de mortes que acabara de acontecer em Curuguaty e não quis incitar mais violência no Paraguai. Aceitou pacificamente a decisão do Congresso e as pessoas ficaram desencantadas.
 
O senhor, como ministro de confiança, não o aconselhou a fazer um discurso diferente?
Estávamos preparados para resistir, mas Lugo não decide nada em equipe. Ele escuta, mas toma suas decisões sozinho. E foi assim na sexta-feira (22).
 
O que os senhores esperam do cenário político do Paraguai nos próximos meses? Lugo quer voltar à Presidência?
Fernando Lugo não voltará à Presidência do Paraguai. Nem agora, nem nas eleições de 2013. As pessoas estão baqueadas, sem forças, mas não sei o que vai acontecer, porque o governo de Federico Franco não vai conseguir fazer nada em nove meses.
 
O que o senhor espera da posição do Brasil em relação ao novo governo do Paraguai?
Na realidade, pensei que as pressões internacionais seriam mais amenas. Pensei que o Brasil seria mais duro no começo, mas, depois, afrouxasse um pouco, como é praxe do Itamaraty. É muito bom para Lugo que os países vizinhos não reconheçam o novo governo do Paraguai.
 
Lugo conversou com a presidente Dilma Rousseff desde sexta-feira?
Acredito que se falaram por telefone, sim, mas não tenho certeza. Conversamos com o chanceler brasileiro, Antonio Patriota, sobre toda essa situação complexa que vive o Paraguai, mas ele chegou um pouco atrasado (risos)…
 
TERRA MAGAZINE