RESUMO
Este artigo busca analisar a crítica formulada pelo
teórico bolchevique Nikolai Bukhárin à economia marginalista e ao parasitismo
dos estratos rentistas das burguesias capitalistas européias no início do
século XX. Tentaremos entender quais os fatores que contribuíram em sua
refutação metodológica às escolas histórica alemã e a-histórica austríaca de
economia. Examinamos assim alguns dos elementos constitutivos de seu pensamento
em economia política. Dentre eles destacam-se o surgimento desses estratos
rentistas e do capital financeiro, enquanto agentes do processo de
internacionalização do capital, por meio do capital financeiro imperialista.
Foi no exílio em Viena, na Áustria, que
Bukhárin se propôs a um objetivo teórico de fôlego: estudar toda a economia
política desenvolvida depois da morte de Karl Marx, em 1883. Após compulsar a
literatura econômica moderna, inclusive a das correntes marxistas, decidiu
escrever entre 1912-1913, uma de suas mais consistentes obras, que ainda mantém
atualidade, A economia política do rentista: crítica da economia
marginalista, publicada em 1919. Nela, Bukhárin fundamentava a sua crítica
à economia burguesa marginalista e à teoria da utilidade marginal,
por meio da análise psíco-sociológica e marxista do indivíduo em relação à
produção e ao papel improdutivo exercido na economia pelo burguês rentista, que
ao viver somente de juros e de aplicações financeiras não contribui com a
produção material da sociedade.
∗ Mestre
em Ciências Sociais pela Universidade Estadual Paulista - UNESP - Campus de
Marília – SP.
Docente da Universidade Estadual do
Sudoeste do Paraná - UNIOESTE - Campus de Francisco Beltrão - PR O que motivou
Bukhárin a escrever este livro foi dar continuidade à refutação de um artigo de
Eugen Böhm-Bawerk, de 1904, no qual criticava O Capital de Karl Marx,
atacando os fundamentos da análise marxista da economia capitalista em seu
ponto mais vulnerável, a teoria do valor-trabalho, e afirmava a sua
própria teoria da utilidade marginal, cujo valor não é determinado pelo trabalho
investido no produto, mas pela utilidade que o produto tem para seus
compradores. Marx, todavia, partia do valor-trabalho para compreender o
lucro e a acumulação capitalistas, visando demonstrar cientificamente a
natureza exploradora do capitalismo. Na época este artigo fora respondido pelo
economista Rudolf Hilferding, mas, a sua resposta manteve-se no necessário à
defesa da doutrina econômica marxista, o que fez Bukhárin entender que era
necessário tecer uma crítica interna profunda ao sistema lógico e teórico que
sustentava a teoria marginalista.
Na economia política burguesa da época Bukhárin
distinguiu duas correntes principais, a escola histórica alemã de
Roscher, Hildebrandt, Knies, Karl Bucher, Gustav Schmoller e List, baseada no
protecionismo da burguesia alemã diante da concorrência da indústria inglesa no
mercado mundial; e a escola marginalista austríaca abstrata de Karl
Menger, Frederick von Wiser e Eugen Böhm-Bawerk, voltada à elaboração de
abstrações teóricas descoladas da realidade concreta. Ele explicava que a escola
histórica por basear-se no protecionismo rejeitava as abstrações e
formulações de leis universais, opondo-se aos economistas clássicos,
como David Ricardo e Adam Smith, e só tendo por legítimas monografias de
caráter empírico. Mas, a escola marginalista austríaca se situava num nível
mais alto de abstração teórica, pela utilização de formulações matemáticas.
Resultando disto, seu caráter a-histórico e a sua preferência por elaborar leis
universais sem basear-se na realidade concreta das diferentes épocas
históricas.
Ambas alternativas expressam, conquanto sob forma
diametralmente oposta, o fracasso da Economia Política burguesa. A primeira
fracassou porque adotou uma atitude negativa diante de toda teoria abstrata em
geral. A segunda, porque se satisfez com a elaboração de uma teoria puramente
abstrata e ofereceu, dessa maneira, uma série de pseudo-explicações habilmente
imaginadas, porém inúteis no referente aos problemas em cuja abordagem o
marxismo demonstrou ser particularmente uma teoria eficaz: os relativos à
dinâmica da sociedade capitalista atual (Bukhárin, 1974:46).
Segundo Bukhárin (1974), esta escola histórica
alemã surge enquanto reação à perpetuação e ao cosmopolitismo dos clássicos,
porque a Economia Política clássica, especialmente a inglesa,
formulou leis gerais, de validade universal, com forte caráter teórico-abstrato
dedutivo. Ele buscava demonstrar também, que a diferença metodológica, entre os
clássicos ingleses e a moderna escola histórica alemã, possuía
profundas raízes econômicas e sociais. O que se ocultava nessa discussão era o
fato de que os economistas clássicos, como David Ricardo, formularam
leis gerias abstratas de caráter universal baseadas no processo de
desenvolvimento teórico da economia, fomentado pela indústria inglesa. Este
cosmopolitismo refletia o desenvolvimento industrial da Inglaterra, a partir de
1750, e sua superioridade tecnológica e teórica em relação ao desenvolvimento
capitalista industrial na França e Holanda, que apenas décadas depois se
iniciou. Mas, a importação deste modelo industrial para Alemanha e Itália só
tardiamente ocorreria com o processo de unificação territorial e a formação de
seus Estados nacionais, após 1861-1873.
Neste cenário de desenvolvimento capitalista tardio no
continente europeu, no início do século XX, a Alemanha possuía um caráter
agrário e atrasado diante da Inglaterra. A indústria metalúrgica alemã, por
exemplo, enfrentava a concorrência inglesa nos mercados interno e mundial. Foi
essa diferença econômico-industrial que propiciou o surgimento da escola histórica
alemã, devido à necessidade prática e teórica da burguesia alemã proteger
sua nascente indústria com a adoção de políticas tarifárias e aduaneiras
protecionistas pelo Estado Imperial. No campo teórico, por meio da escola
histórica, esta necessidade de proteção da indústria alemã ganha outros
matizes. Os seus estudos deveriam refletir as circunstâncias e condições
materiais concretas da realidade e apontar as reais perspectivas de crescimento
da indústria em meio às salvaguardas protecionistas do Estado. Por isso, a
refutação desta escola da validade universal das teorias econômicas e de
suas leis de caráter geral, desenvolvidas pelos clássicos ingleses.
Se a burguesia inglesa estava dispensada de enfatizar
as particularidades nacionais, a burguesia alemã, pelo contrário, devia se
mostrar atenta à originalidade e autonomia da evolução alemã e servir-se delas
a fim de demonstrar teoricamente a necessidade de um protecionismo para o
desenvolvimento. O interesse teórico se concentrava, com efeito, no
historicamente concreto e nacionalmente limitado. A teoria servia
exclusivamente para pôr em evidência estes aspectos específicos da vida
econômica. De um ponto de vista sociológico, a escola histórica foi a expressão
ideológica deste processo de crescimento da burguesia alemã que, temerosa da
concorrência inglesa, buscou apoio para a indústria nacional e, por isso,
salientou as particularidades nacionais e históricas da Alemanha e outrossim,
generalizando o procedimento, as de outros países (Bukhárin, 1974:46).
Num quadro econômico histórico amplo, estas posições
divergentes teoricamente, a clássica inglesa e da escola histórica
alemã, poderiam ser genérica e comparativamente semelhantes nalguns
aspectos, pois refletiam os seus posicionamentos teóricos no contexto do
processo de desenvolvimento da industrialização capitalista nacional. Mas, o
lugar ocupado pela Inglaterra, pioneira no processo de desenvolvimento industrial
capitalista, permitiu que as leis gerais abstratas da Economia Política ganhassem
importância e contornos universais.
Isso se justifica, porque o modelo inglês foi
transplantado aos países europeus e as colônias. Esse foi o caso da Alemanha,
que também importou dos ingleses seu modelo industrial, que, devido às
peculiaridades dum país agrário atrasado, necessitou depois criar suas bases
materiais para acelerar esse desenvolvimento visando sobreviver à competição no
mercado mundial. Foi esse processo, destinado ao desenvolvimento industrial
nacional autônomo que levou ao surgimento da escola histórica na
Alemanha, para pensar e justificar a importância, nessa realidade
local-nacional, das políticas protecionistas que resguardassem as suas frágeis
bases industriais, como elucida Bukhárin:
De um ponto de vista genérico-social, tanto a escola
histórica como a clássica são nacionais, na medida em que ambas são o produto
de uma evolução histórica e localmente limitada. De um ponto de vista lógico,
não obstante, os clássicos são cosmopolitas e os partidários da escola
histórica são nacionais (idem).
Portanto, o pensamento econômico clássico inglês
só se universalizou devido ao pioneirismo do desenvolvimento capitalista
naquele país. Mas, substancialmente, foi fruto dum desenvolvimento industrial
nacional semelhante ao que, décadas depois, ocorreu na Alemanha. O fator
diferenciador, neste caso, está na não-aceitação da validade teórica universal
das teorias e leis gerais abstratas, formuladas no século XIX pelos clássicos
ingleses, pelos teóricos da escola histórica alemã, pois estava em
jogo o desenvolvimento industrial alemão e a sua sobrevivência diante da
concorrência inglesa e dos países industrializados anteriormente. Por isso
Bukhárin atrela o processo de desenvolvimento da escola histórica alemã ao
protecionismo, pois a sua vocação empirista monográfica dava o suporte e a
legitimação teórico-lógica para, a partir da realidade nacional, justificar
medidas protecionistas do Estado, exigidas pela burguesia industrial alemã.
Para Bukhárin, a constituição dessa escola estava desde o início ligada ao
protecionismo nacional: “o movimento protecionista alemão converteu-se, assim,
no berço da escola histórica”(1974:47).
Tal fato foi responsável por engendrar o surgimento de
tendências de vários tipos e diferentes características teóricas. Porém,
particularmente, fomentou a sua principal corrente de pensamento, representante
da conservadora burguesia rural alemã, a escola histórica nova ou histórico-ética,
idealizada por Gustav Schmoller. O que caracterizava essa escola era a atitude
negativa face à teoria abstrata, que segundo Bukhárin: “parecia aos cientistas
como sinônimo de absurdo” (1974:47), gerando o repúdio a produção de teorias e
leis de caráter abstrato ou geral na Economia Política. Por isso,
validava apenas estudos com caráter estreitamente empírico e monográfico
refratário a toda generalização.
Isso, no entanto, o levou a incidir num erro teórico,
que depois geraria polêmicas com os stalinistas e teria repercussões negativas
à sua carreira política. Seu erro foi prever o fim da Economia Política,
que deixaria de ser uma disciplina de estudos específicos autônoma e seria
substituída na sociedade socialista, por um tipo de geografia
econômica e por uma política econômica da base material da
sociedade. Segundo Bukhárin, “a rejeição da teoria geral constitui precisamente
a negação da Economia Política como disciplina teórica autônoma, a declaração
de sua bancarrota” (1974:48).
Noutra análise, argumenta contra a escola
a-histórica austríaca, visando responder suas críticas ao marxismo.
Tal teoria era ministrada no curso de Economia da Universidade de Viena por
Böhm-Bawerk, Karl Menger e Wieser, no qual, Bukhárin participou como ouvinte.
Uma das características dessa escola é a sua rejeição ao historicismo,
pois seus teóricos consideram necessário observar os fenômenos típicos e as
leis gerais da Economia Política. Ou seja, de maneira empirista, aos
cientistas dessa corrente de pensamento, era necessário se desenvolver férreas
leis exatas, como se isso fosse epistemologicamente possível no campo da
economia capitalista.
Bukhárin, por meio da obra Der bourgeois, de
Werner Sombart, faz uma análise histórica e psicológica sobre o espírito
burguês em seu aspecto decadente, nas principais formações
econômico-sociais capitalistas dos séculos XVII e XVIII. Dessa forma, buscava
as origens do surgimento duma fração rentista no interior das classes
burguesas dedicadas as altas finanças durante o ancien régime na Inglaterra,
França e Holanda. Inferiu assim, que esta decadência não levou uma
camada dessas classes ao processo de refeudalização, como em outros países
europeus. Este espírito capitalista burguês decadente os transformou numa
fração rentista, separada da burguesia ativa e produtiva. Uma parcela
das classes burguesas voltadas às finanças passou a viver de aplicações
financeiras, sobretudo, em letras do tesouro nacional dos países, sem vínculo
direto com a produção social material das sociedades em que viviam.
Transplantar sua análise à modernidade não foi difícil
para ele, pois a evolução capitalista sofreu profunda aceleração no processo de
acumulação de capital, nas últimas décadas do século XIX e início do XX. Tal
processo resultou na transformação da economia de livre concorrência em
monopolista, em sua fase imperialista, por meio da fusão dos capitais
industrial e bancário e gerou o capital financeiro. Esse capital
engendrou os grandes cartéis e trusts que passaram a concorrer no
mercado mundial. Portanto, estas transformações contribuíram para acelerar o
crescimento desta fração rentista na sociedade capitalista mundial,
facilitado com o surgimento das empresas de sociedades anônimas, do sistema de
créditos e empréstimos a países pobres e da especulação em bolsas de valores.
O número destes indivíduos cresce, a ponto de chegar a
formar uma classe social: a dos rentistas. Este estrato da burguesia, ainda que
não constitua uma classe no sentido específico da palavra, senão um grupo com
características próprias no interior da burguesia capitalista, apresenta certas
notas distintivas que o caracterizam e que derivam de sua psicologia social. A
expansão das sociedades anônimas e dos bancos e a crescente influência da Bolsa
engendram e consolidam este grupo social. Sua atividade econômica se exerce
essencialmente no plano da circulação, sobretudo de títulos e valores, e nas
transações da Bolsa. É significativo o fato de que, no interior deste estrato
social, que vive de rendas produzidas por estes valores, existam diferentes
matizes. O caso limite é representado pela camada situada fora não só da
produção como também do próprio processo de circulação (Bukhárin, 1974:49).
Ao analisar as características principais desse novo
estrato social, os rentistas, ele ressalta seu caráter parasitário,
pois sua atividade se exerce no campo do consumo. “A vida inteira do
rentista se baseia no consumo e a psicologia do consumo em estado puro,
constitui seu estilo particular de vida”(BUKHARIN,1974:50). Ainda, baseando-se
em Sombart, conclui que as características psicológicas deste estrato rentista
aparentam-se às da nobreza decadente e às da aristocracia financeira de
fins do ancien régime (idem). Bukhárin tece uma comparação entre
os modos de vida do proletariado e dos rentistas e indica que a
principal característica desse estrato rentista é a sua completa
separação de todo o processo de vida econômica da sociedade. Por isso, para
essa parcela rentista, o trabalho produtivo concreto seria algo fortuito
e à margem de seu horizonte visual, que se limita apenas ao presente.
Para ele, isso reforçaria a característica psicológica
do rentista como consumidor passivo que não possui, como o proletariado
que vive na esfera da produção social, uma mentalidade ativa de produtor
socialmente útil, e concluía que a segunda característica importante do estrato
rentista seria o seu individualismo crescente. Bukhárin (1974:52), afirma
que a terceira característica deste estrato rentista seria, como no caso
da burguesia em geral, o seu temor ao proletariado e o medo às eminentes
catástrofes sociais.
Na sua concepção, tais aspectos da consciência social
do rentista, derivados de seu ser social, determinam a sua consciência
no aspecto teórico e no nível das idéias científicas. Para Bukhárin a
psicologia seria a base da lógica, pois os sentimentos e as propensões
determinariam a orientação geral do pensamento e a perspectiva pela qual se
considera a realidade antes de submetê-la à lógica. Por isso, se a análise duma
frase isolada de uma teoria qualquer não desvenda a sua infra-estrutura social,
um estudo das características distintivas e do aspecto geral do sistema
permitiria observar essa infra-estrutura. Portanto, para ele cada frase teria
um sentido novo, se configuraria na trama de todo encadeamento, traduzindo a
experiência duma determinada classe ou de um grupo social dado (1974:52).
Retomando a análise da escola austríaca, enfatiza sua característica
lógica distintiva procedendo à comparação metodológica entre a escola austríaca
e o marxismo, e afirma que, diferentemente de Marx, cuja análise
parte da produção capitalista como categoria histórica específica, o objetivo
principal do rentista é a solução do problema do consumo, e que
essa constitui a posição teórica fundamental e característica da escola
austríaca.
A partir disso, inferiu que as teses da escola
austríaca e da marginalista tinham por base comum o subjetivismo e
o individualismo do sujeito econômico, e que elas pouco se diferiam das
teorias, baseadas na análise da utilidade e do valor de uso dos
bens, dos pensadores do século XIX, como Adam Smith. Os mesmos procedimentos
teóricos e metodológicos se expressavam nas primeiras décadas do século XX, na escola
anglo-americana, cujo expoente era J.B.Clark. Essas teorias embasam o
pensamento econômico neoliberal atual de globalização econômica ditada pelo FMI
e Consenso de Washington. O que demonstra a atualidade da crítica formulada por
Bukhárin, no início do século XX.
Um aspecto importante de A economia do rentista é
não fazer uma análise crítica superficial à escola austríaca e a marginalista.
Ao contrário, ele aprofundou sua crítica metodológica da economia burguesa
moderna a partir da comparação com a teoria marxista. Desta forma, pôde
caracterizar no interior da burguesia como classe social, o estrato dos rentistas,
demonstrando a sua ligação teórica estreita com o subjetivismo e o individualismo
atomístico de Böhm-Bawerk. Bukhárin comprovou metodologicamente que as
teses da escola austríaca partiam das análises das motivações
psicológicas do indivíduo isolado e das análises das motivações dos sujeitos
econômicos, fazendo abstração de toda correlação social. Por isso, as refuta
cientificamente, alegando que essas teorias, ao partir de uma análise do
indivíduo social atomizado, não refletiriam a realidade econômica concreta do
modo de produção capitalista, pois se fundavam em uma formulação errônea ao
fazer da consciência individual do sujeito econômico, o ponto de partida de sua
análise teórica e o centro gravitacional de sua argumentação a-histórica.
Com efeito, enquanto “Marx concebe o movimento social
como um processo histórico-natural regido por leis que não somente são
independentes da vontade, da consciência e da intenção dos homens, senão que,
ademais, determinam sua vontade, consciência e intenções [...]” (trecho da
crítica de Kaufmann citado pelo próprio Marx), Böhm-Bawerk faz da consciência
individual do sujeito econômico o ponto de partida de sua análise (Bukhárin,
1974:57).
Essa oposição entre método objetivo e subjetivo,
segundo Bukhárin, caracteriza a oposição entre o método social e o
método individualista. Por isso, sublinha, como Marx, a independência
com relação à vontade, à consciência e às intenções humanas; para, em segundo
lugar, buscar definir com precisão esse sujeito econômico, do qual parte a escola
austríaca em suas análises econômicas. A sociedade moderna capitalista
anárquica, objeto de estudo da Economia Política, em cujo mercado atuam
forças elementares como a concorrência, flutuação dos preços, bolsas de valores
etc., comprova que o produto social governa seus criadores e que o resultado
dos motivos geradores da ação dos sujeitos econômicos individuais, mas não
isolados, não correspondem a esses motivos e, em certos casos, encontra-se em
violenta oposição a eles.
Recorrendo à análise da mercadoria de Marx no
livro primeiro de O Capital, Bukhárin afirma que metodologicamente “este
fenômeno expressa o caráter irracional, elemental, do processo econômico
desenvolvido nos marcos da economia de mercado e aparece claramente na
psicologia do fetichismo das mercadorias” (1974:58). Uma vez que se produz no
interior da economia mercantil o processo de reificação (Verdinglichung)
das relações humanas, em que tais expressões coisificadas (Dingausdrücke)
têm existência autônoma independente, submetida a leis específicas próprias
apenas deste tipo de existência, enquanto conseqüência do caráter elemental do
próprio desenvolvimento capitalista.
Bukhárin quer dizer que o método dialético consiste em
determinar quais sãos as leis reguladoras das relações entre os diferentes
fenômenos sociais capitalistas. Marx analisa as leis da dinâmica do
desenvolvimento do sistema capitalista, que regem os resultados das vontades
particulares, mas sem examinar estas vontades como tais, sem analisá-las como
vontades individuais. Ele analisa essas leis que governam os fenômenos sociais,
abstraindo sua relação com os fenômenos dependentes da consciência individual.
Portanto, o método de Marx é conceitualmente diferente da forma metodológica
com que Böhm-Bawerk analisa os sujeitos econômicos como átomos isolados,
abstraindo das correlações sociais resultantes da própria determinação da
infra-estrutura econômica da sociedade capitalista, nas quais este indivíduo,
por mais isolado que estivesse, encontrava-se imerso, pelo fato dos homens
viverem em sociedade. Por isso, avalia que Böhm-Bawerk se equivoca
metodologicamente ao tomar como centralidade teórica o sujeito econômico
isolado.
Böhm-Bawerk escamoteava o cerne da questão
metodológica, que era desenvolver uma análise sobre o que caracterizava o
intercâmbio capitalista, pois o capitalismo constitui a atual forma
historicamente desenvolvida da produção de mercadorias. Era esta relação
capitalista de intercâmbio historicamente situada e determinada que deveria ser
objeto de sua análise e não o intercâmbio indistinto, a-histórico e
desconectado de qualquer formação sócio-econômica histórica e especificamente
determinada, como o era e continua a ser o sistema capitalista. Bukhárin
realçava a diferença metodológica entre os fundamentos das escolas histórica
empírica alemã de List e Schomoller e da austríaca abstrata matemática
a-histórica, baseada na teoria de Böhm-Bawerk, porque essa caracterizaria a
antítese da ideologia proletária, objetivismo versus o subjetivismo, o
ponto de vista histórico versus a perspectiva a-histórica, o ponto de
vista da produção versus o do consumo.
Precisamente porque corresponde à ideologia de um tipo
marginal da burguesia, a escola austríaca constitui a antítese perfeita da
ideologia proletária: objetivismo versus subjetivismo, ponto de vista
histórico versus perspectiva a-histórica, ponto de vista da produção versus
ponto de vista do consumo - esta é a diferença metodológica, tanto dos
fundamentos da própria teoria como de toda a construção teórica de Böhm-Bawerk
(Bukhárin,1974:54).
Porém, nunca será demais reafirmar a atualidade desta
obra bukhariniana, nem que consiste numa das críticas mais profundas aos
equívocos metodológicos das escolas histórica alemã e a-histórica
austríaca e, também, da teoria marginalista, que embasam o
pensamento econômico e anti-científico pós-moderno capitalista atual. Escolas
estas cujas raízes teóricas e metodológicas fundamentam as teorias econômicas
que intentam legitimar o projeto de dominação mundial capitalista de
globalização econômica, baseado no ideário neoliberal do FMI e do Consenso de
Washington, imposto às nações do mundo visando o saqueio de suas riquezas
naturais e a superexploração de sua força de trabalho. Sobretudo, em relação ao
emprego do capital financeiro de natureza especulativa desse estrato rentista
da sociedade capitalista mundial que Bukhárin, ainda em 1914, desvendou a
existência parasitária.
Referências bibliográficas
BUKHARIN, N. La economía
política del rentista: crítica da economía marginalista. Córdoba: Pasado y
Presente, 1974.
COHEN, S. Bukharin: uma
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J.(Org.). Bukhárin - História. São Paulo:Ática, 1988.
HEITMAN,
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HILFERDING, Rudolf. El capital financiero. Madrid: Techos, 1973.
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La crítica de Böhm-Bawerk a Marx. In: BÖHM-BAWERK, Eugen von et ali. Economía burguesa y economia marxista. II ed. México: Pasado y Presente, 1978.
LÖWY, A.G. El comunismo de Bujarin. Barcelona,
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