Por Leonardo Avritzer
A instalação pelo Congresso Nacional da CPI
para investigar os negócios do contraventor Carlinhos Cachoeira com o
sistema político e também outros atores privados é bem-vinda e pode
significar um papel ativo do Legislativo no processo de combate à
corrupção no Brasil. No entanto, dado o histórico das CPIs é
interessante tomar alguns cuidados para que, ao final, ela não
signifique mais um episódio de desgaste do Legislativo. Nas duas
pesquisas sobre corrupção feitas pelo Centro de Referência do Interesse
Público da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o CRIP,
apareceram dois dados preocupantes em relação ao papel do Congresso
Nacional no combate ao problema.
Quando perguntamos aos entrevistados se
conheciam as iniciativas de combate à corrupção do Congresso, 61%
responderam positivamente. Elas eram mais conhecidas, por exemplo, que
as ações do Judiciário e de órgãos de controle como a Controladoria
Geral da União (CGU). Mas quando perguntamos sobre a efetividade das
ações do Legislativo no combate à corrupção, elas ocupavam o último
lugar, atrás da Polícia Federal, Judiciário e da CGU. A percepção da
opinião pública sobre as investigações de corrupção do Congresso
Nacional é que as CPIs não são efetivas.
Quando nos perguntamos qual é o motivo desta
disparidade entre conhecimento das CPIs e a baixa credibilidade da
opinião pública quanto à sua efetividade, a resposta que parece
expressar melhor esta atitude seria a da parcialidade das CPIs,
constituídas pelo Congresso Nacional com base na representação dos
partidos na Câmara e no Senado. Até aí nada de errado, na medida em que o
princípio da soberania e do voto da maioria constitui o Legislativo e
não se poderia esperar que não houvesse maiorias e minorias nas CPIs. No
entanto, o problema das CPIs é que, em vez de investigar escândalos
relevantes e apresentar relatórios bem fundamentados à opinião pública
para propiciar a punição de malfeitos, elas rapidamente se transformam
em espaços de disputas de poder entre governo e oposição. O governo quer
investigar a oposição e a oposição quer investigar o governo. Além
disso, há um insuportável processo de vazamento de informações que,
frequentemente, atrapalha as investigações ainda em curso. No final, o
Congresso tem a sua credibilidade manchada por estes comportamentos.
Este é o risco da CPI do Cachoeira. O que a
opinião pública espera, é que ela utilize os instrumentos da legislação,
a convocação, a quebra de sigilo bancário e até mesmo o uso de dados
coletados pela Policia Federal, para explicar duas coisas: a influência
do crime organizado no Congresso Nacional e a triangulação entre escutas
telefônicas, imprensa e tráfico de influência em Brasília. Estes são os
dois objetos que se espera sejam apurados em todas a sua extensão pela
CPI. É verdade que a grande imprensa já apontou um outro foco para a
comissão, a relação específica entre alguns políticos do governo e da
oposição e o contraventor Carlinhos Cachoeira. Limitar a CPI a este foco
certamente terá consequências bastante deletérias para a reputação do
Congresso Nacional.
A primeira delas é despertar um movimento de
defesa e ataque entre governo e a oposição no momento em que forem
examinadas as situações de políticos como Demóstenes Torres (ex-DEM,
agora sem partido), de um lado, e Agnelo Queiroz (PT) de outro. Essa é a
falsa polarização que a grande imprensa gostaria que ocorresse. De um
lado, essa polarização dará visibilidade à CPI, mas às custas da perda
ainda maior de credibilidade do Congresso. De outro lado, há em parte da
grande imprensa a tentativa de retirar as relações entre a revista Veja
e Carlinhos Cachoeira do foco da CPI. Acho extremamente importante
evitarmos a polarização entre governo e oposição para não perdermos o
foco da CPI. A verdadeira questão desta comissão de inquérito é como o
crime organizado se articula, em especial, quais são os seus tentáculos
no Congresso Nacional. Sabemos muito pouco sobre a relação entre o crime
organizado e sistema político no Brasil, ainda que seja bastante
comentada a informação de que o crime organizado é um dos grandes
financiadores de campanhas pelo sistema político. É preciso investigar a
veracidade destas informações e tornar o Legislativo menos vulnerável
às incursões do crime organizado.
Em segundo lugar, interessa à opinião
pública e à democracia no Brasil saber quais eram (ou são) as relações
entre a revista semanal Veja e o esquema de escutas ilegais em Brasília.
Interessa à opinião pública saber se esse era um lobby, se o lobby era
apenas político ou também econômico. Interessa saber se escutas que
foram publicadas pelo semanário paulista e que derrubaram
administradores públicos que cobravam da construtora Delta revisões em
obras mal feitas foram ou não remuneradas pela mesma construtora. E, se
foram remuneradas, quem foi pago. A resposta a esta questão irá
determinar a maneira como se entenderá a relação entre imprensa,
transparência e democracia no Brasil. Se o Legislativo for capaz de
responder a essas perguntas com coerência e transparência, ele tem toda a
condição de recuperar parte da sua credibilidade e da credibilidade das
CPIs.
Carta Capital
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