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Por Sargento Amauri Soares²
Os meios de comunicação têm propalado
casos e casos de corrupção, de forma que tem se tornado idéia comum em
nossa sociedade a afirmação de que “o problema do Brasil é a corrupção
dos políticos”. Evidente que este é um problema, e em nenhuma hipótese
queremos justificar qualquer desvio de conduta dos chamados “homens
públicos”. Os casos atuais envolvendo partidos e lideranças que outrora
estiveram no campo de esquerda é ainda mais preocupante, por algumas
razões: como a massa do povo ainda os considera de esquerda, isso
solidifica a idéia de que “são todos iguais, basta terem a
oportunidade”; indica o grau de comprometimento destas forças com os
meandros do fazer política das velhas elites governantes; já nada os
diferencia das velhas oligarquias.
Essa idéia de que o problema central é a
corrupção tem servido, para além de tudo que a corrupção tem de nefasto
em si, para iludir inclusive a maior parte das pequenas forças
remanescentes do campo de esquerda. Mais e mais lideranças são
absorvidas pela idéia atraente e fácil de que basta acabar com a
corrupção. Assim, os pontos programáticos fundamentais e o combate
ideológico necessário ficam subsumidos à promessa de moralidade, de
transparência. O debate sobre a natureza de classes da sociedade
brasileira e a conseqüente defesa do socialismo desaparece num mar de
abstrações subjetivas.
É preciso compreender que a corrupção
faz parte da engrenagem de sustentação de sociedade de classes, sendo
dela inseparável. Mais do que compreender, é preciso que se diga isso ao
povo. Sem corrupção a sociedade burguesa não sobrevive um dia. Por mais
que pareça exagerada a afirmação anterior, observando-se por dentro
todos os meandros que fazem constituir o Estado atual, em todas as suas
instituições, ficará nítido que esta organização social não resistiria a
uma efetiva “faxina ética”. A maior instituição do Estado atual, a
chamada “democracia representativa”, é um emaranhado de falsas
promessas, troca de favores, acertos de cúpula, truculência de caciques
partidários, tempo de propaganda “gratuita” no rádio e na televisão,
financiamento de campanha, caixa dois, arregimentação financiada de
“cabos eleitorais”, propaganda enganosa, parcialidade dos meios de
comunicação, compra de votos, boatos estapafúrdios. Tem sobrado cada vez
menos legitimidade nesta forma de democracia. A expressão inscrita na
constituição de que “todo poder emana do povo e em seu nome deve ser
exercido”, é uma retumbante mentira. E disso sabe perfeitamente o povo.
Só não percebe as formas pelas quais esta imensa mentira se processa, e
até faz parte dela em grande medida.
O partido ou candidato, em nosso país e
na atual conjuntura, que tentar chagar a algum espaço de poder (ou de
governo) com um programa bem escrito, com uma campanha honesta, sem
financiamento dos grandes empresários e sem se atolar em roubalheiras do
dinheiro público, está fadado ao fracasso. As exceções só garantem a
regra, e a exceção não consegue convencer nem o povo de que o êxito
eleitoral foi resultado da vontade desinteressada de um grande número de
pessoas. Os detentores do poder do Estado e da sociedade buscam
imprimir a idéia de que a honestidade é a regra e a desonestidade é a
exceção. Mas o fato é que a honestidade é a exceção e a corrupção, a
regra. Isso porque a corrupção é sistêmica no capitalismo, e seu Estado,
nas mais diversas instituições, não consegue viver sem ela. A começar
pelo financiamento de campanha.
Os grandes grupos econômicos distribuem
imensas quantias de recursos financeiros aos partidos e candidatos, e o
fazem segundo a probabilidade de êxito eleitoral de cada um, embora seja
comum contribuírem com vários, com praticamente todos. E o fazem dessa
forma porque sabem que é o meio mais garantido de terem vantagens
posteriores. E as vantagens posteriores podem ser diversas: isenção
fiscal; abatimento ou perdão de dívidas com bancos públicos de fomento;
ausência de fiscalização de suas atividades, muitas vezes em confronto
com a lei, com a preservação do meio ambiente e com os direitos
trabalhistas; aprovação de projetos leis que os venham a beneficiar;
arquivamento de projetos de leis que os venham a prejudicar; privilégios
em licitações para a construção de obras públicas ou para a realização
de serviços junto ao Estado.
Um deputado no Brasil deve custar menos
de cem mil reais, e dizer isso dessa forma pode parecer ofensivo ou
exagerado. Mas, imaginem se uma empresa que doa cem mil reais para a
campanha de um deputado algum dia terá um voto contra do referido
deputado em um projeto de seu interesse, ou se este deputado vai votar a
favor de algum projeto que seja contra o interesse da empresa que lhe
doou cem mil reais! E cem mil reais para um banco privado, para um
monopólio da indústria, do comércio ou do agronegócio, para uma grande
empreiteira é uma bagatela! Num simples contrato com um ministério, com
um governo de estado e mesmo com uma prefeitura pode render milhões.
Quanto pode render um perdão de dívida, um “programa” de incentivo
fiscal, o não recolhimento de contribuição previdenciária?
Os monopólios sabem que a forma mais
garantida de auferirem grandes “lucros” é terem boa relação com os
gestores públicos, o que é também garantia para terem vantagem nos
momentos de conflitos trabalhistas com seus empregados. E os “homens
públicos” não são seres saídos do espaço para administrarem o Estado
segundo os pressupostos da soberania popular, isentos de interesses de
classe. Pelo contrário, a maioria são sujeitos que já entram nos espaços
de “representação” com um mandato decisivamente comprometido com a
classe economicamente dominante. Não que a maioria seja objetiva e
organicamente pertencente à classe dominante, e sim que a complexa
engrenagem de controle da democracia representativa já o fez um agente
da classe economicamente dominante no seu processo de ingresso. São o
que se chama de ofice boy de luxo da burguesia. Alguns são orgânicos da
burguesia, mas a grande maioria constitui-se em um lumpesinato de paletó
e gravata. Custa barato para a grande burguesia dominar os aparatos de
dominação do Estado atual.
E o povo, como entra nessa história? O
povo entra com o voto, e só. Mais não leva nenhuma vantagem? Naquilo que
mais interessa, leva muitas desvantagens. No momento eleitoral pode
receber alguns dividendos, inclusiveem espécie. Masa maioria não recebe e
nem pede nadaem espécie. Pedirou aceitar dinheiro pelo voto só ocorre
onde o nível de desqualificação moral é quase impronunciável. Na maioria
das vezes, o povo recebe esperanças vãs, crença (mesmo que subjetiva)
de que aquele é o melhor caminho. A liberdade de voto, nos processos
eleitorais de países como o Brasil é absolutamente relativa, pois está
mediada pela falsa propaganda, pelo assédio dos “cabos eleitorais”
financiados, pela troca de favor, mesmo que muito sutil. Da desgraça das
amplas massas do povo surge a possibilidade de um “acordo” que pode
render muitos votos. É bom para o modelo atual de democracia
representativa que o acesso aos serviços públicos, que o acesso ao
emprego dependam cada vez mais de um “empurrão” de algum político, seja
vereador (potencial “cabo eleitoral” de algum deputado) ou mesmo do
próprio deputado, ou do secretário de estado. Quem tiver a indicação de
um governador ou de um ministro pode se considerar “salvo”. O povo
“ganha” a ausência de direitos, e isso é também uma excelente forma de
deixá-lo comprometido pelo resto da vida (as vezes de algumas gerações
futuras também) em virtude do “grande apoio” que algum político deu na
hora que precisava desesperadamente. O mesmo Estado que enriquece os
monopólios explorando e restringindo os direitos elementares ao povo é o
Estado que se constitui montado sobre a própria desgraça do povo.
Então não existe alternativa? Existe!
Mas ela não está na democracia representativa sob o Estado burguês. Está
na organização dos explorados e oprimidos para enfrentar toda essa
ordem de coisas, e para construir outra ordem, não mais burguesa, não
mais capitalista. É preciso destruir os aparatos do Estado atual, em
todas as suas instituições de dominação e de controle. Construir outra
ordem depende da expropriação dos expropriadores, do combate de classes
até o fim da sociedade de classes, da construção de novas instituições,
que estejam a serviço da única alternativa viável para o futuro da
humanidade, o socialismo, como processo transitório à sociedade sem
classes. Por mais que se possa considerar essa uma tarefa difícil em
pequeno prazo, ainda assim ela é preferível, pois é a única correta. Não
importa a tática, desde que ela não confunda a estratégia, desde que
ela não atrapalhe a travessia para o futuro necessário.
É preciso elevar o nível de consciência e
de organização do povo, em todos os lugares onde pudermos nos inserir, e
reedificar as organizações populares a partir das bases da sociedade.
Mesmo que sejamos poucos hoje, é certo que no futuro seremos muitos, e
tanto melhor será se esses muitos estiverem em condições de entender a
sua grande tarefa, que não é fazer mais do mesmo, nem atrapalhar-se na
administração das iniqüidades do capitalismo. A corrupção ideológica, o
abandono de pontos programáticos centrais e a transigência com os
princípios de classe do proletariado levam ao oportunismo político e à
corrupção moral. Combater a corrupção sob o capitalismo, sem combater o
capitalismo, é ter a ilusão de que os burgueses são seres moralmente
superiores, e que querem um Estado racional para a felicidade de todos
os seres da terra. Essa é uma idéia absurda, pois o Estado é corrupto
porque é assim que a burguesia precisa dele. Na construção do socialismo
também teremos problemas com a corrupção, seria idealista pensar que
não. Mas, neste caso, as manifestações da corrupção serão exatamente o
resquício da sociedade velha, serão os estertores do egoísmo da
sociedade atual tentando subsistir e perseverar. O socialismo terá que
aniquilar a corrupção até a sua inexistência, pois do contrário será
engolido pela lógica hoje dominante. Mas é plenamente possível fazer
isso, se todos forem obrigados a trabalhar e se a ninguém for permitido
acumular qualquer riqueza ou favorecimento.
¹ Texto publicado originalmente no jornal Voz Operária, n 18, Novembro de 2011.
² Membro da Direção Nacional da CCLCP e Deputado Estadual em SC.
Fonte: pcb
O deputado Amauri foi perfeito na explicação da engrenagem político-social de nosso país! Me atrevo a acrescentar apenas uma coisa: O extermínio do capitalismo e suas chagas só será possível se começarmos a mudar a educação dentro das micro-sociedades: nosso próprio lar, com nossos filhos!
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