O veloz processo de impeachment contra o presidente paraguaio Fernando Lugo teve o final desejado pelos conservadores do país nesta sexta-feira 22. A maioria absoluta no Senado aprovou a remoção do mandatário do poder por 39 votos favoráveis e quatro contrários. Eram necessários 30 votos dos 45 senadores, uma tarefa fácil em um parlamento dominado pela oposição. Houve duas ausências. O vice-presidente Frederico Franco, do PLRA (Partido Liberal Radical Autêntico), assume o posto um ano após romper a coligação com Lugo.
Em discurso logo após a decisão, Lugo pareceu derrotado e sem capacidade de reagir. “Me submeto à decisão do Congresso e estou disposto a responder sempre por meus atos como presidente”, disse. “Me despeço como presidente, mas não como cidadão”, afirmou. Lugo também pediu que a parte da população favorável a ele não faça protestos violentos. “Faço um profundo chamado para que as manifestações sejam pelas vias pacíficas”, disse. “Que não se derrube mais sangue por motivos mesquinhos em nosso país”.
A Câmara dos Deputados, também dominada pela oposição, aprovou na quinta-feira 21 o processo de impeachment com 73 votos a favor e apenas um contra. O Senado abraçou a ideia rapidamente, sob o pretexto de Lugo mobilizasse suas bases no interior do país e levasse a uma onda de violência. O Senado agiu como juizado político e concedeu apenas duas horas de defesa a Lugo, meramente proforma.
Ação foi vista por muitos países latinos como um golpe de Estado e pela União das Nações Sul-Americanas (Unasul) como uma “violação da ordem democrática”. O processo relâmpago espantou porque faltam apenas nove meses para o fim da administração de Lugo, sem a possibilidade de reeleição.
Mortivos da destituição
Os parlamentares defenderam a remoção do presidente pelo suposto “fraco desempenho de suas funções” após um confronto violento com trabalhadores sem-terra na região leste do país na sexta-feira 15, que culminou em 17 mortes – 11 de trabalhadores rurais sem-terra e 6 de policiais na região de Curuguaty, departamento (estado) de Canindeyú. Haviam também outros quatro motivos. Entre eles uma manifestação de jovens de esquerda no Comando de Engenharia das Forças Armadas, em 2009 – que para a oposição foi financiada com recursos da hidrelétrica de Yaciretá -, o uso de tropas militares em 2012 por sem-terra em Ñacunday para pressionar fazendeiros.
Além disso, há a responsabilização de Lugo pela violência no país, que teria sido tratada de forma incorreta. Essa acusação inclui a “falta de vontade política” para combater os guerrilheiros do EPP (Exército do Povo Paraguaio). A última acusação tem caráter internacional: os parlamentares criticaram a decisão de Lugo em ratificar o Protocolo de Ushuaia II, de dezembro de 2011, que prevê intervenção externa caso uma democracia esteja em perigo.
Apoiado por três advogados e dois auxiliares, Lugo teve duas horas para responder às acusações do processo no Senado. A defesa tentou pressionar para um adiamento dentro do prazo constitucional de 18 dias, mas não obteve sucesso.
Como nos tempos da Guerra Fria
Os advogados do presidente mostraram indignação com a condução do caso. Segundo o jornal paraguaio Ultima Hora, Enrique García definiu o julgamento como viciado e nulo por violar o direito da não condenação prévia. “Este julgamento é igual aos da Guerra Fria”, ressaltou Adolfo Ferreiro. Ele completou que a negativa do Senado em ampliar o prazo da defesa evidencia a clara intenção de condenar o presidente, um ato que pode “trazer consequências políticas e econômicas imprevisíveis”. “Querem cassar um presidente eleito por professar ideias que são contrárias às ideias de seus julgadores”, afirmou.
A defesa negou todas as acusações, alegando que não havia uso das Forças Armadas por movimentos sociais ou negligência de Lugo no combate à violência e ao grupo guerrilheiro Exército do Povo Paraguaio (EPP). Para a defesa, o presidente corre o risco de perder seu mandato por acusações inexistentes, baseadas em perseguição política. “A verdade é que não temos partidos políticos que protejam o presidente Lugo”, lamentou Emilio Camacho, também advogado de Lugo. “É quase uma tragédia grega, porque Lugo decidiu submeter-se a um juízo político, no qual está definida sua sentença.”
Lugo ainda tentou pela manhã uma ação de inconstitucionalidade para a Suprema Corte do Paraguai contra o processo de impeachment. A defesa se baseou, entre outras coisas, no pouco tempo que o presidente teve para preparar sua defesa – cerca de 16 horas. Adolfo Ferreiro, um dos advogados de Lugo, pediu durante o julgamento que o Senado se “adequasse aos tempos correspondentes para a apresentação da defesa, que é de 18 dias”.
Enquanto ocorria o julgamento, a Praça de Armas, em frente ao Congresso, reunia milhares de pessoas em apoio a Lugo. Segundo o Ultima Hora, nos momentos antes de a divulgação dos resultados, mais de 5 mil pessoas estavam no local em vigília, em um número que ia aumentando conforme terminava o horário de trabalho. Naquele momento, já havia incidentes entre a polícia e manifestantes em frente ao prédio da Vice-presidência.
Lugo não quis renunciar e enfrentou o julgamento sob protesto, acompanhando o caso pela televisão na sede do governo. O Parlamento o responsabiliza pelos confrontos, que forçaram a saída do ministro do Interior, Carlos Filizzola, e do comandante da polícia, Paulino Rojas, após pressão do Congresso.
Lugo diz que irá resistir a partir de “instâncias organizacionais”
Pouco antes de ser destituído, Lugo disse à Rádio 10 argentina que acataria o julgamento político votado no Congresso, mas resistiria “a partir de outras instâncias organizacionais”. “É preciso acatá-lo (o julgamento político), é um mecanismo constitucional, mas a partir de outras instâncias organizacionais certamente decidiremos impor uma resistência para que o âmbito democrático e participativo do Paraguai vá se consolidando”. O mandatário chamou de golpe a ação do Parlamento. “Não é mais um golpe de Estado contra o presidente, é um golpe parlamentar disfarçado de julgamento legal, que serve de instrumento para um impeachment sem razões válidas que o justifiquem.”
Lugo afirmou ter recebido ligações de apoio dos presidentes Hugo Chaves (Venezuela) Rafael Correa (Equador), Evo Morales (Bolívia), Dilma Rousseff e Cristina Kirchner (Argentina).
Unasul fala em “ruptura da ordem democrática”
A rápida movimentação para derrubar Lugo repercutiu em toda a América do Sul. Os chanceleres dos países integrantes da União das Nações Sul-Americanas (Unasul) se reuniram na noite de quinta 21 e nesta sexta-feira 22, em Assunção, com o presidente. Além disso, Nicarágua, Bolívia e Venezuela denunciaram no Conselho Permanente da Organização dos Estados Americanos (OEA) que o julgamento de Lugo é “um golpe de Estado encoberto”. A secretaria de estado norte-americana Hillary Clinton também manifestou “preocupação” com o processo de impeachment de Lugo.
Em meio à crise, os chanceleres da Unasul deixaram em caráter de emergência a cúpula do desenvolvimento sustentável Rio+20 e embarcaram para o Paraguai. Em Assunção, os membros do bloco puderam acompanhar o processe no Senado nesta sexta-feira. Mas, se reuniram com Lugo, com o vice-presidente Frederico Franco e outros dirigentes políticos e autoridades legislativas para avaliar a situação no país. O grupo, no entanto relatou não ter obtido “respostas favoráveis às garantias processuais e democráticas” do processo contra Lugo. Por isso, informou em comunicado que “as ações em curso poderiam ser compreendidas como uma ameaça de ruptura da ordem democrática, ao não respeitar o devido processo”. Os governos da Unasul avaliarão em que medida será possível continuar a cooperação na integração do continente, além de manter apoio a Lugo.
A delegação, liderada pelo chanceler brasileiro, Antonio Patriota, conta também com representantes de Argentina, Uruguai, Chile, Venezuela, Peru, Equador e Colômbia. A missão se baseia em um protocolo da Unasul que possibilita aos membros do bloco impor sanções a um país em caso haja ruptura ou ameaça da ordem democrática. “A tentativa dos chanceleres é criar um ambiente que habilite uma solução menos traumática para a democracia (…) para todos nós, seria importante uma solução negociada”, afirmou Dilma durante entrevista coletiva na Rio+20, disse a presidenta Dilma Rousseff na tarde de sexta.
O secretario geral da Unasul, Alí Rodríguez, havia adiantado mais cedo que Venezuela, Bolívia e Nicarágua não reconheceriam outro governo que não o de Lugo.
Diante do processo de impeachment sumário, o porta-voz para América Latina do departamento de Estado, William Ostick, advertiu que os EUA acompanham de perto a crise no Paraguai. “Com base nos compromissos com a democracia no continente, é importante que as instituições do governo sirvam aos interesses do povo paraguaio e, para tal, é criticamente importante que estas instituições ajam de maneira transparente, observando escrupulosamente os princípios do devido processo e dos direitos do acusado”.
Durante o dia, manifestantes pró-governo tomaram o local após a saída de partidários do impeachment do presidente, enquanto as forças policiais assumiam posições estratégicas em torno do Congresso, incluindo atiradores de elite. “Estamos aqui para protestar contra esse julgamento do nosso presidente, um representante genuíno do povo”, gritava Manuel Martinez, um manifestante que se dizia ser um dos coordenadores da manifestação.
Mais cedo, os manifestantes “anti-Lugo” expressaram seu apoio aos deputados e senadores paraguaios pela abertura do processo político. Ao menos 4 mil agentes foram mobilizados para proteger a região do Congresso, revelou o porta-voz da Polícia Nacional, comissário Sebastian Talavera. “Foram tomadas todas as medidas de precaução” para evitar incidentes, disse.
Por trás do golpe, o Partido Colorado
Em uma entrevista à tevê estatal venezuelana TeleSUR, Fernando Lugo acusou diretamente o empresário Horacio Cartes de estar por trás da tentativa de golpe. Cortes é o pré-candidato a presidente nas eleições previstas para 2013 pelo conservador Partido Colorado. “Esse processo de impeachment é inconstitucional, (nele) estão unidas as forças mais conservadoras do país”, declarou.
Lugo foi eleito em 2008 com 41% dos votos e interrompeu seis décadas de poder do Partido Colorado, incluindo 35 anos de governo militar. Apesar de nunca ter tido maioria no Congresso, Lugo mantinha-se com poder por meio da aliança com o PLRA (Partido Liberal Radical Autêntico), de Federico Franco, seu vice-presidente. A aliança entre ambos foi rompida em 2011.
Ex-bispo católico ligado a movimentos sociais de esquerda, ele tem histórico atuação com os sem-terra do país. Os conflitos agrários no Paraguai têm crescido nos últimos anos, o que culminou com o conflito de Curuguaty. Seus opositores culpam Lugo por má gestão desta crise, o que se transformou em mote para o impeachment.
Totalmente isolado, Lugo não teve apoio da Igreja Católica. Os bispos do país pediram ontem a renuncia do presidente “pelo bem do país” e para evitar atos de violência. “Falamos com muita sinceridade e franqueza para pedir que renuncie ao cargo e acabe com esta tensão”, disse o bispo Claudio Giménez, secretário-geral da Conferência Episcopal Paraguaia (CEP), após se encontrar com o mandatário. Vale lembrar que Lugo, quando bispo teve diversos filhos.
O Paraguai tem 6,5 milhões de habitantes espalhados em 406,7 mil quilômetros quadrados, tamanho um pouco maior que o estado de Goiás. O país tem uma das rendas per capitas mais baixas da América do Sul, com 3,2 mil dólares por ano. O Brasil soma 12,4 mil dólares.
Com informações Agência Brasil e AFP.
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