Descontraído na maior parte do tempo, Lula subiu o tom, apesar da voz ainda debilitada, para dizer que não permitirá que “um tucano volte a ser presidente do Brasil”. Disse que, para isso, aceitaria até voltar a ser candidato a presidente. “Nisso eu vou batalhar”.
“Xi, o Serra então está ferrado”, brincou Ratinho, que se apresentou como “grande amigo” do ex-presidente, com quem lembrou já ter comido uma rabada na Granja do Torto.
E foi no último minuto da entrevista que o apresentador e amigo perguntou ao ex-presidente sobre a polêmica envolvendo o ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes, que acusa Lula de oferecer apoio à CPI do Cachoeira em troca do adiamento do mensalão (Mendes é suspeito de ter viajado a Berlim com dinheiro pago pelo bicheiro Carlinhos Cachoeira, o que ele nega).
“Vou perguntar apesar de saber que a população não está entendendo isso”, frisou Ratinho.
“Não tenho interesse em falar nesse assunto, porque já respondi em nota. Quem inventou que prove. Quem acreditou, que prove. O dado concreto é que o Brasil hoje é muito melhor, vai melhorar ainda mais. Quero que o Brasil que teve ascensão nunca mais retroceda.”
Fernando Haddad, que estava na primeira fileira da plateia, foi apresentado ao público logo na primeira pergunta feita por Ratinho. Sobre o Corinthians. “Esse seu defeito de ser corintiano continua, né, presidente?”
Na resposta, Lula lembrou que no Brasil existem os corintianos e os anti-corintianos, mas que se dava bem com torcedores de outros times, “como o Fernando Haddad, que é são-paulino”.
Não demorou e o ex-ministro da Educação, que patina nas pesquisas de intenção de voto, já estava do lado do ex-presidente numa cadeira ao lado da mesa do entrevistador.
Por que ele foi escolhido?, perguntou Ratinho, que chamou Haddad de “galã”.
“Achava que era o momento de a gente apresentar uma coisa nova”, explicou o ex-presidente, para apresentar as credenciais do afilhado: “São Paulo precisa de um prefeito como o ministro da Educação que criou o Prouni e colocou um milhão de jovem da periferia na universidade.”
Lula afirmou que Haddad foi o ministro que mais criou escolas técnicas (214) e mais construiu universidades federais (14).
No mesmo instante, o apresentador chamou um VT sobre o Prouni, no qual uma beneficiária do programa dizia que, antes, a universidade não era lugar para pobre.
De terno cinza e camisa branca, sem gravata, Haddad ouviu o ex-presidente que as mudanças na educação provocara “a maior revolução que já foi feita no País”.
O entrevistado, então, passou a ser Haddad. “O que um prefeito de SP pode fazer para melhorar?”, levantou o apresentador.
“A saúde é problema número 1”, cortou o ex-ministro. Ele criticou a gestão municipal, falou do “drama das filas” e citou a desarticulação do SUS. “Você injetou recurso novo, mas gestão de recursos não está tão boa.”
Por fim, citou os investimentos federais em educação (o orçamento, segundo ele, subiu de 20 bilhões para 80 bilhões de reais) e disse que os governos Lula e Dilma Rousseff melhoraram a vida econômica dos brasileiros da porta de casa para dentro, mas fora faltavam segurança e professores. “Isso é papel do prefeito”.
Foi uma jogada arriscada: Haddad e o PT podem ser punidos caso o Tribunal Regional Eleitoral entenda que a entrevista serviu como propaganda antecipada, embora o candidato não tenha pedido voto de forma direta. A campanha só começa oficialmente em julho.
De volta à cena, Lula fez elogios à presidenta Dilma e criticou os que o criticam por manterem a amizade. “Não há possibilidade de divergência entre Dilma e eu. No dia que eu tiver, eu retiro o que pensei e ela fica.”
Lula disse também que será cabo eleitoral para reelegê-la, e que só voltaria a se candidatar se ela não quisesse – ainda assim, apenas para evitar a volta dos tucanos ao poder.
O ex-presidente aproveitou a entrevista para criticar o papel da oposição para derrubar a CPMF. “Me tiraram 40 bilhões pra aplicar na saúde, com a intenção de me prejudicar. Foram mais de 120 bilhões no último mandato. Tínhamos um programa de saúde, queríamos colocar oftalmologista, dentista e otorrino dentro da escola. A CPMF era imposto para rico e foi derrubada porque evitava a sonegação”, disse.
Recém-curado de um câncer na laringe, Lula disse que o ideal era que todos os brasileiros tivessem, como ele, a possibilidade de se tratar em hospitais como o Sirio-Libanês. “Universalizar a saúde não é brincadeira. Precisa ter dinheiro”.
Ele citou avanços como a queda da mortalidade e desnutrição e o aumento de atendimentos a pacientes de câncer pelo SUS. Ainda assim, garantiu que os avanços são menores que qualquer presidente gostaria de alcançar.
Houve tempo ainda pra falar sobre o tratamento, os dias seguintes após deixar a Presidência e de pedir para o apresentador intermediar um encontro com o pastor Valdemiro Santiago, uma das mais importantes lideranças evangélicas em São Paulo – que mandou um abraço ao ex-presidente. “Quero conversar com ele”, disse Lula.
CartaCapital
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