Por Raquel Moysés, jornalista / Iela UFSC
Ao chegar a Cuba o que chamou a atenção de Luiza Oliveira de Liz foi a
calorosa hospitalidade e o interesse demonstrado pelos cubanos em
conhecer os brasileiros, chilenos, uruguaios e argentinos que faziam
parte do grupo de que ela participava. Cursando a oitava fase do curso
de licenciatura em Educação Física na Universidade Federal de Santa
Catarina, a estudante participou da 19ª Brigada Sul-Americana de
Solidariedade a Cuba, realizada pelo Instituto Cubano de Amizade com os
Povos (ICAP) e organizada no Brasil através da Associação Cultural José
Martí.
Luiza, de 23 anos, participa do projeto Vitral Latino-Americano de
Educação Física, Saúde e Esporte, fazendo um trabalho de pesquisa sobre a
infância na América Latina. Também é bolsista do projeto “Corpo em
Movimento”, no Núcleo de Desenvolvimento Infantil (NDI/UFSC). Nesta
viagem pensa ter dado os primeiros passos para entender o processo
político, social e educacional vivido pelo povo cubano. Após a conclusão
das Brigadas, permaneceu mais cinco dias no país do Caribe, para
visitar escolas e a Universidad de Ciencias de la Cultura Física y
el Desportos Manuel Farjado, de Havana.
Luiza afirma ter partido para Cuba com o espírito aberto. “Lá, vivi com
eles, comi a mesma comida de que o povo se nutre. Descobri como os
cubanos sofrem com o bloqueio, com a falta de infraestrutura e produtos,
até de remédios. Tudo isso relatado por eles mesmos.”
Os brigadistas se alojaram no Campamento Internacional Julio Antonio
Mella, na cidade de Caimito, província de Artemisa. Ali, assistiram a
conferências, a filmes cubanos e apresentações artísticas, além de
visitarem museus e escolas. “Participamos também de uma experiência de
trabalho voluntário agrícola, introduzido pelo Che, que os cubanos fazem
questão de compartilhar como conceito, pois não se baseia em uma lógica
de mercado, mas tem a proposta de formar uma consciência coletiva que
sustente o ideal socialista”, diz a estudante.
Assim, além de conhecer cooperativas agrícolas, os participantes das
Brigadas de Solidariedade trabalharam em um campo de feijão e uma
plantação de manga. “Visitamos também a ilha da Juventude, onde ficamos
quatro dias, e uma cooperativa de artesãs que trabalham com argila. Foi
bonito ver que elas mesmas determinam as horas de atividade, pois se
trata de um trabalho artístico, que não depende de regras mecânicas de
produção.”
Na ilha, como observou a estudante, há uma boa produção de frutas e
outros produtos agrícolas, mas o modo de produção ainda não está
mecanizado como no Brasil, embora o processo de irrigação tenha lhe
parecido bem eficiente. “As vacas são destinadas à produção de leite,
por isso, em Cuba, come-se principalmente carne suína. A alimentação
para a população é barata e de boa qualidade. Cada família recebe de
acordo com o que necessita. Se há mais crianças em casa, recebe mais
leite. Se há mais adultos, uma quantidade maior de mantimentos.” O
transporte também é praticamente gratuito, paga-se simbolicamente. “E
se a pessoa não tiver dinheiro, não há problema, ela pode embarcar no
ônibus do mesmo jeito. Isso é para todos.”
Cerco à ilha
Luiza também se surpreendeu com a reação do povo diante do bloqueio que a
economista Nidia Alfonso Cuevas, do Instituto Superior de Relações
Internacionais, define como uma barbárie. “O país perdeu parceiros
comerciais. No contexto mundial, o princípio da extraterritorialidade
imposto pelos Estados Unidos impede qualquer empresa norte-americana que
se encontre em outro país a ter relações com Cuba”, comenta a
estudante.
A estudante viu as consequências geradas por este cerco absurdo à
ilha ao visitar hospitais e escolas. A falta de estrutura causada pelo
bloqueio provoca, por exemplo, racionamento, falta de energia, limitação
de medicamentos e falta de materiais escolares. “O acesso à internet
(que é via satélite e muito caro), está disponível principalmente em
universidades, centros de pesquisa, setores do governo e em hotéis.”
Mas, mesmo com toda a dificuldade do dia a dia, as pessoas manifestam
alegria e espontaneidade. “As crianças se divertem, parecem felizes e
protegidas nos pátios das escolas, nas ruas. Isto foi o que vi em
Havana, um grande centro, que é a capital, quando visitei algumas
escolas. Não posso generalizar, mas as pessoas que eu conheci estão
sintonizadas com a revolução, defendem o governo e sabem o que acontece
fora de Cuba”.
Luiza comenta que os cubanos demonstram conhecer muito bem a realidade
do mundo. “Pensei que por causa do bloqueio eles não soubessem dos
acontecimentos, mas os documentários na TV aberta informam muito bem
sobre a situação mundial. Alunos bem pequenos sabiam, por exemplo,
muitos fatos relacionados ao Brasil, e queriam conhecer mais.”
Em relação á educação Luiza constatou que “é realmente para todos, e
totalmente gratuita, desde o Círculo Infantil até a Universidade.” Na
saúde o acesso também é universal. “Fui atendida no posto de saúde, pois
me faltou um remédio, e paguei um preço simbólico. Se não tivesse
dinheiro, seria de graça. Também não percebi nos médicos uma postura
arrogante de quem diz ‘eu sou o doutor’.”
Lá, existe o médico de família e há, em cada quadra da cidade, núcleos
de atendimento à família, com profissionais da psicologia, serviço
social, entre outros. ”É visível a humanidade no atendimento à saúde,
mas também no geral, com as pessoas com quem relacionei. Ouvi relatos de
quem tinha doença grave e recebe todo auxílio. Conversei com uma
senhora diabética, que teve que amputar as pernas, e ela me disse que
recebe todo o atendimento de que necessita.”
Teoria na prática
O acesso dos cubanos ao mundo da arte, da cultura, da literatura também
impressiona. “A vida cultural é riquíssima, com muitas atividades de
acesso gratuito para a população. Há numerosas feiras de livros, que
realmente são bem baratos. Lá se nota que há a prática da teoria deles.
Eles entendem o conhecimento como algo integral. E se você conhece, tem a
obrigação de compartilhar com o outro.” Uma das paixões nacionais é a
novela brasileira. “Mas os cubanos não se enganam com a ficção, têm
consciência de que é fantasia, que a realidade social brasileira não é
como mostram as novelas”.
Várias conferências que Luiza assistiu despertaram seu interesse, uma
delas, da Federación de Mujeres Cubanas. Há muitos núcleos desta
federação no país, que atuam na prevenção, esclarecimento e proteção das
mulheres acerca da sexualidade e violência, por exemplo. Em Cuba, conta
a estudante, as grávidas condenadas por algum delito têm direito a
acompanhamento médico idêntico ao de uma mulher em liberdade, pois o
bebê é um cidadão cubano como todos os demais, e não vai para a prisão
com a mãe. Após o nascimento, ela e o bebê recebem atendimento até o fim
da amamentação, quando então a mulher volta a cumprir a pena. A
licença maternidade em Cuba, vale dizer, tem a duração de um ano. “‘Los
hijos de la pátria’ (os filhos da pátria), crianças e adolescentes que
perderam os pais, são acolhidos pela sociedade, com todo atendimento de
educação, saúde, até a universidade.
A vida política na nação caribenha é intensa, como notou Luiza. Os
deputados não recebem salário de político, somente a remuneração da
profissão em que atuam enquanto também cumprem o mandato. “Os políticos
entendem que trabalhar no governo é uma extensão de seu papel social, um
dever. Eles têm que prestar contas do trabalho à sociedade, de modo
rigoroso.”
Ao final das brigadas, nos cinco dias em que ainda ficou na ilha, Luiza
teve contato com alguns jovens que reclamaram por não poder viajar,
“Eles disseram que é difícil passear no próprio país, pela falta de
dinheiro, pois recebem em peso cubano. Falaram também que são poucos os
que conseguem viajar para fora, pois isso só acontece se for para
realizar uma pesquisa, uma palestra ou para fazer um curso.”
Educação para todos
Ao visitar a Universidad de la Cultura Física y el Desporto Manuel
Farjado, acompanhada pelo professor Pedro Martinez, diretor da Radio
Havana Club, Luiza pôde conversar com o reitor Antonio Becalli
Garrido, “Ele me explicou que em Cuba o conhecimento é parte da
sociedade, sendo assim fácil de adquiri-lo. Todos que querem frequentar a
universidade podem ter acesso a ela, pois ali se investe em educação
para todos. Em outros países, muitas vezes, pode-se ter talento mas,
se não há dinheiro, não é possível estudar ou praticar esportes.”
Em Cuba há 14 escolas de Educação Física e todas são de graduação e
pós, e os estudantes incentivados a prosseguir estudos. O curso é
fundamentado por três eixos: regular diurno, regular para atletas de
alto rendimento e o de universalização. “Entende-se que a vida do atleta
é diferenciada, com rotina de treinos e preparação para competição. Por
isso é necessária uma adaptação à estrutura do currículo, para que siga
sua vida acadêmica, com uma boa formação e uma profissão, pois a vida
do atleta é relativamente curta por fatores como o intenso desgaste
físico.”
O curso de universalização foi implantado por Fidel para levar a
universidade em todos os cantos do interior, dando oportunidade de
estudos para todos os cubanos. São 500 os professores que ensinam nesta
área, sendo 68% mulheres. Na ilha há 23 mil estudantes de educação
física e a universidade que Luiza conheceu conta com 2200 alunos. Os
mestrados mais importantes são em treinamento desportivo e cultura
física terapêutica, formação professores de educação física, atividade
física na comunidade e esporte de combate.
Luiza cita que o reitor Antonio Garrido, durante a entrevista, afirmou:
“A essência do desporte cubano parte da universidade. Quando falamos das
nossas medalhas olímpicas – e poucos países podem falar disso como nós –
essas fundamentalmente surgem dos professores da universidade, porque a
ciência assume um papel muito importante no desporte; pois estamos
falando de biologia, fisiologia e metodologia do desporte. Tratamos o
alto rendimento em forma de sistema, temos que ter uma equipe muito
disciplinada para trabalhar com o atleta, sendo assim a universidade tem
um papel de protagonista.”
Inspiração para lutar
Luiza também teve contato com a Federação dos Estudantes Universitários,
entidade estudantil que trabalha com uma atuação política organizada.
“Alguns estudantes disseram que a classe estudantil tem o privilégio de
manter uma boa relação com as reitorias, pois o entendimento em Cuba é
de que a universidade é dos estudantes.”
Para Luiza, a viagem foi uma oportunidade de conhecer “a realidade de um
país que apresenta um sentido avançado de humanidade, mas vive
boicotado por uma grande potência, que não lança um olhar humano sobre
este povo.” Mas os cubanos, como ela diz ter percebido, não têm raiva
dos americanos. “Falam deles como irmãos. Nunca queimaram uma bandeira
dos EUA em Cuba, tanto que muitos turistas estadunidenses vão conhecer a
ilha, onde são bem acolhidos.”
A estudante, que veio de Lages para estudar na capital, mora em uma
república com quatro outras estudantes. Ela perdeu o pai em 2009, tem
dois irmãos e para estudar conta com o apoio da mãe, que trabalha como
auxiliar de contabilidade em uma empresa. Para continuar seu trabalho
de pesquisa, ela agora espera poder viajar para o Chile e, se tudo
correr como sonha, pretende aprofundar as pesquisas sobre infância e
educação física na Venezuela, Equador e Argentina. Esta primeira
viagem de estudos contou com o apoio da Pró-Reitoria de Assuntos
Estudantis, e ela frisa que não teria se concretizado sem a atenção e
orientação do professor Paulo Capela, do curso de Educação Física da
UFSC.
Luiza de Liz pensa que a o início de sua caminhada pela América Latina
foi emblemático. “Cuba é um exemplo de que muitos tiveram que morrer
para que houvesse a mudança. É uma inspiração para grandes lutas. Mas
penso que apenas espelhar-se no modelo cubano seria um engano, pois
cada país tem que encontrar seu próprio modo de fazer a sua revolução
transformadora.”
Fonte: Solidários
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