De Havana, Cuba - Lucas Bólico
O agrônomo Miguel Samines, com mais de 20 anos de experiência no Ministério da Agricultura preside a cooperativa UBPC. |
Em meados da década de 1990, pouco ainda se falava em sustentabilidade,
conceito que entraria em voga no mundo nos anos 2000, na esteira da
preocupação ambiental. Mesmo assim, em Havana a agricultura orgânica e
sustentável já dava seus primeiros passos, não por motivos ecológicos ou
para melhorar a qualidade da alimentação eliminando agrotóxicos. A
necessidade era muito mais urgente, produzir alimentos em um país
estagnado e isolado.
A cooperativa UBPC começou tímida, com cinco trabalhadores operando em
800 metros quadrados de terra, em 1997, na zona urbana de Havana. Sem
acesso a agrotóxicos e a qualquer tipo de insumo industrializado, o
agrônomo Miguel Samines, com mais de 20 anos de experiência no
Ministério da Agricultura cubano, começou o projeto cultivando frutas e
hortaliças. Hoje a UBPC conta com 155 trabalhadores e 11,8 hectares.
“O Kama Sutra já dizia que o que é bom para o corpo é bom para o sexo.
Química não faz bem para o corpo. Até quando vocês vão comer
agrotóxicos?”, provoca Samines. Além de alimentos saudáveis, a
cooperativa desenvolveu um negócio que, se não dá grandes margens de
lucro, é viável e vem crescendo gradativamente.
O modelo se espalhou pela Ilha e está sendo copiado em outros países sem
grandes áreas agricultáveis. Hoje em Cuba, 70% de tudo que é produzido é
feito nos moldes da cooperativa UBPC e apenas 30% do que é feito no
país ainda contém agrotóxico.
“O que temos de mais valioso aqui são os recursos humanos. Hoje,
infelizmente, os jovens não querem mais ser agricultores. Querem é ter
Iphone, querem outra vida”, queixa-se o pioneiro na agricultura orgânica
da ilha. Os membros da cooperativa trabalham sete horas diárias, mas
apenas seis no verão. Ganham café da manhã e almoço.
As mulheres recebem gratuitamente serviço de manicure e os homens de
barbeiro. Os trabalhos alternam-se nos sábados e domingos. Também
ganha-se uma folga a cada 15 dias e um mês de férias anual. Os membros
da cooperativa também têm participação nos lucros, que leva em conta
produção e anos de trabalho na hora da divisão.
Contexto histórico
A produção da cooperativa é diversificada. A terra é cultivada com
minhocas produzidas no local e esterco das vacas criadas pela UBPC.
“Não é fácil superar 400 anos de colônia com monocultura”, argumenta a
agrônomo. A ilha sempre produziu cana-de-açúcar. Quando a revolução
triunfou, em 1959, o destino da produção nacional deixou de ser os
Estados Unidos e passou a ser a União Soviética, que financiava a ilha.
Com o fim da URSS, nos anos 1990, o país entrou em colapso e não tinha comida para todos.
“Cuba produzia alimento para 40 milhões de pessoas, mas apenas em forma
de açúcar”, brinca Samines. “Tudo o que é produzido na UBPC é vendido
para a população a preços solidários”, explica o presidente da UBPC.
“Mas tem de ser vendido. É um negócio que precisa ser viável”, pondera.
Política eleitoral
“Sou presidente da cooperativa desde 1997, [Hugo] Chavez é [presidente da Venezuela] desde 1998, então sou presidente há mais tempo que ele”, brinca Miguel. A UBPC tem um regime presidencialista, as eleições são feitas por voto secreto, ferramenta pela qual Samines vem se reelegendo.
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