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sexta-feira, 22 de junho de 2012

A corrupção é imanente à sociedade burguesa

               

            

imagemCrédito: CCLCP



Por Sargento Amauri Soares²

Os meios de comunicação têm propalado casos e casos de corrupção, de forma que tem se tornado idéia comum em nossa sociedade a afirmação de que “o problema do Brasil é a corrupção dos políticos”. Evidente que este é um problema, e em nenhuma hipótese queremos justificar qualquer desvio de conduta dos chamados “homens públicos”. Os casos atuais envolvendo partidos e lideranças que outrora estiveram no campo de esquerda é ainda mais preocupante, por algumas razões: como a massa do povo ainda os considera de esquerda, isso solidifica a idéia de que “são todos iguais, basta terem a oportunidade”; indica o grau de comprometimento destas forças com os meandros do fazer política das velhas elites governantes; já nada os diferencia das velhas oligarquias.

Essa idéia de que o problema central é a corrupção tem servido, para além de tudo que a corrupção tem de nefasto em si, para iludir inclusive a maior parte das pequenas forças remanescentes do campo de esquerda. Mais e mais lideranças são absorvidas pela idéia atraente e fácil de que basta acabar com a corrupção. Assim, os pontos programáticos fundamentais e o combate ideológico necessário ficam subsumidos à promessa de moralidade, de transparência. O debate sobre a natureza de classes da sociedade brasileira e a conseqüente defesa do socialismo desaparece num mar de abstrações subjetivas.

É preciso compreender que a corrupção faz parte da engrenagem de sustentação de sociedade de classes, sendo dela inseparável. Mais do que compreender, é preciso que se diga isso ao povo. Sem corrupção a sociedade burguesa não sobrevive um dia. Por mais que pareça exagerada a afirmação anterior, observando-se por dentro todos os meandros que fazem constituir o Estado atual, em todas as suas instituições, ficará nítido que esta organização social não resistiria a uma efetiva “faxina ética”. A maior instituição do Estado atual, a chamada “democracia representativa”, é um emaranhado de falsas promessas, troca de favores, acertos de cúpula, truculência de caciques partidários, tempo de propaganda “gratuita” no rádio e na televisão, financiamento de campanha, caixa dois, arregimentação financiada de “cabos eleitorais”, propaganda enganosa, parcialidade dos meios de comunicação, compra de votos, boatos estapafúrdios. Tem sobrado cada vez menos legitimidade nesta forma de democracia. A expressão inscrita na constituição de que “todo poder emana do povo e em seu nome deve ser exercido”, é uma retumbante mentira. E disso sabe perfeitamente o povo. Só não percebe as formas pelas quais esta imensa mentira se processa, e até faz parte dela em grande medida.

O partido ou candidato, em nosso país e na atual conjuntura, que tentar chagar a algum espaço de poder (ou de governo) com um programa bem escrito, com uma campanha honesta, sem financiamento dos grandes empresários e sem se atolar em roubalheiras do dinheiro público, está fadado ao fracasso. As exceções só garantem a regra, e a exceção não consegue convencer nem o povo de que o êxito eleitoral foi resultado da vontade desinteressada de um grande número de pessoas. Os detentores do poder do Estado e da sociedade buscam imprimir a idéia de que a honestidade é a regra e a desonestidade é a exceção. Mas o fato é que a honestidade é a exceção e a corrupção, a regra. Isso porque a corrupção é sistêmica no capitalismo, e seu Estado, nas mais diversas instituições, não consegue viver sem ela. A começar pelo financiamento de campanha.

Os grandes grupos econômicos distribuem imensas quantias de recursos financeiros aos partidos e candidatos, e o fazem segundo a probabilidade de êxito eleitoral de cada um, embora seja comum contribuírem com vários, com praticamente todos. E o fazem dessa forma porque sabem que é o meio mais garantido de terem vantagens posteriores. E as vantagens posteriores podem ser diversas: isenção fiscal; abatimento ou perdão de dívidas com bancos públicos de fomento; ausência de fiscalização de suas atividades, muitas vezes em confronto com a lei, com a preservação do meio ambiente e com os direitos trabalhistas; aprovação de projetos leis que os venham a beneficiar; arquivamento de projetos de leis que os venham a prejudicar; privilégios em licitações para a construção de obras públicas ou para a realização de serviços junto ao Estado.

Um deputado no Brasil deve custar menos de cem mil reais, e dizer isso dessa forma pode parecer ofensivo ou exagerado. Mas, imaginem se uma empresa que doa cem mil reais para a campanha de um deputado algum dia terá um voto contra do referido deputado em um projeto de seu interesse, ou se este deputado vai votar a favor de algum projeto que seja contra o interesse da empresa que lhe doou cem mil reais! E cem mil reais para um banco privado, para um monopólio da indústria, do comércio ou do agronegócio, para uma grande empreiteira é uma bagatela! Num simples contrato com um ministério, com um governo de estado e mesmo com uma prefeitura pode render milhões. Quanto pode render um perdão de dívida, um “programa” de incentivo fiscal, o não recolhimento de contribuição previdenciária?

Os monopólios sabem que a forma mais garantida de auferirem grandes “lucros” é terem boa relação com os gestores públicos, o que é também garantia para terem vantagem nos momentos de conflitos trabalhistas com seus empregados. E os “homens públicos” não são seres saídos do espaço para administrarem o Estado segundo os pressupostos da soberania popular, isentos de interesses de classe. Pelo contrário, a maioria são sujeitos que já entram nos espaços de “representação” com um mandato decisivamente comprometido com a classe economicamente dominante. Não que a maioria seja objetiva e organicamente pertencente à classe dominante, e sim que a complexa engrenagem de controle da democracia representativa já o fez um agente da classe economicamente dominante no seu processo de ingresso. São o que se chama de ofice boy de luxo da burguesia. Alguns são orgânicos da burguesia, mas a grande maioria constitui-se em um lumpesinato de paletó e gravata. Custa barato para a grande burguesia dominar os aparatos de dominação do Estado atual.

E o povo, como entra nessa história? O povo entra com o voto, e só. Mais não leva nenhuma vantagem? Naquilo que mais interessa, leva muitas desvantagens. No momento eleitoral pode receber alguns dividendos, inclusiveem espécie. Masa maioria não recebe e nem pede nadaem espécie. Pedirou aceitar dinheiro pelo voto só ocorre onde o nível de desqualificação moral é quase impronunciável. Na maioria das vezes, o povo recebe esperanças vãs, crença (mesmo que subjetiva) de que aquele é o melhor caminho. A liberdade de voto, nos processos eleitorais de países como o Brasil é absolutamente relativa, pois está mediada pela falsa propaganda, pelo assédio dos “cabos eleitorais” financiados, pela troca de favor, mesmo que muito sutil. Da desgraça das amplas massas do povo surge a possibilidade de um “acordo” que pode render muitos votos. É bom para o modelo atual de democracia representativa que o acesso aos serviços públicos, que o acesso ao emprego dependam cada vez mais de um “empurrão” de algum político, seja vereador (potencial “cabo eleitoral” de algum deputado) ou mesmo do próprio deputado, ou do secretário de estado. Quem tiver a indicação de um governador ou de um ministro pode se considerar “salvo”.  O povo “ganha” a ausência de direitos, e isso é também uma excelente forma de deixá-lo comprometido pelo resto da vida (as vezes de algumas gerações futuras também) em virtude do “grande apoio” que algum político deu na hora que precisava desesperadamente. O mesmo Estado que enriquece os monopólios explorando e restringindo os direitos elementares ao povo é o Estado que se constitui montado sobre a própria desgraça do povo.

Então não existe alternativa? Existe! Mas ela não está na democracia representativa sob o Estado burguês. Está na organização dos explorados e oprimidos para enfrentar toda essa ordem de coisas, e para construir outra ordem, não mais burguesa, não mais capitalista. É preciso destruir os aparatos do Estado atual, em todas as suas instituições de dominação e de controle. Construir outra ordem depende da expropriação dos expropriadores, do combate de classes até o fim da sociedade de classes, da construção de novas instituições, que estejam a serviço da única alternativa viável para o futuro da humanidade, o socialismo, como processo transitório à sociedade sem classes. Por mais que se possa considerar essa uma tarefa difícil em pequeno prazo, ainda assim ela é preferível, pois é a única correta. Não importa a tática, desde que ela não confunda a estratégia, desde que ela não atrapalhe a travessia para o futuro necessário.

É preciso elevar o nível de consciência e de organização do povo, em todos os lugares onde pudermos nos inserir, e reedificar as organizações populares a partir das bases da sociedade. Mesmo que sejamos poucos hoje, é certo que no futuro seremos muitos, e tanto melhor será se esses muitos estiverem em condições de entender a sua grande tarefa, que não é fazer mais do mesmo, nem atrapalhar-se na administração das iniqüidades do capitalismo. A corrupção ideológica, o abandono de pontos programáticos centrais e a transigência com os princípios de classe do proletariado levam ao oportunismo político e à corrupção moral. Combater a corrupção sob o capitalismo, sem combater o capitalismo, é ter a ilusão de que os burgueses são seres moralmente superiores, e que querem um Estado racional para a felicidade de todos os seres da terra. Essa é uma idéia absurda, pois o Estado é corrupto porque é assim que a burguesia precisa dele. Na construção do socialismo também teremos problemas com a corrupção, seria idealista pensar que não. Mas, neste caso, as manifestações da corrupção serão exatamente o resquício da sociedade velha, serão os estertores do egoísmo da sociedade atual tentando subsistir e perseverar. O socialismo terá que aniquilar a corrupção até a sua inexistência, pois do contrário será engolido pela lógica hoje dominante. Mas é plenamente possível fazer isso, se todos forem obrigados a trabalhar e se a ninguém for permitido acumular qualquer riqueza ou favorecimento.

¹ Texto publicado originalmente no jornal Voz Operária, n 18, Novembro de 2011.

² Membro da Direção Nacional da CCLCP e Deputado Estadual em SC.


Fonte: pcb

Um comentário:

  1. O deputado Amauri foi perfeito na explicação da engrenagem político-social de nosso país! Me atrevo a acrescentar apenas uma coisa: O extermínio do capitalismo e suas chagas só será possível se começarmos a mudar a educação dentro das micro-sociedades: nosso próprio lar, com nossos filhos!

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